Com a exigência de levar habilidades socioemocionais ao currículo das escolas, crianças da nova Geração Alfa têm a oportunidade de desenvolver letramento emocionais desde cedo. Entenda os benefícios desse aprendizado
Tem uma geração vindo aí com mais letramento emocional que sua antecessora. É isso ai, a Geração Alpha chega com vantagem em relação a Z quando o assunto é a inteligência emocional. Estamos diante de uma geração que cresce com as chamadas "aulas de habilidades socioemocionais" nas escolas. Nunca antes no currículo da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a "disciplina", que passou a ser obrigatória e entrou para o cotidiano de muitas crianças, seja através de programas implementados dentro das escolas, seja por uma reestruturação curricular interna, a proposta já apresenta resultados positivos.
Para quem não sabe, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, estabeleceu a obrigatoriedade de incluir o desenvolvimento das competências socioemocionais em todas as etapas da educação básica no Brasil. E a mudança se baseia em estudos que apontam a importância de preparar os alunos para os desafios acadêmicos e para a vida em sociedade.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a BNCC define essas competências em três dimensões principais: o pensamento crítico e criativo, a colaboração e comunicação, e o autogerenciamento emocional. A implementação desse componente curricular, entretanto, depende de programas estruturados que apoiem as escolas em como ensinar e medir o desenvolvimento dessas habilidades.
O desenvolvimento das habilidades socioemocionais tem impactos profundos no futuro das crianças. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) destaca que, além das competências cognitivas, as habilidades socioemocionais são cruciais para o sucesso no mercado de trabalho do século XXI. Profissionais com maior capacidade de comunicação, empatia e gerenciamento de emoções são mais resilientes a crises e possuem maior capacidade de inovação.
Além disso, uma pesquisa realizada pela Harvard University aponta que alunos que desenvolvem habilidades socioemocionais desde a infância têm 54% mais chances de concluir o ensino superior e alcançar estabilidade emocional na vida adulta.
Fato é que, cada vez mais cedo, as crianças têm acesso a compreensão do que as emoções significam e como elas agem dentro da gente. E em pouco tempo, os resultados já são expressivos em escolas públicas e privadas.
Pensar que vivemos tempos complexos de altos índices de transtornos mentais, exposição excessiva às telas e uma inabilidade ímpar do ser humano em se relacionar, ter a chance de aprender, desde cedo, a lidar com conflitos internos e externos será um "a mais" que essas crianças vão carregar nos currículos. A capacidade de lidar com frustrações, administrar a autoestima e interagir de forma saudável nos ambientes online e off-line são fundamentais para o desenvolvimento saudável.
Isso porque as habilidades socioemocionais referem-se à capacidade de reconhecer e gerenciar emoções, estabelecer relacionamentos saudáveis, tomar decisões responsáveis e lidar com situações adversas de maneira construtiva. Elas incluem competências como empatia, autocontrole, resiliência, cooperação e comunicação. Segundo o Relatório Global de Educação da UNESCO (2021), essas habilidades são essenciais para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, pois promovem tanto o bem-estar pessoal, quanto o sucesso acadêmico.
Impacto dos programas LIV e Programa Pleno nas escolas
No Brasil, dois programas têm se destacado na implementação das habilidades socioemocionais: o LIV (Laboratório de Inteligência de Vida) e o Programa Pleno. Ambos oferecem abordagens estruturadas para o ensino dessas competências, com conteúdos práticos e teóricos adaptados para crianças e adolescentes.
O LIV trabalha com uma metodologia ativa, incentivando discussões e atividades que promovem o autoconhecimento, a empatia e o respeito às diferenças. "Ser intencional no ensino das habilidades emocionais desperta nos alunos uma consciência mais profunda sobre suas ações e comportamentos", destaca Ana Caroline Pereira Silva, professora do colégio Anglo Alante Crescer, de Jundiaí.
Ela ainda complementa: "Na escola em que trabalho, o desenvolvimento socioemocional tem sido uma prioridade há anos. Estamos em constante aperfeiçoamento nesse campo essencial, e os resultados são evidentes em várias áreas. Notamos o impacto nas interações com as famílias, que compartilham como os alunos têm aplicado o que aprendem em casa, e também nos dias de prova, quando demonstram maior segurança emocional".
Rosana Ziemniak, diretora pedagógica do Colégio São Sabas, em São Paulo, também compartilha sua experiência: "O programa socioemocional foi fundamental para apoiar alunos, pais e professores durante o período pandêmico. Ele requer perseverança e uma equipe comprometida para alcançar resultados positivos, como a mudança de comportamento e a melhora na forma como os alunos lidam com suas emoções e desafios do cotidiano", expõe a diretora.
Audrey Peverelli, diretora pedagógica da Beacon School, também destaca os esforços da escola. "Na Beacon School, criamos o Student Well-Being Center (SWBC), uma área que trabalha para atender tanto às necessidades de aprendizagem em termos de apoio escolar quanto às necessidades socioemocionais de nossos alunos, por meio de suporte psicológico em momentos de necessidade, para que possam acessar o currículo, e por meio de um programa preventivo que visa oferecer aos alunos as habilidades necessárias para enfrentar desafios socioemocionais de diversos tipos", explica.
Segundo ela, em um contexto em que as redes sociais oferecem aos alunos acesso a uma quantidade muito grande de informações, tanto precisas como falsas, os estudantes da Beacon são orientados a gerenciar suas vidas em um ambiente online. "Acreditamos que a educação é a chave para a prevenção. Se eles conhecem os perigos que enfrentam, é menos provável que se tornem vítimas. A cada aula e discussão que frequentam, estão se educando cada vez mais nessa área e se preparando gradualmente para uma vida adulta saudável, com menos probabilidade de enfrentar desafios de saúde mental", conta.
A Seduc-SP, por meio do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar - Conviva SP, orienta as escolas a adotarem uma abordagem proativa para o acolhimento e mediação de conflitos. "Os conflitos são uma parte natural da interação social e é essencial que eles sejam tratados como oportunidades de crescimento", explicam Ana Rafaella Drumond e Marília Maiani, assessoras do Conviva SP. Além disso, práticas como círculos restaurativos, rodas de conversa e o protagonismo estudantil têm sido fundamentais para criar um ambiente escolar mais positivo e inclusivo.
E é diante da nossa complexidade de mundo que programas como o LIV ganham ainda mais relevância, trazendo recursos para que as crianças lidem com esses desafios, desenvolvendo o autocontrole e a autorregulação emocional. "Estabelecer um espaço seguro e reconhecido de fala e escuta, com amparo formativo para os educadores, tem sido transformador", comenta Renata Ishida, psicóloga e gerente pedagógica do LIV.
"O que é valorizado hoje é sempre uma alta performance, mas poder mostrar suas vulnerabilidades é um caminho saudável para acolher essas questões e entender que todos passam por dificuldades", afirma. É uma maneira da gente normalizar as emoções, sejam elas quais forem. Porque só assim seremos capazes de lidar com os altos e baixos sem grandes desestabilizações psicológicas e até físicas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.