Dermatite atópica em adolescentes está associada a depressão e bullying

Jovens perdem, em média, 26 dias de aula por ano devido às crises e sentem a autoconfiança abalada

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Foto do author Ludimila Honorato
Dermatite atópica provoca coceira intensa e lesões na pele. Foto: nastya_gepp/Pixabay

Viver com dermatite atópica pode levar a um sofrimento que vai além do que se vê na pele. Em adolescentes, cuja estrutura psicológica ainda está em formação, estudos indicam que a doença está associada a quadros de depressão, bullying e ideação suicida, além de autoconfiança comprometida. Por isso, seguir com o tratamento adequado contínuo é essencial para se ter qualidade de vida.

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Lígia Yumi Nakanishi, de 15 anos, convive com a enfermidade desde criança e deixou de fazer muitas coisas de que gostava por conta da condição. "Não podia entrar na piscina, o sol piorava as lesões. Hoje em dia está mais controlada, mas antes eu não usava biquíni, só maiô, e só usava calça para não mostrar a pele", relata.

A mãe da jovem, a professora Danieli Renata Nakanishi, de 37 anos, conta que o problema acaba afetando toda a família. "Ela ficava triste e a gente sofre junto. Fomos a um parque aquático e as pessoas olhavam diferente, porque quando a pessoa não sabe, acha que é contagiosa. E ela deixou de fazer muita coisa por causa da alergia", diz.

O que é dermatite atópica

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De fato, a dermatite atópica (DA) não é contagiosa. Trata-se de uma doença crônica e genética caracterizada por pele seca, lesões que coçam muito e crostas. Nesta doença, o sistema imune reage de forma exagerada a qualquer fator externo alergênico, propiciando a coceira intensa e o aparecimento das lesões.

Além disso, há um defeito genético na estrutura da pele. As células que deveriam estar bem juntas, formando uma barreira protetora, estão mais espalhadas na DA, com uma camada frágil que permite a entrada de fatores prejudiciais.

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"Uma pessoa pode sensibilizar por inúmeros fatores: ácaros, pele de animal, fungo, pólen, alimentos. Essa pele inflamada fica muito reativa e sensível a fatores irritantes e até roupa ou suor pode dar coceira", diz Ariana Campos Yang, professora de imunologia clínica e alergia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Outros gatilhos para a crise são infecções e estresse.

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A médica explica que a DA é a mais comum das doenças crônicas da infância, sendo mais frequente nessa fase, mas pode aparecer em qualquer momento da vida. "Quanto mais grave, mais chance de persistir ao longo da vida." O diagnóstico é clínico e se difere de outras doenças de pele pela apresentação típica.

Enquanto na dermatite atópica as lesões aparecem nas dobras internas de braços e pernas e há muito coceira, na psoríase, por exemplo, ocorrem mais placas nas dobras externas, como cotovelos, que não coçam muito. As formas graves são mais comuns em adolescentes e adultos, cujas lesões se generalizam pelo corpo, enquanto as leves predominam na infância.

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Rinite, asma e alergia a alimentos ou fatores ambientais estão associados à DA e foi o que aconteceu com Lígia também. Danieli conta que a menina começou a desenvolver asma e bronquite na infância, mas depois que controlou os problemas respiratórios, as lesões na pele apareceram. "Ela tinha oito anos quando começou a agravar. Dos oito para cá, só foi piorando."

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O fato de essas enfermidades fazerem parte do mesmo grupo genético explica a relação entre elas. Segundo Ariana, pessoas com dermatite atópica têm 50% de chance de evoluir com asma, mas o risco só existe até a adolescência.

Impactos socioemocionais da dermatite atópica

No dia em que o E+ conversou com Lígia, ela tinha faltado à escola para fazer seu tratamento em outra cidade. Ela mora em Pilar do Sul e se desloca quase 140 quilômetros até Campinas, algo que terá de fazer uma vez por mês, pelo menos por enquanto.

A ausência escolar é um problema significativo na vida de adolescentes que convivem com dermatite atópica. Um estudo identificou que os jovens entre 14 e 17 anos de idade têm, em média, 7,5 crises por ano e faltam à aula 3,5 dias em cada crise. No total, são pouco mais de 26 dias de aula perdidos no período.

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Questões emocionais relacionadas à doença são ainda mais preocupantes. O mesmo estudo mostrou que quadros de depressão estão presentes em 52% desses jovens e 39% relatam ter sido vítimas de bullying por causa da DA em algum momento da vida. Durante as crises, metade deles se preocupa com ser vsita em público e 36% dizem que têm a autoconfiança abalada.

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"É a fase mais difícil, fase de aceitação. Os casos moderados e graves mexem com a autoimagem, tem interferência no sono muito grande, e isso gera instabilidade emocional. O impacto é maior do que na fase adulta, porque a estrutura psicológica [do jovem] ainda não está bem formada e a autoestima é péssima", contextualiza Ariana.

A questão emocional pode se tornar ainda mais complexa. Outro estudo feito com 3.775 pessoas entre 18 e 19 anos concluiu que 15,5% daquelas com eczema reportaram ideação suicida comparados com 9,1% dos que não tinham o problema de pele. Quando a doença estava associada à coceira, a ideação suicida estava presente em 23,8% dos jovens.

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Lígia afirma que fica triste pela interferência da dermatite atópica em sua vida. "É difícil. Comecei a passar com psicólogo por causa disso e estou aprendendo a lidar", diz. Ela conta que costuma ler e ver vídeos sobre como melhorar a condição e pessoas que sabem que ela convive com a doença tentam ajudar compartilhando mais informações.

Tratamento para dermatite atópica

Ariana explica que o tratamento para DA se dirige a duas frentes: recuperação da pele e terapia medicamentosa para conter crises. A primeira deve ser feita diariamente, com banhos em água morna para não ressecar ainda mais a pele, menos sabonete possível e aplicação de cremes hidratantes. É preciso também afastar fatores desencadeantes das crises.

Já a terapia consiste no uso de cremes com ação anti-inflamatória, com ou sem corticoide, dependendo do tipo de lesão. Porém, a médica afirma que todas essas medidas são mais eficientes em casos leves da dermatite atópica e podem ser insuficientes para níveis moderados e graves. Nesses últimos, o que se costuma usar são imunossupressores, que controlam a inflamação, mas diminuem muito a resposta imunológica.

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Danieli conta que Lígia estava fazendo o tratamento errado, muito a base de corticoide. "No começo parecia ser bom, mas depois fez efeito contrário, piorava mais. Agora, fazemos o possível para não tomar corticoide", relata. Atualmente, existe um imunobiológico que age no centro da inflamação, segundo explica Ariana, e reduz os efeitos colaterais ou adversos.

"Tem duas moléculas que regem toda inflamação, as IL-4 e IL-13. Esse anticorpo bloqueia essas moléculas, que também agem na barreira da pele. Quando bloqueia, a própria pele se recupera", afirma a médica. Esse medicamento, do princípio ativo dupilumabe, foi aprovado pela agência reguladora dos Estados Unidos em 2017 e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado. Recentemente, o órgão aprovou a extensão do uso para o tratamento de pacientes a partir dos 12 anos de idade com dermatite atópica de moderada a grave.

"A aprovação também para adolescentes é mais um passo para a melhora da qualidade de vida desses pacientes que sofrem com essa doença e apresentam sintomas por vezes debilitantes, como as erupções cutâneas e a coceira crônica", comenta Suely Goldflus, diretora médica de imunologia da Sanofi.

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