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Comportamento Adolescente e Educação

Adolescentes usam redes sociais para autodiagnóstico de transtornos mentais

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Foto do author Carolina  Delboni

TDAH, TOC, depressão, ansiedade, esses são alguns dos transtornos mais buscados por adolescentes no Instagram e no TikTok. Na tentativa de entender o que estão sentindo, a trivialização dos transtornos mentais cresce na internet com a busca por informação

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Quem nunca leu um artigo ou assistiu a um vídeo de especialistas descrevendo sintomas de transtorno mental e imediatamente se identificou com alguns deles? Isso é algo muito comum, mas nem toda manifestação tumultuada de uma emoção é sinal de um problema com a saúde mental, certo?

Hum.. talvez você tenha dúvidas. Adolescentes estão com dúvidas e por três razões muito "simples" que eu vou te contar aqui. A primeira: desde a pandemia, o termo saúde mental não sai mais da pauta, mas pouco se sabe sobre ele. Segunda: estudos e pesquisas têm mostrado o crescimento dos transtornos nessa faixa etária. Terceira e última: é na adolescência que se vive um turbilhão de emoções e o adolescente ainda não ganhou intimidade com tantos sentimentos, portanto, ele fica confuso.

Neste cenário, redes sociais como TikTok e Instagram têm elevado a experiência do adolescente a outro patamar. Nos últimos anos, as discussões em torno da saúde mental tomaram conta das mídias sociais, especialmente no TikTok. O formato em vídeos curtos e criativos, oferece agilidade no consumo de informações sobre distúrbios diversos, além de autoavaliação online. Para se ter uma ideia, as hashtags #saúdemental e #psicologia foram as mais buscadas em 2022.

Segundo uma pesquisa realizada pelo TIC Kids Online Brasil, cerca de 58% dos usuários entre 9 e 17 anos já estavam na plataforma, em 2022. Em maio do mesmo ano, um levantamento publicado na JMIR Publications Advancing Digital Health & Open Science, analisou 100 vídeos no TikTok com a hashtag #mentalhealth. Foram mais de um bilhão de visualizações, indicando que os adolescentes recorrem ao TikTok como fonte de apoio.

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No Instagram, não é muito diferente. Por meio do reels (recurso de vídeos curtos da rede social), assuntos complexos também costumam ser tratados de maneira bastante superficial. E esse "fascínio" pelo autodiagnóstico não para por aí. Vários testes psicológicos sobre saúde mental continuam a viralizar em pleno 2023 nas redes sociais.

Um dos mais populares mede os níveis de ansiedade e estresse por meio de um questionário DASS-21 (Depression Anxiety Stress Scales-21) que foi criado por psicólogos da Universidade de New South Wales para ser aplicado clinicamente, em 1995.

Foto Rudchenko_iStock  

De acordo com uma publicação no blog do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), esse comportamento provoca a banalização dos transtornos mentais. Ou seja, ao mesmo tempo em que o acesso à informação é algo muito positivo, alguns termos acabam perdendo seus reais significados porque são usados fora de contexto e sem fontes confiáveis. Sendo assim, as experiências de quem sofre com algum transtorno passam a ser vistas como características que todos temos, inviabilizando o quanto de dificuldade e sofrimento isso pode trazer.

Recentemente, um artigo publicado no jornal The New York Times, revelou que vários profissionais da saúde observaram a autodiagnosticação entre adolescentes e jovens que, ao aprenderem mais sobre as condições online, espelharam para si os sintomas. O texto mostra que alguns adolescentes passam horas no TikTok pesquisando conteúdo sobre ansiedade, insônia, dores de cabeça, etc.

Em alguns vídeos é possível saber até sobre o transtorno de despersonalização, um tipo de condição dissociativa que pode fazer as pessoas se sentirem desconectadas, como se estivesse fora do corpo. O diretor científico da Associação Americana de Psicologia, Mitch Prinstein, destaca no artigo do NYT, que ter um diagnóstico errado na internet é absurdamente fácil. Para ele, o que deixa tudo mais complicado é que a pessoa pode ter sintomas semelhantes aos da depressão de um adulto, mas que numa criança ou adolescente, isso pode significar algo completamente diferente.

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É o caso da Gabriela, 16 anos. Ela conta que começou a ficar mais atenta a alguns comportamentos depois que começou a fazer terapia, mas que na sua sala da escola tem alguns colegas com transtornos e a junção dos dois cenários começou a confundir sua cabeça. "Eu achei que tinha TDHA porque tenho muita dificuldade de concentração, mas não sou tão agitada. Daí fui procurar informação no TikTok. Tem muita gente com transtorno mental que faz vídeos contando como é o dia a dia e falando das características também", conta.

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A adolescente diz que se reconheceu em vários sintomas e procurou a mãe para conversar. Queria passar com um médico especialista para fazer um diagnóstico mais preciso. Caso parecido é do João Matheus, 13 anos, que se autodiagnosticou autista. Vanessa, a mãe, conta que o filho trouxe a conversa depois de ter assistido vídeos nas redes sociais e relacionou perfeitamente todas características do transtorno com seu comportamento. "Agora nós vamos investigar. Mesmo que ele não tenha nada, eu preciso que ele tenha essa certeza", fala Vanessa.

Neste contexto de amplo acesso às informações, você também já deve ter se deparado com alguém dizendo coisas do tipo: "Acho que tenho TOC (transtorno obsessivo compulsivo) - sou tão organizado." Ou talvez tenha escutado alguém atribuir suas mudanças de humor à 'bipolaridade', ou explicar sua dificuldade de concentração como TDAH (déficit de atenção). Todos esses exemplos representam uma forma de trivialização das psicopatologias, pois consideram que experiências comuns, que todos enfrentamos, são indicativas de transtornos. Essa tendência é muito comum na internet, especialmente na forma de memes.

O professor de saúde pública na Universidade William Paterson de Nova Jersey afirma no texto do NYT, que uma grande preocupação dos profissionais de saúde é a de que os adolescentes possam estar fazendo planos de tratamento incorretos pela ausência de conhecimento profissional. Algo que precisa de atenção e informação.

Porque para além do uso equivocado, há um viés positivo nas comunidades de apoio online, especialmente para aqueles que são discriminados ou que não têm quaisquer recursos para tratar da sua saúde mental, muito positivo. Por isso, se algum adolescente procura seus pais para discutir algo que viu no TikTok, ou em outra rede social, por exemplo, o melhor que os pais podem fazer é demonstrar apoio e curiosidade para ajudá-los.

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Talvez um caminho possível seja o de criar oportunidades para conquistar confiança, tendo mais envolvimento e maior participação nas lutas que esses jovens enfrentam. Essa é a dica de Anish Dube, presidente do Conselho de Crianças, Adolescentes e suas Famílias do Centro Psiquiátrico Americano, em depoimento ao The New York Times.

O especialista alerta que as informações apresentadas nas redes sociais podem ser imprecisas ou excessivamente simplistas e recomenda que os pais ou responsáveis busquem fontes confiáveis, entre outros recursos para apoiá-los, até porque na internet eles só querem entender por que se sentem diferentes, ou o que os torna igual a outras pessoas que lutam com a mesma coisa.

O que dizem as redes sociais No ano de 2022, o TikTok emitiu um comunicado no qual afirmava: 'Incentivamos fortemente as pessoas a buscar aconselhamento médico profissional, quando necessário'. Adicionalmente, a empresa destacou seu compromisso contínuo em investir na educação digital para auxiliar as pessoas na avaliação desses conteúdos.

Além disso, a plataforma implementou medidas para permitir que os usuários estabeleçam intervalos regulares de tempo de tela e adicionou salvaguardas que atribuem uma 'classificação de maturidade' a vídeos que contenham temas adultos ou complexos. O TikTok também oferece um recurso de controle que permite que os pais filtrem vídeos com base em palavras-chave ou hashtags, ajudando a reduzir a exposição de adolescentes a conteúdo indesejado.

Liza Crenshaw, porta-voz da Meta, empresa controladora do Instagram, declarou que a rede social não possui medidas específicas além dos Padrões da Comunidade, que naturalmente proíbem qualquer conteúdo que promova ou encoraje distúrbios alimentares ou automutilação. Ela também mencionou que o Instagram é usado como um espaço para a construção de comunidades e apoio mútuo.

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A Meta também implementou o Well-being Creator Collective com o objetivo de educar criadores de conteúdo relacionados à saúde mental e bem-estar, incentivando a criação de material destinado a inspirar adolescentes e apoiar sua saúde mental. O Instagram introduziu várias ferramentas para combater a rolagem excessiva, restringir a navegação noturna e direcionar ativamente adolescentes para diferentes tópicos, caso estejam consumindo um tipo de conteúdo por um período prolongado.

Plataformas de mídias sociais precisam fazer muito mais. Mas cabe a nós, pais, educadores e responsáveis legais não nos eximirmos do nosso papel também. Os adolescentes e jovens brasileiros estão pedindo ajuda e não é de hoje. E apesar deles terem tamanho e corpo de gente grande, ainda não são adultos formados e maduros. Precisam de empatia, escuta e afeto.

* colaborou Elaine Rodrigues Vale

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