Patrícia Ferraz dá dicas para deixar a sua experiência gastronômica mais saborosa
Restaurante Tripea, estrelado pelo Michelin, é uma das atrações do mercado construído em 1930
Quando for a Madri, ponha o Mercado de Vallehermoso no roteiro. É um mercado público, construído em 1930, reformado, e, desde 2017, administrado pela iniciativa privada. A fachada vermelha e a irreverência dos grafites coloridos não dão pistas de que o centro de compras do bairro de Chamberí já foi ponto de abastecimento de aristocratas que viviam no seu entorno nos séculos 19 e início do século 20. É preciso subir uma escada discreta e abrir a porta de ferro para chegar ao piso principal.
A primeira surpresa é que mais do que bancas de frutas e vegetais que chegam direto do produtor (os tomates são espetaculares, das mais variadas cores e formatos), peixes, queijos, embutidos e algunas cositas más, o que se vê são corredores repletos de mesas, balcões, banquetas e bancadas ocupados por um público que come na maior animação. Os pequenos restaurantes, com menos de 20 lugares, são a grande atração local. O cardápio é variado: arroces, tortilla, lámen, sushi, comida coreana, chinesa, hambúrguer, um ao lado do outro, tornam o ambiente discretamente animado. Bem diferente do Mercado de San Miguel, na região central de Madri, frequentado basicamente por turistas, quem vai ao Vallehermoso são os madrilenhos. Não é lugar de turista. Cheguei ali com os membros da Academia Madrileña de Gastronomia, Rogelio Enriques, Elena Vaello e Javier Férnandez Piera. Eles prepararam um roteiro surpreendente para mostrar “que bien se come en Madrid”.
Depois de uma parada na banca de drinques e coquetéis, fomos direto ao concorrido Tripea, que ostenta na parede a cobiçada placa de indicação do Guia Michelin. A reserva havia sido feita dois meses antes – o site do restaurante abre o calendário no primeiro dia do mês. São apenas 20 lugares, em uma mesa comunitária. O almoço começa às 14h30 e o jantar às 21h30 (madrileños almoçam e jantam tarde!). É um menu-degustação com oito etapas, apresentado em combinações surpreendentes e a mistura de sotaques asiáticos e peruanos. Uma delícia. Preço-fixo de 60 euros.
A seleção atual inclui alcachofra confitada e frita com cebola roxa e molho bernaise de huacatay (uma planta andina); ceviche quente de mexilhões grelhados na wok e servidos com leche de tigre de aji amarillo; dumplings; ceviche; guisado com cenoura escabechada e especiarias; e o meu favorito, um memorável bao recheado com carne salteada na wok e creme de pimenta rocoto: vem com ovo de codorna frito por cima, com a gema mole que escorre quando se corta…Na sobremesa, arroz cremoso de leite de coco com crispy de arroz. Não por acaso, a fila de espera é de dois meses, em média.
Mercado de Vallehermoso. Calle de Vallehermoso, 36, Chamberí, Madrid, Espanha, www.tripea.es
O restaurante oferece boas tortillas para iniciar os trabalhos e churros caprichados para sobremesa
Um dos restaurantes mais simpáticos de comida espanhola acaba de mudar de endereço. Depois de 15 anos na Chácara Santo Antônio, onde conquistou fama pela combinação de boa comida e bons preços, o Maripili está agora em uma esquina de Moema. Com mesas ao ar livre, uma bela árvore na entrada, salão mais amplo e um balcão que acomoda a indispensável jamonera, mantém o mesmo ar despretensioso e o cardápio escrito numa lousa. A casa pertence aos mesmos donos do Carmen la Loca e Museo Veronica, também em Moema.
Minha sugestão é ficar entre as tapas. Dê uma olhada no cardápio que está na lousa, mas já aviso que a tortilla é bem boa, feita na hora, com cebola, em tamanho individual (R$ 18). Outra pedida obrigatória é o pan con tomate, afinal, a ideia é entrar no clima da Espanha. São duas fatias grandes de pão fresquinho, levemente tostado, com tomate ralado e um fio de azeite (R$15, porção com duas unidades). O prato de tomates com anchovas e bastante azeite também tem seu valor. Para completar, peça uma porção de jamón fatiado na hora, o serrano custa R$ 68 e o jamón iberico, o presunto espanhol mais nobre, feito com o pernil de suínos da raça ibérica criados soltos e alimentados com belota custa R$ 92. As patatas bravas ali não são furiosas, como em outros lugares, apenas levemente picantes. Vêm com o molho de pimenta à parte. Os preços da casa não assustam.
O serviço ainda está se acertando e os pedidos podem demorar, mesmo com pouco movimento no salão. Tomara que recupere logo o jeito. Na sobremesa, os churros com doce de leite (R$ 23) valem a pedida, mas dispense a torta de santiago – a versão servida ali, com excesso de canela e falta de sabor de amêndoas, guarda pouca semelhança com a clássica torta de Santiago de Compostela (R$ 19).
Para beber, tintos e brancos, basicamente argentinos e espanhois, algumas opções em taça e uma bela sangria branca (R$ 76), ótima pedida no calor. Antes de ir embora, prove o carajillo, um drinque espanhol feito com café espresso, licor 43 e gelo (R$ 25) que anda em moda na América Latina.
Avenida Pavão 764, Moema. Abre todos os dias, direto das 12h às 23h.
O Spicy Fish acumula prêmios desde a inauguração em 2021
As fatias de wagyu, fininhas, quase transparentes, vêm elegantemente acomodadas numa bandeja de madeira, sobre folhas. Ao lado delas, na mesma bandeja, três pedras vulcânicas pretas fumegantes e um pote de shoyu. Você pega uma fatia da carne japonesa mais nobre que existe com o hashi, enrola cuidadosamente, encosta na pedra quente apenas para dar uma selada. Aí molha no shoyu e põe na boca. Impossível não sorrir. Eis aí uma das poucas coisas que merecem ser chamadas de iguaria (o termo foi banalizado, mas essa é outra história).
Esse foi o final de um almoço memorável no Spicy Fish, no Rio de Janeiro, na semana passada. O restaurante é um dos melhores de cozinha asiática na cidade e acumula prêmios desde que foi inaugurado, em 2021. Vale a visita, a começar pelo ambiente, ou melhor, pelos diferentes ambientes, cheios de plantas, que se espalham por três andares numa esquina da Barão da Torre com a Maria Quitéria, em Ipanema. As paredes de vidro têm vista para a Praça Nossa Senhora da Paz.
A cozinha japonesa é comandada pelo talentoso sushiman Meguro Baba, que montou um cardápio vasto e atraente com a colaboração de Emerson Kim (ex-Nobu). Torça para ter o negi toro, porção de toro batido e levemente temperado, enrolado com alga nori, certamente o maki mais nobre que já provei (R$ 101). Hamachi yuzu jalapeño é uma entrada que traz combinação ousada de sabores com ótimo resultado: o carpaccio de peixe hamachi, olhete importado do Japão, não poderia ser mais refrescante, servido com fatias finas de melão e de pepino, finalizado com molho feito com o cítrico japonês e toque de pimenta mexicana jalapeño (R$ 110).
O sashimi chega num belo bowl em fatias grossas. A seleção varia – provei com atum nacional, atum bluefin, carapau (com gengibre e cebolinha), robalo com yuzu, prejereba com nori e shiso, e polvo espanhol com raspas de laranja bahia (R$ 168). A composição de sushis também varia conforme o dia, porém os niguiris ali têm uma particularidade: são mais longos e levam um pouco mais de arroz que o normal, para equilibrar os peixes mais fibrosos (confesso que achei grande demais porque não cabem numa bocada só, mas fui informada de que as proporções são as de antigamente no Japão).
Ah, entre os pratos coreanos da casa, tem um macarrão de batata doce memorável, servido com karage, o frango fritinho cortado em cubos pequenos. Se tiver espaço, peça o tropical coconut pudding, de sobremesa, uma cocada de forno escoltada por sorvete. O serviço é muito bem treinado pela sommelière de sake Yasmin Yonashiro, que, de quebra, faz a harmonização. Já quero voltar!
Rua Maria Quitéria, 99, Ipanema, Rio de Janeiro. De segunda a quinta, das 12h às 0h. Sexta e sábado, das 12h à 1h. Domingo, das 12h às 23h @spicyfish.af
Don Julio, parrilla argentina no bairro de Palermo, em Buenos Aires, vence o 50 Best Latin America Restaurants Award
O Melhor Restaurante da América Latina em 2024 é uma churrascaria. Mais exatamente uma parrilla argentina que funciona há 26 anos, no bairro de Palermo, em Buenos Aires.
O prêmio foi anunciado na terça-feira, na cerimônia do 50 Best Latin America Restaurants Award, no Rio de Janeiro.
Don Julio @donjulioparrilla já havia chegado ao topo da lista em 2020. Nos últimos dois anos, o restaurante de Pablo Rivero e Guido Tassi conquistou o título de melhor restaurante de carne do mundo no britânico World’s 101 Best Steak Restaurants. E ainda este ano, Pablo foi eleito o Melhor Sommelier do Mundo, na lista global 50best Restaurants Award.
Tanto reconhecimento não deixa dúvidas sobre a excelência da casa. Porém é curioso que numa competição marcada pela criatividade, pelo uso de técnicas de cozinha de vanguarda e pratos autorais, o vencedor seja pautado pela tradição. E que tenha foco justamente no alimento mais polêmico atualmente, por razões ambientais, a carne bovina.
Os donos da casa fazem sua parte. A tradição ali foi aprimorada, com o manejo controlado da grelha, tempos e pontos cuidadosamente respeitados. A carne do Don Julio é espetacular. Vem de gado das raças Aberdeen e Hereford, criado solto, em sistema de pecuária regenerativa, que tem o propósito de recuperar os solos e preservar a biodiversidade.
O restaurante tem açougue próprio onde sao cortados os anchos, bifes de tira e as entranhas celebradíssimos na casa. Acompanhamentos variados, vegetais assados, a seleção de curados e embutidos de produção própria completam o menu.
A carta de vinhos é um espetáculo, são mais de 14 mil rótulos. Todos os vinhos relevantes de todas as regiões vinícolas argentinas estão ali em diferentes safras. É um acervo ímpar.
Hospitalidade é outro ponto. A recepção começa na calçada, com uma taça de espumante e empanadinhas em
miniatura fritas, servidos na fila, para amenizar a longa espera. Se não conseguir fazer a reserva, a única saída é chegar ali por volta das 11h da manhã. E esperar. Mas entre taças e empanadas, o tempo vai passando.
Os precos já não são os mesmos de outros tempos, ainda assim ganham na comparação com os do Brasil.
Se o Don Julio vale a visita? Sim. Sempre. Em dezembro, o festival do tomate é uma festa.
Postas grelhadas ao ponto, úmidas e brilhantes na Panificadora Vila Monumento
Gosta de bacalhau? Pois recomendo que você vá comer na padaria. Mais exatamente na Panificadora Vila Monumento, uma padaria de português típica paulistana, com quase 70 anos de história. É ali, nas mesas entre o balcão e as vitrines repletas de bolos, doces, roscas e pães feitos na casa, que se come um bacalhau espetacular.
São postas de gadus morhua, dessalgadas à perfeição (não sobra e nem falta sal) e grelhadas ao ponto. O peixe se desfaz, com o leve toque do garfo, em lascas grandes, úmidas, brilhantes, prova incontestável de que o trabalho foi bem feito – e de maneira mais cuidadosa que em muitos restaurantes sofisticados. As peças chegam inteiras, seu Manoel e dona Eliete, os donos da padaria têm um “corretor de bacalhau”, encarregado de correr as importadoras da cidade e trazer o que encontrar de melhor. São 150 kg por semana. O peixe salgado chega toda segunda-feira. Vem inteiro e as postas são cortadas ali mesmo, numa área separada da preparação de pães. Com os pedaços porcionados e aparas separadas, começa o processo de dessalga, que leva cinco dias, em ambiente refrigerado. Já sem sal, o peixe é congelado, por isso, é preciso reservar o prato um dia antes.
O bacalhau é preparado na clássica chapa quente da padaria, porém em uma parte exclusiva. É servido com batatas cozidas, macias e íntegras, brócolis verdinhos, ovos cozidos e lascas de alho levemente douradas e sequinhas. Um espetáculo.
Essa história começou por acaso. Seu Manoel Alves Rodrigues Pereira e outros portugueses donos de padaria costumavam sair juntos para comer bacalhau. A cada vez, iam a um restaurante diferente, mas nem sempre ficavam satisfeitos. Oito anos atrás, para um desses encontros, seu Manoel resolveu fazer um bacalhau na padaria e chamar os amigos. Tamanho sucesso, os encontros passaram a ser sempre ali e o “bacalhau do Manoel” acabou entrando no cardápio. Custa R$ 330 e serve duas pessoas. Para quem não se anima em comer na padaria, a dica é pedir delivery. As entregas são feitas por toda a cidade, mas é preciso encomendar pelo menos um dia antes.
Rua Dr. José Maria Azevedo, 259, Vila Monumento, whatsapp 94513-3087.
Filial em Pinheiros tem pratos com o filé Oswaldo Aranha e picadinho com ovo perfeito
A versão de Bel Coelho para o filé Oswaldo Aranha é uma das melhores que já provei – talvez por ser bisneta do grande diplomata brasileiro, a chef tenha caprichado especialmente na receita. O filé alto, macio e grelhado ao ponto, vem com molho roti, arroz puxado no molho e chips de batata bolinha por cima. Em vez do alho frito tradicional, ela serve, à parte, um pouquinho de purê de alho assado (R$ 93). O prato é um dos clássicos do cardápio do Cuia, que funciona na Livraria Megafauna, no Edifício Copan, desde 2020, e acaba de abrir uma filial em Pinheiros.
Além do filé, a casa tem agora um ótimo picadinho servido com ovo perfeito, arroz, couve e banana grelhada (R$ 80). O peixe do dia é outra boa pedida, com farofa de feijão manteiguinha e molho de tucupi (R$ 97), num delicioso contraste de texturas finalizado pelo toque azedinho do tucupi. Baião de dois; orecchiette com bok-choy, alho poró e cogumelos… O Cuia é um misto de restaurante, café e bar, que oferece comida para o dia a dia, o dia todo. Bem diferente do Clandestina, o restaurante gastronômico da chef, aberto há pouco, na Vila Madalena.
O cardápio vai do pão de queijo ao choux recheado de curau na sobremesa, passando por sanduíches e saladas. Bel Coelho sempre acha um jeito diferente de usar produtos brasileiros. Faz waffle, mas a massa é de pão de queijo e ele vem com doce de leite e creme de queijo (R$20). O tostex é feito com pão de fermentação natural, uma combinação de queijos Mandala e alguns da Serra da Canastra e geleia de jabuticaba (R$34). Considero imperdível o cuscuz de milho com creme de queijos Quina e Quark, chips de batata doce e ovo frito (R$ 36) – o ovo esconde o creme de queijo e o cuscuz macio, preparado com pedacinhos de tomate. Você vai metendo a colher…
Nas entradas e petiscos, a croqueta de cogumelos e milho crioulo com creme de avocado é novidade (R$ 38). Como petisco, sugiro os aneis de lula em tempurá de tapioca com molho ponzu de caju (R$ 44). Para beber, uma seleção de cafés com grãos da Torrefadora Corisco, além de chás, drinques clássicos e autorais.
A nova casa é acolhedora, com cestaria e objetos de palha dos povos baniwa espalhados pelas paredes, chão de caquinho vermelho e um pequeno balcão de bar protegendo a estante de livros. Tudo muito simpático.
Rua Mateus Grou, 80, Pinheiros. Segunda, das 10h às 16h; Terça a sábado, das 10h às 22h; Domingo, das 10h às 18h.