Polícia Militar de SP oferece equoterapia gratuita para população; veja como participar

Tratamento com cavalos é voltado para pessoas com deficiências e transtornos físicos ou mentais; método melhora a autoestima dos pacientes e ajuda na retomada de movimentos

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Por Caio Nascimento
Atualização:
Equoterapia gera estímulos neurológicos nos praticantes; serviço da PM de São Paulo é gratuito e existem 299 centros de atendimento credenciados em todo o Brasil. Foto: Governo de São Paulo / Divulgação

Quem olha o entra e sai de viaturas da Rota no batalhão Tobias de Aguiar, no centro de São Paulo, não imagina que atrás daquele quartel existe uma cavalaria conhecida como Regimento 9 de Julho. Lá, ficam cavalos usados para o policiamento e para a equoterapia, método que visa ao desenvolvimento físico, psicológico e social de pessoas com deficiências e transtornos.

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“Esses animais fazem o ser humano produzir neurotransmissores, então ajuda na fala, concentração, coordenação motora, postura e mudanças de comportamento”, diz o sargento Leandro Lopes Alcamin, que atua no projeto há quatro anos. A explicação para isso é simples: enquanto o cavalo anda, quem está montado começa a ter sensações de desequilíbrio devido ao movimento tridimensional do equino. Assim, o sistema vestibular (conjunto de órgãos do ouvido interno responsáveis pelo equilíbrio) entra em ação para estimular a estabilidade do corpo. “Em meia hora de montaria, a pessoa tem cerca de 387 mil estímulos musculares”, afirma o policial. “É como se você estivesse andando. O corpo sobe, desce, faz rotação do quadril e trabalha a lateralidade de cada um [predisposição a utilizar um dos lados do corpo]”, completa. O projeto da Polícia Militar de São Paulo começou em 1993 e hoje atende 98 pacientes às segundas-feiras, terças e quartas, envolvendo casos de paralisia cerebral, autismo, síndrome de Down, paraplegia e outras condições. Nesse grupo, estão dois agentes: um que levou um tiro durante uma tentativa de homicídio e outra que sofreu um acidente de carro numa perseguição. Ambos perderam movimentos. Além disso, 32 crianças do Instituto Dom Bosco, escola do Bom Retiro, frequentam a equoterapia às sextas-feiras para trabalhar o comportamento. Todas sofrem com problemas de nota, disciplina e praticaram ou sofreram bullying. “Criamos interações para melhorarem a nota e respeitarem os amigos, tendo o cavalo como mediador”, relata Alcamin.

‘A equoterapia mudou a vida da minha filha’

Embora todas as terapias tenham a sua importância, a equoterapeuta e professora de educação física Ana Cristina, da Associação Nacional de Equoterapia (Ande), destaca que o método com cavalos se diferencia ao colocar o paciente em contato com a natureza e por melhorar a autoestima. “O cadeirante está sempre olhando o mundo de baixo para cima na cadeira de rodas. Então, quando ele é colocado em cima do cavalo, ganha outra visão. Passa a ver tudo de cima e se empodera: ‘se eu posso dominar um cavalo de 500 quilos, por que não posso dominar outras coisas na vida?’”, analisa. Esse foi o caso da Dayse, de nove anos. A menina nasceu com artrogripose — doença que enrijece os nervos e articulações — e faz equoterapia há dez meses na cavalaria 9 de Julho por aconselhamento médico. A mãe da menina, Edneide Ferreira, conta que a vida da filha era triste antes do tratamento, mas tudo mudou depois que a garota conheceu o batalhão da Polícia Militar.

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Deise e Edneide no Regimento de Cavalaria 9 de Julho durante sessão. Foto: Imagem cedida por Edneide Ferreira

“Ela ficou ainda mais determinada a ficar de pé e a sentir vontade de andar. A equoterapia mudou a vida dela. Um dia ela disse: ‘estou com frio na barriga de tanta alegria, porque nunca imaginei que um dia ia montar num cavalo’”, recorda. “Quando consegui a equoterapia para a minha filha, ajoelhei no chão e chorei. É gratificante.” A emoção da mãe não é para menos: depois de quase um ano levando a filha uma vez por semana para as sessões, Dayse começou a deixar a cadeira de rodas de lado aos poucos para percorrer pequenas distâncias se escorando em móveis. “Existe a esperança de ela começar a andar”, diz Edneide com base em exames médicos. 

‘Não fazemos milagre’

Porém, os resultados da equoterapia dependem da lesão. Em casos de perda total do movimento, dificilmente a pessoa voltará a andar, mas o tratamento será importante para evitar a atrofia dos membros e a formação de escaras (feridas na pele de pessoas que ficam por muitas horas na mesma posição). “A marcha do cavalo ajudará na circulação sanguínea e vai passar para o cérebro todos os movimentos do animal”, afirma Ana Cristina. Ela explica também que cada pessoa responde de uma forma diferente ao tratamento. Isso porque os múltiplos estímulos sensoriais, motores e posturais gerados pela locomoção do equino provocam a plasticidade neural, ou seja, a capacidade de o sistema nervoso mudar diante de novas experiências, gerando melhorias biológicas, psicológicas e físicas.

Esse fenômeno, no entanto, varia de paciente para paciente, fazendo com que os efeitos da equoterapia também sejam diferentes para cada um.

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Equilíbrio é um dos objetivos do tratamento. Foto: Governo de São Paulo / Divulgação

“Não fazemos milagre. Não dá para saber até onde conseguiremos evoluir, pois cada um tem sua neuroplasticidade. Mas, mesmo que a pessoa não volte a andar, é possível que ela aprimore funções do dia a dia. Se melhorar a postura do tronco, ela vai conseguir fazer melhor as atividades do dia a dia, como comer e pegar uma água”, diz a equoterapeuta.

Contraindicações

A Associação Nacional de Equoterapia permite que os atendimentos ocorram a partir dos dois anos de vida, exceto no caso de síndrome de Down, que é a partir dos três — idade na qual é possível fazer um raio-X da coluna cervical e avaliação ortopédica confiáveis. A instituição criou um manual completo com 55 contraindicações e ressalvas (veja aqui). Dentre elas, estão: - escoliose grave; - desalinhos posturais, pélvicos ou de coluna; - insuficiência respiratória; - pessoas com uso de sonda nasogástrica; - pacientes com crise de epilepsia sem controle; - hérnia de disco; - doenças reumáticas;

Como participar

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Ao todo, o projeto conta com oito cavalos, 42 voluntários e há 96 pessoas na fila de espera. Elas são convocadas por ordem de chegada, mas, se a patologia ou condição for muito grave, há possibilidade de a pessoa ser atendida antes. O tratamento é gratuito e ocorre por seis meses com chances de ser prorrogado para um ano, dependendo do caso. Cada sessão dura cerca de meia hora e qualquer cidadão pode ser atendido.

[---#{"DESTAQUE-ESTADAO-CONTEUDO-CITACAO":[{"TEXTO":"Ver uma criança chegar de cadeira de rodas e sair andando a base de muletas, não tem preço","INFORMACAO-EXTRA":"Sergina Maria, psicóloga e integrante do projeto de equoterapia da PM de São Paulo"}]}#---] Vale ressaltar que o programa vai selecionar novos voluntários — formados ou não — em janeiro de 2020. É necessário ser da área da psicologia, fisioterapia, educação física, terapia ocupacional, psicopedagogia, fonoaudiologia, veterinária ou de carreiras correlatas. Os interessados terão aulas sobre equoterapia dentro do quartel. Para se voluntariar ou entrar na fila de atendimento, basta enviar um e-mail para equoterapia@policiamilitar.sp.gov.br ou telefonar para (17) 3315-0003.

Ver uma criança chegar de cadeira de rodas e sair andando a base de muletas, não tem preço

Sergina Maria, psicóloga e integrante do projeto de equoterapia da PM de São Paulo

Assista abaixo ao vídeo do projeto. Nele, a psicóloga Sergina Maria, que acompanha os tratamentos, fala sobre a emoção de trabalhar na área. "Ver uma criança chegar de cadeira de rodas e sair andando a base de muletas, não tem preço":

*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais

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