A Universidade de São Paulo (USP) passou a permitir o retorno presencial de atividades de pesquisa e a volta de até 30% dos funcionários técnico-administrativos nos câmpus da capital paulista. A permissão, válida a partir desta segunda-feira, 17, na maior instituição de ensino superior do País, faz parte de um plano de retomada de atividades presenciais na universidade ao qual o Estadão teve acesso. A volta gradual na USP será realizada em cinco etapas. Só na última, prevista para o ano que vem, estudantes de graduação e pós poderão voltar a ter aulas teóricas presenciais.
A USP, assim como as demais instituições de ensino do Estado, está fechada desde o meio de março, após decreto de quarentena, para conter a disseminação do novo coronavírus. A retomada gradual deve priorizar, no primeiro momento, pesquisa em laboratórios e liberar, na capital, até mesmo aquelas atividades científicas não relacionadas à covid-19. “Todas as atividades de pesquisa no câmpus da capital poderão retornar, dentro dos protocolos estabelecidos no plano”, confirmou a USP à reportagem.
Alunos de pós-graduação e pós-doutorandos poderão acessar laboratórios, desde que respeitados os protocolos da 1ª etapa de abertura, em que se encontra o câmpus Butantã, na zona oeste - só uma pessoa pode permanecer em ambientes de até 7 m2. O número sobe para duas pessoas nos ambientes de 7 a 15 m2. Deverá ser dada prioridade a pesquisas em fase final, àquelas que podem perder a validade e a pesquisadores com dificuldades de acesso à internet.
O plano também permite a abertura parcial de bibliotecas da USP, com restrição de público. O máximo, na 1ª etapa, por exemplo, é de 17 pessoas em ambientes de 101 a 120 m2 . Algumas unidades preveem abrir bibliotecas só para a retirada e devolução de livros. O transporte coletivo interno do câmpus na capital deverá voltar a funcionar. Já os restaurantes universitários devem continuar fechados, com entrega de marmitas.
As unidades no interior não terão aval para abrir laboratórios no primeiro momento. A etapa inicial de reabertura é autorizada só em câmpus localizados nas áreas do Estado há quatro semanas na fase amarela do plano de flexibilização da quarentena do governo do Estado, o Plano São Paulo. O plano da USP nomeia as fases de abertura por letras (A,B,C,D e E). Na A, a restrição é máxima (fase atual dos câmpus do interior). Na B, são liberados laboratórios de pesquisa.
O retorno completo de toda a comunidade acadêmica - incluindo as aulas de graduação - só deverá ocorrer na fase E, chamada de “normal 2021”, prevista para o ano que vem. Mesmo que o Estado permaneça na fase azul do plano de reabertura econômica do governo paulista, em que a doença é considerada controlada, aulas teóricas de graduação e de pós deverão continuar sendo realizadas de modo on-line na USP.
A abertura parcial na capital autorizada não permite que alunos das graduações retomem atividades práticas - nem mesmo bolsistas. A exceção é para os estudantes e profissionais da saúde. A reitoria deve fazer o comunicado oficial sobre o plano à comunidade acadêmica nesta quarta-feira, 19.
Diretores vão decidir sobre volta em cada faculdade
Segundo o documento, fica a cargo dos diretores de cada unidade dar o aval para o retorno de até 30% dos servidores técnicos e administrativos para atender às necessidades da pesquisa. O retorno dos funcionários neste momento é facultativo. Nas fases seguintes, o percentual de funcionários que poderão voltar aumenta.
O plano não obriga que funcionários com comorbidades sejam poupados. Segundo a USP, poderão ser convocados funcionários que se enquadram no grupo de risco para a covid-19, como diabéticos ou idosos, “desde que o dirigente entenda não ter outro servidor que possa exercer a mesma função”.
“Nesse momento, o retorno é facultativo e tudo o que vai bem remotamente deve permanecer remotamente”, diz Mônica Sanches Yassuda, diretora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a USP Leste, e integrante do grupo de trabalho responsável por elaborar o plano. “Muitos alunos são bolsistas. Há contratos com empresas que têm prazos, projetos de pesquisa dos próprios docentes e pessoas precisando terminar seus mestrados e doutorados.” Embora já esteja autorizado, o retorno da pesquisa depende da adequação dos espaços em cada uma das unidades.
O plano exige limpeza frequente dos ambientes e distanciamento social de no mínimo 1,5 metro, além do uso obrigatório dos equipamentos de proteção, como máscaras e protetores faciais. Diferentemente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a versão preliminar do plano da USP não prevê testes em massa da comunidade acadêmica, mas vê a possibilidade de fazer testes sorológicos por amostragem e dos contatos de quem teve resultado positivo para a covid-19. Esse ponto, porém, ainda está em discussão. Também não será obrigatório o controle de sintomas na entrada da universidade, como a medição de temperatura.
Outras medidas de segurança incluem orientar os usuários a não conversarem dentro dos elevadores, controlar o fluxo de entrada e saída dos prédios e, em caso do surgimento de sintomas, procurar uma unidade básica de saúde. Segundo a reitoria, serão oferecidas 200 mil máscaras, 150 mil protetores faciais, álcool em gel e sabonete líquido para a comunidade acadêmica.
Plano nas faculdades inclui até ‘quarentena de livros’
Dirigentes de unidades ouvidos pelo Estadão veem com cautela a possibilidade de retomada. Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, a diretora Primavera Borelli Garcia prevê que 50 pesquisadores frequentem a unidade para pesquisas mais urgentes, que correm o risco de se perder. Ela cita estudos como o que busca desenvolver uma vacina para malária e cujos experimentos são previamente agendados. Mesmo antes do plano, a unidade já obteve autorizações excepcionais para abrir os laboratórios a seus pesquisadores.
A unidade prevê monitorar temperatura dos frequentadores, mas não deve fazer testagem. Também descarta, inicialmente, convocar funcionários com comorbidades. “Não é nossa ideia trazer o grupo de risco”. Em relação à biblioteca, diz Primavera, ainda não há previsão de abrir, mas os protocolos devem incluir até quarentena de livros - período de dez dias em que as obras ficariam “isoladas”, sem manuseio, para evitar a contaminação de alunos.
Já na Faculdade de Direito, em que 90% das disciplinas têm sido oferecidas de modo remoto na quarentena, a previsão é de manter as atividades online pelo tempo que for possível. “Neste momento, não há previsão de retorno, continuamos trabalhando em home office”, diz o diretor, Floriano de Azevedo Marques Neto. Ele considera importante que a decisão seja feita em cada faculdade, uma vez que há diferenças no tipos de pesquisa.
“A universidade tem dinâmicas diferentes. Não posso tratar o Direito como a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba). Aqui, a pesquisa pode ficar atrasada, mas não perco o que estou pesquisando.” No Direito, 240 bancas de mestrado e doutorado já foram realizadas virtualmente. A unidade avalia abrir a biblioteca para consultas específicas e agendadas, mas só em outubro.
Na USP Leste, a diretora calcula que o maior prejuízo do distanciamento tem sido para atividades práticas de laboratório - algumas delas só poderão ser retomadas em janeiro e fevereiro. Um grupo de trabalho criado internamente vai discutir protocolos e definir o que deve ou não voltar, respeitadas medidas de segurança. “Para que gente possa fazer esse ajuste fino de, ao mesmo tempo, garantir a saúde e não causar danos à vida acadêmica”, diz Mônica.
Sindicato orienta que trabalhadores não se exponham a risco
Magno Carvalho, do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), defende que a volta só ocorra quando houver vacina contra o coronavírus e entende que deixar a decisão nas mãos de cada dirigente eleva o risco de pressão sobre os funcionários. Em comunicado, o sindicato orienta que os trabalhadores “não aceitem se expor ao risco” do retorno.
“Tem muito interesse individual, pesquisadores que querem tocar sua pesquisa porque a carreira está ligada àquilo. Se vai morrer mais ou menos, isso passa a ser secundário”, critica.
A Associação dos Docentes da USP (Adusp) defende que o plano considere a proteção de todos, “independentemente de sua condição laboral, social, emocional ou outra de qualquer ordem”.