A epilepsia atinge 1% da população mundial, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). As pessoas que sofrem com a imprevisibilidade do distúrbio podem ter um novo aliado na luta contra a doença: um aparelho que promete avisar sobre as crises com, em média, 20 minutos de antecedência.
"Existem alguns tipos de sinais que aparecem antes de uma crise. Comecei a olhar para isso como um sistema dinâmico interessante", diz a física Hilda Cerdeira, professora convidada da Unesp e PhD pela Brown University, dos Estados Unidos. "Para prever algo, você precisa saber como aquilo se comporta e fazer equações para descrever isso", acrescenta.
A pesquisa, que durou cinco anos, começou após uma palestra que Hilda ministrou em um hospital. "Eu trabalho com sincronização de sistemas caóticos, e eles queriam saber sobre isso. A epilepsia é uma sincronização de neurônios que funcionam todos iguais enquanto dá o ataque. A partir daí, comecei a me interessar", conta a cientista.
Para idealizar o aparelho, ela pesquisou os sinais de eletroencefalogramas de pacientes com epilepsia e identificou que os neurônios se comportam de uma certa maneira antes de haver um ataque. "Existem muitos pesquisadores tentando explicar o funcionamento do cérebro, mas ninguém nunca criou algo que pudesse prever uma crise de epilepsia", afirma a engenheira Paula Gomez, filha e sócia de Hilda.
O que o dispositivo fará é captar e registrar os dados neurológicos por meio de dois eletrodos discretamente posicionados na cabeça. Quando o padrão característico das crises é identificado, um sinal é enviado para o smartphone do paciente e de alguém que possa auxiliar a pessoa, como um parente ou cuidador. "Seriam dois eletrodos conectados ao aparelho que fica atrás da orelha e ele se comunica com o celular, que avisa alguém que cuida do paciente também", explica Paula.
Apesar de terem inventado um aparelho que pode auxiliar milhões de portadores de epilepsia e salvar inúmeras vidas, mãe e filha não conhecem ninguém próximo que sofre com o distúrbio. "Cientista pesquisa porque é interessante, mas também é estimulante porque vai ajudar muita gente", diz Paula, que revela seu sonho: "Uma empresa de modelos de previsão".
O projeto venceu o prêmio Empreenda Saúde, do Hospital Sírio-Libanês em parceria com a Fundação Everis e foi finalista da premiação internacional da Epilepsy Foundation. A pesquisadora acumula cinco décadas de estudo de física, mas é modesta quanto à própria invenção. "Você não precisa de 50 anos de experiência. O que você precisa é, em um dia, ter uma ideia", conta Hilda.
Os testes em voluntários devem ter início ainda em 2016, mas não há uma previsão exata. O produto ainda está em desenvolvimento e tem seu lançamento previsto para 2018. Estima-se que o dispositivo tenha autonomia similar à de aparelhos auditivos. "A pessoa vai poder sair à rua e não precisar conectar a orelha na tomada", brinca a engenheira.
Além da compra particular, a Epistemic, empresa fundada por mãe e filha, cogita distribuir o aparelho por meio de seguros, planos de saúde, rede pública e ONGs que trabalham com epilepsia. No entanto, ainda não há uma definição quanto ao preço final para os consumidores. "Agora precisamos de um hospital parceiro para poder fazer os testes e de um investidor", afirma Paula.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.