Victorio Gorzoni recebia olhares tortos ao andar na rua. Depois de perder parte do rosto por causa de um câncer de pele, o senhor, hoje com 75 anos, perdeu também a autoestima. "Muita gente ficava olhando para mim, principalmente crianças. Teve uma que perguntou: 'Por que você não pisca desse olho?' O que eu ia responder para ela?".
Hoje, Victorio exibe com orgulho sua mais nova prótese, cheia de 'imperfeições'. E não se engane: os defeitos são propositais. Rugas, manchas e mesmo a olheira foram reproduzidas com base no outro lado do rosto do aposentado.
A peça é fruto de estudo e trabalho de uma equipe da Universidade Paulista (Unip). O dentista peruano Rodrigo Salazar veio ao Brasil desenvolver sua pesquisa de mestrado com orientação do professor Luciano Dib. A ideia de criar próteses por um meio mais barato surgiu num questionamento da dupla ao ver quiosques em shoppings, que imprimem em 3D bonequinhos das pessoas com base em fotografias do rosto. "Por que não usar a tecnologia para fazer uma prótese facial?", questionou Dib.
Com um aplicativo gratuito para smartphone, os pesquisadores conseguem produzir a imagem computadorizada em 3D do rosto do paciente. Normalmente esse processo é feito com aparelhos disponíveis nos Estados Unidos e na Europa e que custam entre 80 mil dólares e 200 mil dólares, afirma o professor. "São tiradas 15 fotografias em sequência. O aplicativo as soma, criando uma imagem em 3D", explica. "Outro aplicativo permite o espelhamento e a confecção de um modelo que reproduza o lado não afetado." Com a imagem definida, o molde é impresso em uma impressora 3D e depois trabalhado à mão até chegar ao resultado final da forma mais realista possível.
Além de baratear o custo das fotografias, a nova técnica diminui bastante o tempo de preparo da prótese, tradicionalmente feita a partir de um bloco bruto de cera esculpido por umprofissional que normalmente leva anos aprendendo a arte. "A prótese esculpida fica muito legal se o cara é um artista, mas pode ficar bem 'mais ou menos'. Não tem o que chamamos de previsibilidade", afirma Dib.
Na equipe, atua também o designer Cícero Moraes, que reconstruiu em 3D a face de Maria Madalena, Santo Antônio e outros santos católicos. Ele trabalha no software para criar a imagem perfeita da peça e também dá os retoques finais após a impressão e transferência do molde.
O objetivo é replicar a técnica para um número maior de pacientes, explica Rodrigo Salazar, autor da pesquisa. "Nós almejamos um norte comum. Queremos que nosso método permita que hospitais em universidades no mundo inteiro ganhem uma alternativa acessível para trabalhar", afirma. "Para isso, temos vários caminhos acontecendo em paralelo. No mestrado, desenvolvemos o método e o ajeitamos. No doutorado, estamos fazendo comparações com outros métodos e verificando a reprodutibilidade." Para isso, eles pretendem conseguir apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Autoestima. Luciano Dib afirma que o resultado mais gratificante é a reintegração do paciente à sociedade. Ele cita o caso de um homem que teve uma mudança drástica de autoestima ao receber a prótese. "Uma semana depois, ele voltou com a carteirinha do Bilhete Único, com a foto 3x4. Ele não tinha o Bilhete até então porque ele não tirava fotos", relata. "Isso é a reintegração à sociedade, é o trabalho como um todo: desde o planejamento do tratamento do câncer até o planejamento da reabilitação, das diferentes fases."
Victorio também está muito satisfeito com o resultado. "Perder uma parte [do rosto] é dose. Não é fácil não. Minha outra prótese era sensacional, mas esta aqui foi a gota d'água. Eu vi o que me tiraram voltar novamente. Para mim, eles são fantásticos. Fico emocionado."
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