Praticamente duas semanas de aulas e o caos já está instalado na rotina das famílias. Entre aulas presenciais e remotas, a ginástica para conseguir cumprir o novo cronograma tem exigido mudanças na dinâmica das casas
Foi-se o tempo em que se levava filho de manhã à escola e buscava meio-dia ou levava às 13h e pegava 17h30. Fosse a perua ou alguém da família que se dispunha a fazer o leva-e-traz, já estava tudo esquematizado. Mas bastou duas semanas do retorno às aulas presenciais para o caos se instalar dentro das casas. Num esforço tremendo para atender o máximo de crianças e adolescentes, as escolas se desdobraram para dar conta dos 35%. Só que para dar certo, as famílias também estão precisando se dobrar com os novos cronogramas de aula.
Tem de tudo um pouco. Tem quem leve logo cedo e tenha que buscar duas horinhas depois. Tem quem entre as 10h e saia meio-dia. Tem quem entre a 1h e saia às 15h, no meião da tarde, e ainda tem quem estudava de manhã e passou para o período da tarde. Isso, estudava de manhã e agora precisa ir a tarde à escola por conta da ocupação de 35% do espaço. Para atender bem e com segurança, algumas escolas preferiram dividir os níveis em diferentes períodos.
Foi o caso da escola Waldorf Rudolf Steiner que passou todo Ensino Médio para o período da tarde, priorizando durante a manhã, Educação Infantil e Fundamental. "Sou mãe de três e um deles foi pra tarde. É um leva-e-traz que só acaba quando escurece. O grande problema é que acaba com o dia da gente. Você interrompe o trabalho inúmeras vezes e não dá nem pra combinar carona, pois as pessoas que estão na bolha do meu filho não moram perto de casa", conta Gabriela Martins, mãe da escola.
Taynara Bustamante, mãe de duas meninas, 4 e 3 anos, também divide a rotina entre dias presenciais e remotos. "A escola delas está usando duas unidades diferentes pra que as crianças possam ir mais vezes. Por exemplo, a Aurora vai 2f e 3f numa unidade e 4f e 5f na outra. Não batem com os dias da Helena, a menor, que faz exatamente o oposto. Quem tem levado pra escola e buscado é o Leandro, meu ex-marido e pai das meninas, porque estou trabalhando presencial neste mesmo horário".
A ginástica que tem feito a Taynara e o Leandro não são exclusivas do ex-casal que lida com a guarda das filhas na pandemia. Muito pelo contrário. Famílias realmente têm se desdobrado para dar conta dos horários diferentes entre filhos e períodos. "Em casa tenho 3 filhos, 14 anos, 9 anos e 8 anos. Aqui a rotina mudou drasticamente. Nos organizamos para utilizar agenda do celular com alarme para não perder nada! Uma ginástica com horários remotos, presenciais e claro meu trabalho! Loucura pouca é bobagem, mas caminhando", brinca Andreia de Oliveira Conceição.
"Eu levo e vou buscar os meninos na escola, mas cada um num horário", continua Andreia. "Quando o mais velho está em casa, fica com um menor já que o tempo é bem curto. Agora quando o mais velho está no presencial, levo os outros pequenos comigo. Está muito louco, mas adequando a essa nova realidade". E isto é fato. Estamos de frente a uma realidade totalmente nova a todos. Não adianta reclamar com a escola, assim como não adianta reclamar com ninguém. A vida em meio a uma pandemia exige flexibilidade de maneira ampla e respeitosa.
É quase como se precisássemos aprender a viver sem planos, sem cronogramas e isto para uma sociedade tão marcada por compromissos de agenda, às vezes, fica difícil. Aprender a soltar a corda e deixar o controle mais à deriva é um exercício duro, mas necessário. O que não significa desorganização, ainda que alguns se atrapalhem.
"Coloco uns 8 alarmes por dia no celular para não esquecer qual a filha que vai, qual fica, qual tem live, qual vai na fono, natação, inglês, uma loucura", conta em tom de brincadeira Paula Ferrari Ventura. "Tenho uma filha de 5 anos que voltou a ir todos os dias pra escola e uma de 9 que vai duas vezes na semana. Ainda está muito confuso".
Alline Gomes, mãe solteira de duas crianças, 7 anos e 3, conta que não tem conseguido se dedicar a nada com total atenção, nem a casa, nem ao trabalho, nem a outras coisas. "A rotina da casa está estressada. A mais velha quer voltar a rotina da vida. Ela fazia ballet, pintura e não tem mais nada disso. O quarto dela vive uma zona e ela chorando. A saúde metal está sensível e eu estresso também", conta. "Já me peguei olhando várias vezes pra casa e querendo chorar. Não consigo nem levá-las pra escola".
O que também aconteceria com Jamiles Correia não fosse a ajuda do marido. O casal decidiu mudar os filhos de escola para terem mais segurança com o presencial este ano. Mas ambos precisaram dedicar mais tempo ao trabalho. Jamiles, que abriu uma loja em plena pandemia, tem que estar presente diariamente. "Deixo tudo arrumado para meu marido. Ele arruma os meninos por volta das 11h da manhã, dá almoço, banho e leva pra escola. De lá, vai para seu escritório e eu saiu mais cedo pra buscá-los", conta.
Mudar os filhos de escola têm sido um recurso que algumas famílias veem adotando. Na busca por melhores adequações de rotina e atendimento as necessidades dos filhos, muitas vezes a mudança se faz necessária. Foi o que fez Sabrina Martins, mãe de cinco filhos, idades 17, 15 e trigêmeas de 9 anos, dona de uma escola de ballet onde dá aulas e uma confecção com loja física. Pra ela, a experiência com o ensino remoto foi tão traumatizante que este ano decidiu que não passaria mais pelo "mal desnecessário". "Liguei para todas as escolas do bairro e encontrei uma com aulas presenciais diárias e sem ensino remoto. Matriculei na hora e depois desta primeira semana de adaptação estou bem feliz por elas e por conseguir trabalhar", desabafa.
Cada qual a sua maneira, famílias e filhos vão se ajeitando de um lado enquanto escola e professores, do outro. É preciso ter paciência e resiliência. Temos um longo ano pela frente. São apenas as duas primeiras semanas de aula.
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