O biólogo Thomas Lovejoy fala tão baixo que é preciso curvar-se sobre as xícaras de café em cima da mesa para entender que ele está dizendo coisas bombásticas. Entre o voo internacional que o trouxe ao Rio na segunda-feira e o que ontem o levou embora, sobravam só aquelas duas horas para ele explicar como será a vida, agora que o fim do mundo é assunto liquidado até para um ambientalista sereno como ele. O mundo que ele passou a ver no retrovisor é o do crescimento econômico acelerado, em rota de colisão com o planeta. Em excesso de velocidade, com milhões de chineses e indianos por ano empurrando o mercado de consumo, parecia condenado a não mudar de rumo. Mas a festa acabou, US$ 1 trilhão se desfez no ar como o gato de Alice no País das Maravilhas e as eleições americanas puseram ambientalistas em postos vitais do governo Barack Obama. Depois disso, Lovejoy encara o futuro com certo otimismo. Mas sem eloquência. Sua voz mal atravessa as conversas paralelas no bar do hotel, que o entardecer foi enchendo de turistas, vindos sem escala da praia em frente para o balcão da caipirinha. Ele conhece o Brasil há mais de 40 anos. Estudou os efeitos da fragmentação na Amazônia no tempo em que a floresta parecia barreira contínua e indevassável ao avanço da sociedade. Inventou a palavra biodiversidade, hoje tão banal que ele raramente a usa. Criou na década de 1980, em uma época de quebradeira geral na América Latina, a receita de trocar dívida externa por iniciativas locais de conservação, que bancou entre outras novidades a primeira RPPN brasileira. Fez a série Nature na rede PBS. E presidiu o Heinz Center, fundação que tentou levar o ambientalismo ao poder nos EUA em 2004, quando o senador John Kerry perdeu a Casa Branca para a reeleição de George W. Bush. Quatro anos depois, ele acredita que suas ideias chegaram lá. Acha que haverá mais dinheiro agora, em pleno aperto, do que na maré internacional de prosperidade, para salvar do fogo a Amazônia, simplesmente por ser mais rápido e mais barato pagar para que países como o Brasil produzam menos fumaça queimando mato, do que cortar as emissões de CO2 em termoelétricas sujas e obsoletas, mas nem por isso menos indispensáveis. Sem contar que, na Amazônia, a floresta a seu ver está mais perto do colapso que se imagina. E a desordem climática inevitável não melhora suas perspectivas de sobrevivência. Só falta acabar de vez com a tradição local, que vê na floresta em chamas um sinal de progresso ou, no mínimo, de bom negócio. Nesse ponto da conversa, Lovejoy ficara quase inaudível. Tentava mostrar que tradições centenárias podem ser abandonadas de uma hora para outra, quando mudam os costumes. E apontava o exemplo de uma empresa americana "que já teve orgulho de suas chaminés enegrecidas". Mas o nome da firma se dissipava no meio do caminho, triturado pelo moedor de gelo que não parava de rugir no fundo do bar. Ele manteve a calma. Pegou seu aparelho Blackberry e enviou um e-mail para o outro lado da mesa, a um metro de distância. Com a mensagem, veio a história de que a Steinway & Sons está investindo US$ 875 mil para adotar painéis solares no sistema de climatização para os pianos de sua fábrica no Queens, em Nova York. Ele queria dizer que, cada vez mais, as notícias ambientais daqui para a frente serão assim. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.