Assim como muitas mulheres, Elina Berglund queria um tempo longe da pílula anticoncepcional. Mas, diferente da maioria das pessoas, ela é PhD em física e ganhadora do prêmio Nobel por ter feito parte da equipe que descobriu o Bóson de Higgs - lembra da famosa 'partícula de Deus'? Com todo esse gabarito, Elina conseguiu dedicar seu conhecimento a criar um método natural para acompanhar seu ciclo menstrual e saber com segurança quais são seus dias férteis.
Junto com o marido, o também PhD em física Raoul Scherwitzl, e uma equipe, ela desenvolveu o Natural Cycles, um aplicativo com um algoritmo que leva em conta diversos fatores – sendo o principal a temperatura corporal – para calcular com precisão quais são os dias do mês em que a mulher pode engravidar. Quando há alerta vermelho, a usuária do app deve usar preservativo se tiver relações sexuais e não quiser engravidar.
Para quem está acostumada a tomar pílula ou se proteger de outras formas, pode ser difícil confiar na matemática logo de cara. Mas Dirceu Adriano de Castilho, ginecologista da Clínica Fares, explica que o método é, sim, seguro, se usado com disciplina. "Eu mesmo tenho pacientes que usam o aplicativo e não tiveram nenhum problema. Mas indicamos que nos dois ou três primeiros meses é melhor não confiar completamente. Até se habituar com o horário de medir a temperatura e colocar os dados no aplicativo é uma época de treinamento", explica.
Os testes e estudos desenvolvidos com mais de 4 mil mulheres indicam que cinco a cada mil engravidaram por causa de problemas de cálculo do algoritmo, uma taxa de falha de 0,5. No 'pearl index', o índice mais comum para medir a eficácia de um contraceptivo, o app teve resultados melhores do que a própria pílula.
Outra garantia que tranquiliza: o Natural Cycles é atualmente o único aplicativo certificado como método contraceptivo. Ele leva a marcação CE, indicativo de conformidade obrigatória para comercialização de diversos produtos no Espaço Econômico Europeu, e certificação ISO.
Como funciona. O app tem um custo de 8,99 dólares mensais a partir do segundo mês, mas o preço já inclui um termômetro (há desconto no plano anual). Todos os dias, em um horário específico, a mulher deve medir a temperatura corporal e anotar os dados no app. "O ciclo tem duas fases. Na primeira, que se chama folicular e vai até por volta do 14º dia, a temperatura é mais baixa. Depois da ovulação, ela pode variar de 0,2ºC até 0,4ºC", explica Scherwitzl. A partir desses dados, além da data da menstruação e outras informações, o app 'entende' o ciclo, inclusive possíveis variações dele, e calcula os dias férteis.
No início, a usuária recebe muito mais dias 'vermelhos' do que o comum, que costuma ficar por volta de seis ao mês. Isso porque o sistema quer garantir que não vai dar um alerta verde em um dia fértil.
Quem 'combina' com o app. Mulheres com rotinas pouco regradas ou desorganizadas não são o público ideal do aplicativo. É preciso incorporar a medição de temperatura no dia a dia, respeitando horário com rigidez e tomando cuidado com possíveis interferências. "Alguns fatores interferem na temperatura corporal, como o uso de hormônios, febre, se a mulher não dormiu adequadamente, tomou bebida alcoólica, por exemplo. Mas isso não desmerece o método", pontua o ginecologista.
O aplicativo também pode combinar mais com o estilo de vida de mulheres que têm parceiro fixo. Até porque ele não previne contra DSTs, então a camisinha continua sendo essencial para quem não tem certeza sobre o histórico médico das pessoas com quem se relaciona sexualmente.
Outro benefício. Além de ser um método de controle anticoncepcional, o Natural Cycles também é uma opção para quem quer engravidar. Assim, as mulheres sabem quais são os dias em que poderá haver fecundação. "Serve até como um diagnóstico, porque, quando a paciente relata que não consegue engravidar, começamos um processo de investigação no qual a medição de temperatura é um parâmetro. Quando não varia, é indicativo de que a mulher não estaria ovulando", esclarece Scherwitzl.
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