Com o início do ano escolar adiado e o retorno à fase vermelha, famílias voltam a se preocupar com crianças por mais tempo dentro de casa
Viver a pandemia tem exigido de todos um controle diário de expectativas e planos de maneira inesgotável. E é inegável a esperança de que um novo ano traria perspectivas melhores aos inúmeros problemas que a pandemia impôs. Mas a virada de página no calendário gregoriano não foi suficiente pra mudar o cenário que perdurou ao longo de 2020. Contrariando as expectativas, ainda temos que lidar com todas as incertezas no espectro mais amplo e a instituição "escola" não foge a regra.
Até sexta passada, Prefeitura de São Paulo e Governo do Estado tinham liberado a abertura das escolas para 1º. De fevereiro, tendo como uma das condições, a ocupação máxima de 35% do espaço e a obrigatoriedade de todos no presencial. As privadas estavam liberadas para início das aulas regulares, respeitando a capacidade máxima. O que significa que as escolas deveriam seguir o modelo híbrido pelos próximos meses. Aulas remotas e presenciais iriam compor o calendário de crianças e adolescentes.
Mas tivemos mudanças com a volta do estado à fase vermelha da pandemia. O Governo adiou o início do ano letivo das estaduais para dia 8 de fevereiro. Segundo Rossieli Soares, Secretário estadual, a mudança se deve a decisão de formação com professores da rede e preparar as famílias para o retorno. "Teremos uma semana de mobilização com as famílias sobre a importância da volta. As escolas estaduais já estarão abertas a partir de 1.º de fevereiro para fazer reuniões com as famílias, para dar todas as informações para o início do ano letivo, que será no dia 8 de fevereiro, de forma híbrida", falou em coletiva de imprensa. O mesmo vale para as municipais que terão inicio apenas dia 15 de fevereiro.
A possibilidade de um cenário que perdura junto a constantes mudanças é uma das maiores preocupações entre famílias. Uma das queixas é de que crianças e adolescentes têm apresentado sintomas de depressão, ansiedade, sobrepeso, entre outros. A saúde mental volta a ser um fator de apreensão dentro de casa. "A volta às aulas é esperada aqui", fala Fernanda Petroni Siqueira. "Meu filho de 5 anos quando vai pra casa da avó e arruma a mochila, solta um 'ebaaa hoje vou pra escola'. Quase um ano sem contato com outra criança."
"A escola do meu filho está no sistema híbrido, mas ele tem 8 anos e se não estamos ao lado, ele não faz nada do online. Não presta atenção, coloca como concluído sem ter feito. Muito difícil!" desabafa Fabíola David. "Uma tarefa que ficou pros pais e é extremamente desgastante. Ainda me perco às vezes no calendário porque os dias são alternados. Muita coisa da escola recai sobre os pais. E quando queremos um descanso, eles vão pra onde? Game, cel, game, cel. Um horror!! E fora, tudo normal, lugares lotados e as escolas vazias. Muito difícil! Uma agonia!".
Agonia parece ser uma sensação comum entre mães. Andreza Golla diz que ver as filhas há quase um ano em casa, sem frequentar aulas presenciais, e a falta de perspectiva é devastadora. "Estamos meio que sem esperanças", diz Fabiana Mendonça. "Não entendemos ainda o porquê de shoppings, restaurantes, bares, clubes, praticamente tudo aberto, menos as escolas. As mães estão tentando, junto às escolas, pressionar os governantes, mas está difícil. Para quem paga escolas caras, como eu, está insustentável manter aulas apenas online".
Com quase 215mil mortes, o Brasil volta a subir na curva de infecção diária e os governos de estado procuram controlar a população impondo restrições. Do outro lado, inúmeros grupos de pais, pediatras e gestores de Institutos que trabalham em prol da educação e direitos da criança, travam uma batalha para que as aulas presenciais retomem com máxima urgência no país.
Danielle Fonseca mora no Canadá e conta que por lá as escolas permanecem abertas. Tanto as públicas quanto as privadas. "A transmissão por crianças é baixa e a prioridade do Governo é educação. Isso que estamos no inverno e o vírus sobrevive por mais tempo".
E não só no Canadá como na Europa, escolas permanecem abertas como prioridade máxima. Fecha-se comércio e outros estabelecimentos, mas mantém-se a educação. E aqui não cabe desqualificar a comparação com países muito menores que o Brasil e que não sofrem da desigualdade social de que sofremos. Estamos falando de prioridade. Garantir a educação de crianças e jovens é vital para o sustento da economia que tanto se valoriza e se preza. Não dá para pensar em futuro e mudanças sem falar em educação.
Uma das queixas que recai é sobre a alfabetização de crianças pequenas que ficou extremamente prejudicada com as escolas fechadas. Este ano, com 35% das crianças liberadas por dia nas escolas, ainda existirá um gap na frequência desejada, uma vez que isto significa apenas uma ida por semana à escola. "Muitas crianças terminaram o ano sem aprender a ler e escrever", desabafa Daniela Bruschetta.
Julia Leite e Tatiane Oliveira reforçam a insatisfação. Ambas com filhos em idade escolar de alfabetização se preocupam com o que pode acontecer. Mayra Terzian já não sabe se coloca o filho na escola este ano ou não. "O planejamento era colocá-lo, mas, mesmo outras pessoas estando vacinadas, eu não estarei, nem ele. Estou precisando de rede de apoio e ele de socialização para se desenvolver plenamente. O que fazer?".
Essa é a difícil resposta. E crianças e jovens em casa por tanto tempo têm reflexo direto no aumento significativo de atendimentos em consultórios com diagnósticos de depressão, ansiedade, sedentarismo, sobrepeso, insegurança e medo. A lista de doenças mentais e estresse tóxico que têm atingido essa faixa etária é extensa e depois de quase um ano de escolas fechadas não há o que fazer a não ser abrir os portões. Com todos os protocolos necessários, mas é preciso abrir os portões das escolas.
Professores não estarão vacinados, assim como o motorista do ónibus não está, a balconista da padaria também não e a caixa do supermercado. Todos, serviços e pessoas essenciais. A escolha de quem é prioridade num país com tamanha desigualdade é uma tarefa ingrata e, por vezes, não será justa.
Escolas públicas e estaduais abrirão suas portas e nem todas terão pias e torneiras suficientes para que alunos lavem suas mãos, isso porque o tempo de escolas fechadas em que os governos poderiam ter investido em melhorias, foi perdido. Mais uma vez vai ficar na mão do corpo gestor das escolas e das comunidades se organizarem e garantirem a segurança dos que frequentam a escola. Está certo? Não. Bem-vindo ao Brasil.
"Essas gerações que ficaram este tempo sem escola vão sofrer consequências irreparáveis. Acho uma tristeza olhar para apenas uma variável e não enxergar o todo", diz Camila Fairbanks. "Só se consegue garantir tudo neste país quem consegue pagar. É injusto com a maioria da população. Nossa desigualdade já virou um abismo". Abismo este que poderia ser codinome para o Brasil de hoje. Infelizmente.
Mas ainda que a desesperança parece ser instransponível, me agarro ao verbo "esperançar" do educador Paulo Freire. "É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança do verbo esperançar. Porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. "Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva". Já esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída. Por isso, é muito diferente de esperar; temos mesmo é de esperançar".
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