USP nega matrícula a aluno de cota: como funciona comissão para analisar candidatos?

Comissão de heteroidentificação visa a coibir fraudes em ações afirmativas, mas há queixas de injustiças contra parte dos concorrentes; é possível recorrer de negativas das instituições

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Foto do author Giovanna Castro
Atualização:

O estudante Alison Rodrigues, de 18 anos, teve sua matrícula no curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) negada após a comissão de heteroidentificação da instituição não aceitar sua autodeclaração racial como pardo. O caso reacendeu o debate sobre os critérios utilizados por comissões avaliadoras de identidade étnico-racial para utilização de cotas.

A Lei de Cotas, vigente desde 2012, estabelece que 50% das vagas de cada curso, em cada turno, deve ser reservada a alunos de escola pública. Dentro destas vagas reservadas, uma parte deve ser destinada para estudantes de escola pública que sejam autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI), conforme a distribuição demográfica de cada região medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

USP adota cotas sociais e raciais nos processos seletivos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Mas se por um lado o critério da escola pública é fácil de comprovar na hora da matrícula na universidade, o critério de raça e etnia é mais subjetivo. Não é a primeira vez que decisões de comissões de heteroidentificação são alvo de questionamentos, especialmente por pessoas pardas, cujos traços físicos são birraciais.

Desde 2018, quando a maioria das instituições de ensino superior começou a criar comissões de heteroidentificação, estudantes vêm reclamando de “injustiças”. Cursos muito concorridos, como o de Medicina, estão entre os que mais apresentam queixas. São essas carreiras em que há maior pressão contra fraudes, prática que era mais frequente antes de criadas as comissões de heteroidentificação.

Alison dos Santos Rodrigues foi aprovado em Medicina por meio de cota PPI, mas teve sua matrícula barrada na USP após a comissão de heteroidentificação não considerá-lo pardo. Foto: Arquivo pessoal/Laise Mendes dos Santos

Como funcionam as comissões de heteroidentificação?

  • De modo geral, as comissões de heteroidentificação em universidades são compostas por docentes e servidores técnico-administrativos selecionados com critérios de diversidade racial e de gênero.
  • Na USP, alunos da graduação e da pós-graduação indicados pela Coligação dos Coletivos Negros da universidade, e um representante da sociedade civil, também participam.

“Uma boa comissão é feita de um conjunto de pessoas diversas, com diversos saberes”, defende Juarez Xavier, ex-presidente e responsável pela criação da comissão de heteroidentificação para cotas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Na Unesp, aprimoramos essa ferramenta ao longo do tempo e hoje temos um nível de assertividade bastante alto”, afirma ele, professor de Jornalismo da Unesp e membro do Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão (NUPE). A Unesp tem uma comissão do tipo desde 2016. Já a USP só criou a sua comissão em 2022.

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  • A comissão avalia aspectos fenotípicos próprios das pessoas pretas, pardas e indígenas nos candidatos.
  • O Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Declaratória de Constitucionalidade de 2017, definiu que as características para esse tipo de avaliação devem ser físicas, visto que o preconceito no Brasil tende acontecer a partir de julgamento de fenótipos.

O Supremo instituiu, na mesma ação, que no caso de pretos e pardos as características que devem ser consideradas por bancas avaliadoras em concursos e processos seletivos como vestibulares são:

  • Textura do cabelo (crespo ou enrolado);
  • Nariz largo;
  • Cor da pele (parda ou preta);
  • Lábios grossos e amarronzados.

Documentos do candidato e a ancestralidade (se há pessoas pretas e/ou pardas na família) não devem ser avaliados ou considerados, conforme recomendação do STF. Antes de 2017, quando o tribunal criou essa definição, era comum que as comissões utilizassem critérios próprios.

Passo a passo

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Na USP, a identificação é feita primeiro por fotografia enviada pelo aluno (edições e utilização de filtros pode gerar desclassificação) ou por vídeo – recurso usado pela universidade para candidatos via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Na segunda fase, os candidatos para os quais a banca não chegar a uma conclusão sobre sua raça ou etnia, são convocados para uma avaliação presencial.

Na USP, participam duas bancas de heteroidentificação na primeira fase e uma na segunda. É preciso que a maioria dos membros da comissão votem positivamente em relação à legitimidade da cota racial para aquele candidato. Só então, é possível fazer a matrícula.

O estudante barrado pode, no entanto, entrar com recurso pedindo uma nova banca. Esse direito foi determinado também pelo STF, em 2017. O candidato deve procurar um advogado e preencher o formulário de recurso, junto aos documentos que comprovem a negativa.

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Caso o recurso seja indeferido (termo jurídico para recusa), é possível, ainda, recorrer à Justiça, pedindo que um magistrado analise a legalidade do ato da banca que reprovou o candidato.

Nascimento das comissões de heteroindentificação

Inicialmente, as comissões só eram instauradas mediante denúncia de fraude, o que poderia ocorrer anos após a matrícula – ou nunca ocorrer. Se fosse definido que a pessoa não era preta, parda ou indígena, o aluno era expulso do curso e um novo candidato PPI não poderia entrar em seu lugar, já que a vaga não era em turma ingressante.

Foi neste contexto que as comissões de heteroidentificação ganharam força para o acesso ao ensino superior, com apoio de parte do movimento negro. A ideia era uma tentativa de evitar fraudes e garantir que as pessoas pretas, pardas e indígenas entrem, de fato, na universidade. Apesar de não serem obrigatórias, a maioria das instituições adotam este método. Na USP, o programa começou em 2022.

O Ministério Público Federal (MPF) recomenda mecanismos para prevenir fraudes em cotas. Segundo o órgão, a falta de instrumentos do tipo pode configurar improbidade administrativa, era comum haver fraude de cotas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem determinado como obrigatória a criação de comissões de heteroidentificação nos concursos de ingresso na magistratura. As bancas de identificação passaram a ser obrigatórias nos processos seletivos para juízes em 2022 e as regras de implementação foram definidas no final de 2023.

*Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão (NUPE)

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