Muitas vezes adolescentes parecem exagerados, mas, segundo a ciência, eles realmente sentem numa intensidade maior. Entenda por que isso acontece e fique atento para o sofrimento que desperta alerta e necessita de cuidados
Adolescentes são exagerados. Tudo é um drama na vida deles e tudo é muito intenso. Os sofrimentos parecem maiores, mais fortes e o mundo pode até desabar. Mas e se eu te contar que existe uma explicação científica para esse comportamento?
Num grupo de apoio materno nas redes sociais, uma mãe pergunta às outras se tem alguém com filho em casa dando trabalho por conta de uma decepção amorosa. Ela esperava que outros pais se identificassem com o caso do filho que ficou chateado depois que a menina que gostava começou a namorar outro garoto.
Várias outras mães se manifestaram reconhecendo os próprios filhos em casos semelhantes e dividindo a percepção do adolescente sofre numa intensidade maior - principalmente se comparado a um adulto. E acredite, o que parece ser apenas uma percepção para a ciência tem explicação.
Os especialistas são categóricos: "A vida é mais sofrida na adolescência", diz a professora Sabine Pompéia, do departamento de Psicobiologia da Unifesp. Ela explica que não necessariamente os eventos pelos quais o adolescente passa são mais difíceis, mas eles são mais sofridos pela forma como o corpo e a mente do recebem certos acontecimentos.
A primeira explicação tem a ver com a pouca experiência de vida que o adolescente tem para lidar com certas situações, como é o caso de uma decepção amorosa. "O menu de experiências anteriores do adolescente é muito menor. Ele não tem muita cancha, nem muitas alternativas de como lidar com suas emoções", explica Sabine.
Há também um motivo mais "biológico". Na fase da adolescência, a carga hormonal do corpo se intensifica e o cérebro pode demorar um pouco mais de tempo para se ajustar a essa nova configuração. Além disso, as partes do cérebro responsáveis por fazer o controle das emoções ainda não estão totalmente desenvolvidas. Esse processo, inclusive, pode até ultrapassar os 19 anos - idade em que a adolescência tecnicamente termina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ou seja, temos um sujeito com muitas emoções, mas baixa capacidade de regulação das mesmas. "Fica esse 'vai e vem' muito forte e em conjunto com outras levam a mais emoções fortes, tanto boas quanto ruins", resume Sabine.
O doutor Mauro Victor de Medeiros, do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da USP, complementa e lembra que, em relação ao adulto, o adolescente tem um "controle da balança decisória" menor. Até por isso ele toma decisões impulsivas com mais frequência do que um adulto idealmente faz.
E não é só isso. A adolescência por si só já é repleta de mudanças. A professora Leila Salomão, do Instituto de Psicologia da USP, cita que o adolescente sofre três grandes perdas em relação ao que ele tinha na infância: a dos pais, que, mesmo sadios, acabam não sendo mais os mesmos de quando o adolescente era uma criança - já falei algumas vezes aqui e vou aproveitar o gancho para repetir: filhos adolescentes são extremamente criticados pelos pais e isso os afastam da imagem e relação que tinham na infância.
Depois tem a perda do corpo que chega com a puberdade e, por fim a da condição infantil, em que o adolescente está mais livre que uma criança, mas ainda tem limitações que um adulto não tem. Tudo isso com um nível de consciência, mas, de novo, com poucos recursos para lidar com ela.
Então, será que é possível dizer que qualquer sofrimento que um adolescente passa na vida é esperado para sua idade? Já que está dentro das "tendências naturais", seria o caso de tolerar todas essas manifestações de sofrimento? Sim e não.
Por um lado, ter experiências mais sofridas faz parte da adolescência e até pode ser o que vai garantir o desenvolvimento individual - porque é só passando por determinadas situações que o tal "menu de experiências" vai ser enriquecido.
No entanto, não é por isso que a chamada rede de apoio, composta por família, escola e até amigos, não deve se fazer presente. "As sensações do adolescente não são exageradas, mas há uma maior dramaticidade, porque é difícil mesmo, pela própria imaturidade. São os adultos que precisam estar juntos, sem julgar e sem criticar", diz a professora Leila.
"No processo de desenvolvimento normal, a rede de interação do adolescente é fundamental para ajudar ele a construir aprendizado e repertório. Ele vai aprender a lidar com as situações usando como modelo os professores, os próprios amigos e a família", diz o doutor Mauro.
Sabine completa lembrando que é importante "pegar no pé" do adolescente, respeitando os seus limites, mas incentivando o desenvolvimento: "Nós só melhoramos nessas habilidades [emocionais] se treinarmos. Quanto mais a gente treina na adolescência, quando o cérebro é mais 'plástico', melhor a gente será em termos de controlar emoções e tensão".
Parte desse cuidado é também estar atento aos sinais de que esse sofrimento pode ser algo mais profundo. Em um cenário em que os casos de depressão na adolescência aumentam, principalmente pós pandemia, os especialistas dão pistas para identificar sinais de que o natural sofrimento pelo qual os adolescentes passam pode ser um indicativo de depressão.
Na busca por sua própria identidade, é normal que o adolescente apresente respostas incompletas, mas que sejam próprias para determinadas situações. A professora Cristina Carneiro, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa na Infância e Adolescência Contemporâneas da UFRJ, faz alertas para quando essa busca por identidade estiver rumando à impotência, desistência e paralisia: "'Como esse sofrimento está afetando a vida do adolescente?'; 'Como vai a escolarização, o grupo de amigos, os momentos de lazer?' Essas são questões que a família pode observar. Se um sofrimento maior persiste e ganha terreno, uma ajuda especializada pode ser necessária".
Os alertas são importantes, principalmente considerando que a última Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2019, realizada pelo IBGE, mostrou que 40,9% dos escolares brasileiros de 13 a 17 anos se sentem irritados, nervosos ou mal-humorados na maioria das vezes ou sempre.
O doutor Mauro Victor aponta três sinais de alerta aos pais: 1. quando oscilações de humor durarem mais de duas semanas, sendo marcadas principalmente por tristeza, irritação, desinteresse, falta de motivação e de prazer na maior parte dos dias; 2. quando houver pensamentos negativos sobre si mesmo - sobre o corpo, sobre características psicológicas ou sobre a realidade; 3. quando há as chamadas "alterações vegetativas", marcadas por alterações no apetite, no sono e na concentração.
"Todos esses sinais mostram que a tristeza não é normal e que a falta de vontade pode estar associada ao sintoma depressivo", diz. Especialistas também citam a tendência da automutilação como alerta.
E por fim, o que também entra nessa equação é o alinhamento de expectativas. Isto é, por mais que o adolescente pareça um adulto - até fisicamente em alguns casos - ele não é. Isso diz aos pais que não faz sentido esperar que ele lide com determinadas situações com um comportamento de adulto. Pelo contrário.
É papel dos mais velhos - dos adultos - estar aberto para o diálogo e tratar com mais respeito e empatia a verdadeira carga emocional que o adolescente enfrenta. "Se o adulto entende que aquilo é normal e está disposto e aberto para dar esse apoio, ajuda muito", diz Sabine.
No mais, resta romper os tabus que envolvem a adolescência para poder olhar o adolescente com todas suas dores e também seus amores.
* colaborou André Derviche
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.