Pobreza menstrual é o nome que se dá a falta de acesso a absorvente higiênico no Brasil onde meninas, entre 15 e 20 anos, chegam a passar meses sem ter o que usar
Se no Reino Unido, onde a Rainha Elizabeth impera há 68 anos, 1 a cada 10 meninas não tem pounds para comprar um absorvente, o que dirá uma brasileira com real no bolso. Pobreza menstrual é um problema que afeta 26% das mulheres no Brasil e durante a pandemia o problema se agravou uma vez que as doações diminuíram. E se existe distribuição de camisinhas, por que não de absorventes, também? Estamos falando de saúde.
Absorvente feminino ainda é artigo de luxo. A um custo médio de R$16 o pacote com 20 unidades, muitas vezes não é suficiente para o ciclo no mês. Quase sempre é preciso comprar dois. Estamos falando de R$32/mês em artigo de higiene básica. E é exatamente aí que está o ponto desta matéria: absorvente não é item de beleza, é item básico de higiene feminina.
E quando se olha por esta perspectiva é possível olhar, também, uma questão que é social: muitas meninas e mulheres não tem condições financeiras de arcar com R$32 reais mensais. Parece pouco? Não é quando a gente olha a realidade de um país onde o ganho médio de vida gira em torno de R$1.439,00, segundo dados do IBGE que considera população com registro em carteira e valor sem distinção de gênero.
Estamos falando, muitas vezes, das mães ou avós dessas meninas que estão empregadas e arcam com todos custos da casa, família e higiene. Só que higiene no Brasil custa caro. Sabonete custa caro, shampoo custa caro. Condicionador de cabelo nem se fala. Vai fazendo a lista. E dai você coloca os pacotes de absorventes da casa.
Na falta de um absorvente, meninas usam miolo de pão, roupa velha, pedaço de pano de chão, papel higiênico, jornal e há quem deixe escorrer pelo corpo. E sabe o que acontece com meninas quando escorrem? São, pelo menos, 5 dias sem ir à escola. Uma semana de falta escolar porque não tem absorvente higiênico para frequentar a escola. Ambos, garantias básicas.
E a pobreza é tamanha que em 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. A ONU estima que uma em cada dez meninas perdem aula quando estão menstruadas.
Mas se existe distribuição gratuita de camisinhas por que não de absorventes higiênicos, também? Com essa proposta, nasceu no Reino Unido o movimento, que agora é uma Organização, chamado Free Periods. Liderado pela ativista e estudante Amika George, de 19 anos, que luta, junto a outras jovens, pela distribuição gratuita do item em escolas e universidades do país.
A Plan International do Reino Unido, uma instituição não governamental humanitária que promove programas e projetos centrados em crianças e adolescentes, estima que 49% das meninas perderam um dia inteiro de aula por causa da menstruação, das quais 59% inventaram uma mentira ou uma desculpa alternativa. A pesquisa também mostra que 64% perdeu uma aula de educação física, ou esporte, dos quais 52% das meninas inventaram uma desculpa.
A Escócia foi o 1º. País a aprovar, este ano, o projeto de Lei que regulariza o fornecimento de absorventes para mulheres de todas as idades de forma gratuita. "Os absorventes já são distribuídos gratuitamente nos banheiros de escolas e universidades do país desde 2018. A diferença é que, com a nova lei, eles passariam a ser disponibilizados também em farmácia, centros comunitários, clubes e locais públicos", segundo nota da revista Super Interessante, de março.
E por que esta matéria faz sentido em plena pandemia? Porque no Brasil a pobreza é ainda maior que no Reino Unido. E as doações que existiam, sumiram. Os poucos pontos de distribuição gratuitos estão fechados uma vez que muitos estão localizados dentro das escolas.
Em outubro de 2019, a Câmara aprovou o Projeto de Lei 4968/19 que criou um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para todas as alunas das escolas públicas de nível Fundamental e Médio, por meio de cotas mensais. Estimasse que meninas percam cerca de 45 dias letivos, ao longo do ano, por falta do produto.
Apresentada pela deputada Marília Arraes, PT-PE, a proposta está em análise. A deputada quer combater a falta de acesso a absorventes ou a falta de recursos que possibilitem a aquisição dos produtos, além de reduzir as faltas em dias letivos de educandas em período menstrual. E a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), apresentou em março deste ano, o projeto de lei para distribuição de absorventes gratuitos em locais públicos.
Na página oficial do Senado, existe uma votação aberta lançada por Lais Lyssa, uma menina de Goiânia, que espera por 20mil votos para lançar a obrigatoriedade da distribuição gratuita em postos de saúde de todo o país. Porque mulheres em situação de rua, ou de extrema pobreza, lidam com seus períodos menstruais frequentemente. Elas sofrem com a falta de acesso a higiene básica todo santo mês. Porque todo santo mês existe algo chamado "ciclo biológico menstrual".
Mulheres essas que caminham pelas ruas como muitas e que menstruam como outras tantas. Mas esquecemos que precisam de um pacote de absorventes. Ainda que este deva ser um direito, importante refletir sobre o que enxergamos quando a mulher que menstrua mora debaixo de um viaduto e tem sangue pelo corpo. O que isso nos causa?
Um feminino que pouco se olha. Pouco se importa. Rafaella Bona, estudante de design de produtos, na Universidade Federal do Paraná, se importou. Em entrevista ao site da Globo, ela conta que pensou no projeto depois que assistiu o filme "Absorvendo o tabu", curta-metragem documental vencedor do Oscar de 2019.
Seu absorvente sustentável, desenvolvido a partir da fibra da banana ainda não ganhou os postos de saúde e nem os olhos do investidor. Pena. Por isso é importante falar. Dedicar páginas em jornais, revistas, veículos de comunicação para tocar nos assuntos "tabus".
26% das meninas brasileiras entre 15 e 17 anos não têm dinheiro para comprar absorvente. Isso é mais que ¼ da população feminina. E estamos falando da falta de recursos para acessar produtos básicos de higiene. Não é sobre feminismo. Não é mimimi. É sobre ser mulher.
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