Imagine que, daqui a alguns anos, você é um feliz aposentado que vai ao consultório para um check-up. O médico diz que você está acima do peso, tem pressão alta e níveis inadequados de glicemia, triglicérides e HDL (colesterol bom). Para reverter a situação, ele diz, você deve melhorar a alimentação, praticar exercícios e, veja só, ir morar na serra. Se você não quer se mudar, tudo bem: vá para uma academia que simule oxigênio, pressão atmosférica, temperatura e umidade de uma região alta.
Esse cenário pode ocorrer no futuro - e um dos primeiros passos foi dado com uma pesquisa feita na Universidade de Navarra, na Espanha, e publicada em janeiro no periódico Frontiers of Psychology. Os pesquisadores acompanharam 6.860 universitários por, em média, 10 anos e viram um resultado curioso. Quem vivia em altitudes entre 457 metrose 2.297 metros acima do mar tinha menos chances de desenvolver síndrome metabólica do que quem vivia no nível do mar.
A síndrome metabólica, diretamente associada ao surgimento de sobrepeso, diabete, enfarte e acidente vascular cerebral (AVC), é o nome dado para quando um indivíduo tem níveis alterados de ao menos três dos cinco seguintes fatores: gordura abdominal, pressão arterial, glicemia, triglicérides e HDL (colesterol bom). A definição é da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
“Nosso estudo sugere um potencial efeito preventivo em viver em uma altitude geográfica moderada, onde participantes são expostos a níveis baixos de oxigênio, pressão, umidade e temperatura”, dizem os autores no artigo.
Uma possível explicação é que, em altitudes maiores, gastamos mais calorias para atividades diárias do que quem mora ao nível do mar, e isso contribui para a perda de peso e para melhorar a saúde cardiovascular, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcus Bolívar Malachias. “Nesses ambientes, a disponibilidade de oxigênio no ar e a pressão atmosférica são menores. O organismo, então, precisa fazer mais esforço para levar oxigênio às células, o que gasta mais energia”, afirma o cardiologista.
Como o corpo é um só, um alteração está ligada à outra: o maior gasto de energia promove a perda de peso, o que diminui as chances de diabete, sobrepeso, hipertensão e, por fim, doenças do coração e das artérias.
O estudo ainda traz resultados iniciais e foi feito apenas com universitários, uma população que costuma ser mais saudável, seja pela idade ou pelo nível de acesso à informação. Mas, se as mesmas consequências forem confirmadas em outras idades, os métodos de prevenção podem mudar nos próximos anos.
“O estudo abre uma perspectiva muito interessante. No futuro, é uma possibilidade recomendar ao aposentado, além de se alimentar e exercitar-se bem, ir morar na serra”, diz Justino Anacker, cardiologista responsável pelo Centro de Obesidade Mórbida do Hospital São Lucas da PUCRS em Porto Alegre.
Pesquisas futuras podem, ainda, mensurar o tempo necessário para aproveitar as boas consequências. “De repente, o médico pode recomendar ao paciente passar só uns meses e já ter os bons efeitos”, completa o médico.
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