Quando pais rotulam os filhos como acima do peso, a criança tem mais chances de, de fato, ganhar alguns quilos a mais. É o que mostra um estudo publicado neste mês no periódico Psychological Science, da Association for Psychological Science.
A pesquisa analisou dois grandes estudos - um na Austrália, feito com 2.823 crianças, e outro na Irlanda, feito com 5.886. A ideia de ambos era a mesma: medir e pesar as crianças enquanto elas eram pequenas e perguntar a seus pais como eles viam os pequenos: magros, normal, acima do peso ou muito acima do peso. Mais tarde, quando já eram adolescentes, os jovens indicavam como viam a si mesmos (magros, gordinhos, muito gordos?) e dizer se tinham tentado emagrecer nos últimos meses.
O resultado chamou a atenção: quando os pais acreditavam que os filhos, ainda crianças, eram gordinhos, esses mesmos jovens, já na adolescência, estavam mais pesados em relação a quem não era visto com sobrepeso pelos pais. No estudo australiano, a diferença era, em média, de 4,43 kg.
Os resultados foram os mesmos para garotos e garotas e independiam se a criança realmente tinha sobrepeso quando era pequena. Ou seja, mesmo crianças magras acabavam por ver o próprio corpo de forma negativa. Outros fatores como renda, doença ou peso dos pais não explicavam a situação, segundo a pesquisa.
“O estudo chama a atenção a essa questão psicológica do entorno familiar e até mesmo da escola, porque a preocupação com o peso pode ter um efeito contrário”, avalia Rubens Feferbaum, presidente do departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo e professor de medicina da USP. “Não pode virar uma neura para a família e para a criança, de forma que ela desenvolva uma maior ansiedade”, afirma o médico.
Neura engorda. Eric Robinson, professor do Instituto de Psicologia, Saúde e Sociedade da Universidade de Liverpool e um dos autores do estudo, avalia que uma possível explicação para isso é que os pais, ao ficarem preocupados com o peso das crianças, acabaram transmitindo a ansiedade aos pequenos, que crescem e incorporam o medo de engordar. E esse medo, em vez de ajudar, só atrapalha.
“Se a forma de lidar com o sobrepeso é feita de forma inadequada, a criança pode ficar preocupada com o peso e adquirir um problema de alimentação, como comer mais”, afirmou o pesquisador ao E+. No próprio estudo, os pesquisadores falam do sofrimento enfrentado por quem está um quilinhos a mais acima do que gostaria. "Em uma sociedade que valoriza magreza e estigmatiza a gordura, dar-se conta de que você está acima do peso é estressante e psicologicamente assutador", dizem os autores.
Eles também mencionam dietas restritivas que culminam em refeições hipercalóricas - o milk shake, o hambúrguer, a barra de chocolate inteira que são devorados e seguidos de uma culpa desoladora.
“Não queremos que crianças fiquem fixadas com seu peso. Em geral, encorajamos elas a ter comportamentos saudáveis, como exercitar-se ou comer de forma saudável, para evitar a obesidade infantil”, complementa.
Em última instância, os jovens veem a si mesmos como os pais os veem, explica Adriane Xavier Arteche, professora de cognição humana na pós-graduação em psicologia da PUCRS. “A expectativa dos pais tem interferência direta no comportamento dos filhos e pode denegrir a autoimagem da criança”.
Ao ficarem incomodadas, explica a psicóloga, as crianças podem fazer de tudo para emagrecer - em métodos nem sempre válidos, como pular refeições, privar-se de comida ou trocar o almoço pela sobremesa (afinal, elas não têm tanta consciência sobre os males do açúcar como os adultos).
Só comportamento não basta. A forma como a família lida com o sobrepeso infantil influencia, sim o peso da criança. Mas só isso não é suficiente. Fatores como má-alimentação em casa, falta de atividade física, predisposição genética, grande ganho de peso durante a gestação, não aleitamento materno e parto por cesárea também podem aumentar as chances de a criança ter, futuramente, sobrepeso, alerta o pediatra Mauro Fisberg, membro do departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
“A obesidade é uma doença bastante complexa e depende de múltiplos fatores. A imagem que os pais têm dos filhos pode influenciá-los a ficarem mais ansiosos, mas só isso não leva à obesidade”, ressalta. No entanto, a ansiedade pode levar a criança a colocar a comida em um altar de paz e segurança. “Ela pode comer mais porque se sente protegida pelo alimento até desencadear uma forma de defesa para que tenha, na alimentação, um porto seguro”, avalia.
Como lidar com o sobrepeso do meu filho? Associar peso à feiúra é a pior coisa a ser feita, explica Adriane Xavier Arteche, professora da pós em psicologia da PUCRS. “Não se deve falar do sobrepeso como algo negativo para a autoimagem da criança. Nem dizer que ser gordo é feio”, ressalta. Em vez disso, vale ressaltar os benefícios de boas opções: explique, por exemplo, que arroz integral faz bem para o corpo e que açúcar não é tão bom.
E nada de obsessão. Colocar o assunto em pauta o tempo todo, também, é uma escolha ruim. “Se você lembra com frequência a criança de seu sobrepeso, ela assume isso como uma identidade. E, quando vira nossa identidade, é muito difícil de mudar”, explica Adriane.
Para além da correta escolha de palavras, vale a máxima: os pais são o exemplo. “Eles precisam ter uma alimentação saudável para dar o exemplo à criança”, diz a psicóloga.
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