Injeção de testosterona: entenda porque causa vício, problemas mentais e morte

Bombados por fora e ‘estragados’ por dentro: essa é a realidade de quem usa o hormônio por motivos estéticos; médico alerta para comportamento violento e impotência sexual causados pela substância

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Por Caio Nascimento
Atualização:
Aplicação de testosterona no corpo exige critérios rígidos e não existem motivos plausíveis para o uso no mundo fitness. Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay

Músculos saltados, voz grossa e potência sexual elevada são sinônimos de virilidade no mundo masculino. Essas características levam muitos homens a buscarem o ‘corpo perfeito’ e apelarem para resultados rápidos e fáceis gerados por anabolizantes - repudiados pela comunidade médica. Nesse universo, aparece a testosterona, hormônio importante para a maturação dos ossos, crescimento muscular e desenvolvimento das funções sexuais. Geralmente, os homens que escolhem esse caminho curto e prejudicial à saúde optam por fazer a aplicação com injeção de testosterona. Apesar de parecer vantajoso para quem deseja ter o físico dos sonhos e aumentar a libido, essa substância só pode ser injetada no corpo quando há alguma deficiência, como no caso de alguns cânceres, defeitos genéticos, traumas testiculares e retardo na hipófise (glândula que controla a atividade de outras glândulas). É o que explica Clayton Macedo, doutor em endocrinologia clínica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O médico coordena o projeto Bomba? Tô Fora, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), focado em combater o uso de anabolizantes, e é especialista em tratar complicações causadas por essas substâncias. De acordo com ele, a testosterona causa efeitos colaterais imprevisíveis e pode ser “potencialmente fatal”. Um dos distúrbios que mais pode intensificar os danos é a dependência química que o hormônio propicia, já que a substância externa bloqueia a glândula de produção interna, causando cansaço e resultados contrários ao esperado, como a queda da libido e a impotência. Assim, o usuário passa a aplicar mais e mais na tentativa de resolver o problema. Macedo alerta ainda que alimentação saudável e exercícios físicos trazem saúde hormonal, e não existe comprovação de que alimentos e ervas elevam o nível de testosterona, desmentindo a ideia de ‘fonte de juventude’ vendida pela indústria fitness. “Esse comércio é caça-níquel. Vende uma eterna fonte da juventude ou um produto milagroso sem comprovação científica”, critica.

Dependência química é resultado de um bloqueio na produção interna de testosterona. Foto: Pixabay

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Veja abaixo oito perguntas e respostas sobre o uso de testosterona. Na entrevista, o especialista fala sobre mudanças comportamentais - como a tendência suicida - e problemas no fígado causados pela aplicação dela no corpo. Macedo explica também o impacto negativo que o uso de altas doses gera, uma vez que hipertrofia não só os músculos visíveis, mas também o do coração - ao ponto de levar à morte súbita.

 

Há homens que associam o uso de testosterona a mais virilidade e potência sexual. Como o senhor avalia isso?

A falta de testosterona diminui a libido e a potência sexual em quem tem um quadro clínico de deficiência desse hormônio. Mas esse não é o caso do homem que usa sem ter esse problema. Ele pode estar deprimido, sobrecarregado de trabalho, usando remédios que alteram a potência ou sofrer com obesidade, que atrapalha o desempenho sexual. Esse último ocorre porque existe uma enzima [a Aromatase] que metaboliza a testosterona na gordura. Portanto, tudo isso afeta o sexo. Se o indivíduo está injetando testosterona sem ter problemas comprovados por um médico, a chance de ele melhorar o que quer com a injeção do hormônio é bem baixa, porque a causa é outra.

Em quais situações o uso de testosterona é adequado?

O indivíduo precisa ter uma doença cientificamente comprovada e consultar um especialista. Existe uma série de causas, como a orquite [inflamação do testículo por caxumba], um câncer que causou queda do hormônio, defeitos genéticos e varicocele [varizes na bolsa escrotal, que faz com que o órgão trabalhe menos]. Há ainda a hipófise, que controla as outras glândulas do corpo como a do testículo. Quando essa parte cerebral está doente, seja por tumor, cirurgia ou radioterapia, ela funciona menos e, consequentemente, estimula menos o testículo a produzir testosterona. Existe também situações raras em que se poderia tentar usar testosterona em pacientes oncológicos, com HIV e aids em fase avançada.

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O uso excessivo de testosterona pode levar à morte? Como?

Esse é o grande problema de quem usa testosterona sem ter uma deficiência. As pessoas acabam usando doses excessivas para terem o efeito anabolizante da hipertrofia muscular. Muitas vezes, as proporções são até cem vezes maiores do que as usadas por pacientes que realmente precisam repor o hormônio. Assim, as chances de haver efeitos colaterais aumentam de forma imprevisível e potencialmente fatal. Um dos riscos mais preocupantes é o vício. Cerca de 57% das pessoas podem ter dependência, porque a testosterona injetada interrompe a produção interna [da substância]. Com isso, a glândula fica bloqueada quando o indivíduo para de usar a medicação e ele sofre com a deficiência hormonal, levando-o a usar mais.

E quais as consequências do vício?

A pessoa se sente mais cansada, perde a libido, sente fraqueza e isso a faz voltar a injetar testosterona. Um dos problemas nisso é que o cérebro humano tem muito receptor para esse hormônio e, como ele é um estimulante potente, o sujeito pode ter mudanças comportamentais, como agressividade, convulsões, irritabilidade, depressão, alucinações e tendência suicida. Além disso, nosso sistema cardiovascular e os outros músculos são extremamente sensíveis a esteroides. Então a testosterona não vai agir só na musculatura periférica, mas também no coração, podendo causar hipertrofia desse órgão, insuficiência cardíaca e morte súbita. Vale ressaltar que os esteroides elevam o nível de colesterol ruim e triglicerídeos, aumentando as chances de haver doenças coronarianas e hipertensão. Ou seja, o ataque a essa musculatura pode induzir a morte. Há também danos no fígado, [já que esses produtos] influencia no metabolismo do órgão, causando hepatite medicamentosa [que pode ser fulminante] ou falência hepática aguda, que pode levar à morte ou gerar a necessidade de um transplante. Fora isso, jovens podem ter bloqueios na cartilagem de crescimento.

Por trás do 'físico dos sonhos' existe não só um apelo por padrões de beleza, mas também problemas de saúdeque podem levar à morte. Foto: Pixabay

 

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Foi bom o senhor ter falado sobre a juventude. Adolescentes com atraso hormonal podem injetar testosterona? Quais as diferenças do uso para cada sexo nessa faixa etária?

Essa é a população mais vulnerável para o uso de testosterona. A literatura médica mostra que os adolescentes são o público que mais usa anabolizantes… sempre com objetivos fitness. Há o caso da aplicação para reverter o atraso da puberdade, mas é bastante específico. Existe uma série de critérios para diagnosticar o atraso puberal, porque a testosterona pode trazer malefícios ao mesmo tempo que impulsiona o desenvolvimento: as doses são fisiológicas, ou seja, menos problemáticas, mas a estatura final do jovem pode ficar comprometida. Hoje, parte da mídia faz um apelo muito grande ao corpo perfeito, principalmente blogueiros, artistas, atletas e cantores. Isso faz com que os adolescentes idealizem um perfil corporal que, muitas vezes, eles não estão fisiologicamente preparados para obter.

 

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Em quais situações o senhor aconselha o uso de testosterona para quem faz academia?

Nunca. Só para quem tem deficiências. Esse apelo estético do uso de testosterona para definição muscular é o que está causando essa avalanche de complicações, e o brasileiro não está alertado. Os médicos que prescrevem testosterona normalmente não são endocrinologistas, porque quem é especialista não indica hormônio para ir à academia. Geralmente, são profissionais que fazem um cursinho de fim de semana, sem especialidade nenhuma, ou segue áreas não reconhecidas cientificamente, como as terapias antienvelhecimento e as ortomoleculares. Nelas, o nível de evidência é nulo e os efeitos colaterais são muito fortes.

Então é criminoso indicar testosterona para fins estéticos, certo?

A própria bula do medicamento não preconiza o uso de medicação para academia. Às vezes, sites da internet e o próprio educador físico comercializam. A receita [para injeção de testosterona] é controlada e precisa do CPF do médico e do Código Internacional da Doença (CID). Assim, o indivíduo precisa ter uma deficiência para justificar o uso do hormônio. Se ele não tem, é impossível o profissional colocar um código na receita. Então, para driblar isso, o doutor faz um acordo com [algumas] farmácias ou inventa um diagnóstico que não existe para a pessoa conseguir indicação clínica. Há um mercado negro que movimenta valores astronômicos [com esse crime].

Falsificar receitas médicas é um crime previsto no artigo 298 do Código Penal pelo Decreto Lei n° 2.848, com pena de multa e prisão por um a cinco anos. Foto: Pixabay

 

É possível aumentar a produção de testosterona pela alimentação e atividades físicas?

Não diretamente. Mas uma alimentação saudável e exercícios melhoram a saúde hormonal. Chamo a atenção para o caso dos obesos: eles têm menores níveis de testosterona, pois existe uma enzima [a Aromatase] que metaboliza esse hormônio no tecido adiposo. Então o simples fato de ter uma atividade física já melhora a composição corporal, reduz o porcentual de gordura, diminui a atividade dessa enzima e o indivíduo melhora naturalmente o nível de testosterona. Alimentos e ervas que empresas vendem dizendo que aumentam o nível de testosterona não possuem comprovação científica são da indústria fitness. Esse comércio é caça-níquel: vende uma eterna fonte da juventude, ou um produto milagroso sem comprovação científica.

Os efeitos da aplicação da testosterona em idosos são diferente?

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É uma população extremamente vulnerável, porque as chances de contrair doenças se tornam elevadas pela idade. Então quanto mais doenças o idoso tem, maior a chance de ele ter uma complicação mais séria ao usar a testosterona. Esse público tem mais doenças cardiovasculares e de próstata. Então, a aplicação de testosterona no corpo pode amplificar esses problemas de saúde. Injetar o hormônio requer critérios rígidos, pois testosterona não é uma fonte de juventude. Fora isso, todos os problemas já falados se intensificam por conta da idade.

*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais

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