Há cerca de dez dias, um adolescente de 14 anos, que cursava o 9º. Ano do Ensino Fundamental em uma escola particular de São Paulo, tirou a própria vida. Quatorze anos, um garoto ainda. Pensar no suicídio de um menino com a vida pela frente chega a ser uma atrocidade ao próprio conceito de vida. E um acontecimento dessa magnitude deveria levar todas as pessoas a uma série de atitudes, mas é incrível como acaba levando justamente às que deveriam ser evitadas.
A quase totalidade dos comentaristas de whatsapp e redes sociais - e também psicanalistas e educadores - são levados a uma busca por culpados antes de qualquer coisa, para que a culpa da sociedade, como um todo, possa ser expiada. Nesta busca, o mais importante é dizer o que as pessoas estão esperando ouvir. É decretar verdades universais específicas sobre uma criança que nenhuma dessas pessoas conhecia. Sobre uma situação que nenhuma dessas pessoas conhecia.
Quase ninguém que escreveu sobre o tema conhecia a vítima. A grande maioria não conhece a escola, nem tem conhecimento sobre o programa de bolsas que levou o jovem a esta escola. Pouco importa. Como se todos os suicídios fossem o mesmo, como se todos os programas de inclusão fossem os mesmos, apressam-se em apresentar conclusões universais sobre o caso, mas também sobre todos e todas jovens negros e negras e de origem pobre que têm bolsas em escolas particulares. Sobre "os pobres", sobre "os ricos".
Note que no começo deste texto não está escrito qual era a escola, nem que ela era uma escola "de elite". Qual era a escola só importa para quem quer aproveitar a oportunidade para dizer "não foi na minha", como se os problemas que levam a uma decisão como esta estivessem circunscritos a uma escola. Qual é a escola só importa a quem não consegue entender que uma tragédia como esta não pode, de nenhuma maneira e sob nenhum pretexto, ser material para disputa ideológica.
Que era uma escola "de elite" importa, desde que dentro do contexto. O jovem que tirou a própria vida deixou uma mensagem na qual detalha agressões e constrangimentos diversos sofridos no ambiente escolar. Importa que seja uma escola de elite porque o aluno era negro, e bolsista. E isto importa. Mais uma vez, não como mais um peão numa disputa de narrativas. Importa exclusivamente por causa da vítima. Importa como respeito a quem ela era, à vida que viveu e à que escolheu não viver mais. Era uma criança negra e homossexual em um mundo branco e heterossexual. Sim, isso importa.
Assim como importa entender que cada situação é uma. É muito importante que se discuta o que aconteceu. É fundamental que se apure o que a escola fez ou deixou de fazer que levou à tragédia. É indispensável que todas as pessoas que levaram a ela ou que deixaram de fazer algo que podia tê-la evitado sejam responsabilizadas. Não, porém, no tribunal da opinião pública, sem as informações necessárias, sem todos os contextos. Porque este julgamento não serve à vítima, não serve a sua família e não serve à sociedade. Serve apenas a quem usa a tragédia para obter audiência ou popularidade; e a quem precisa determinar culpados longe de si para se sentir imune.
A dinâmica das redes sociais leva as pessoas, mesmo as mais razoáveis, a precisarem ter opiniões sobre tudo. Se o assunto for futebol ou o reality do momento, tanto faz. Quando, porém, o que se discute é um jovem que tirou a própria vida, a soma das opiniões impensadas e desinformadas continua a machucar quem sofre, e não faz justiça a quem se foi.
Como sociedade, todos temos culpa quando um jovem resolve que não vale a pena viver. Encontrar culpados aleatórios, julgá-los e condená-los é a maneira que encontramos de expiar nossa própria culpa. É necessário que repensemos este comportamento. Nem que seja em respeito à memória de quem partiu tão cedo. E é necessário que repensemos este comportamento se quisermos, de fato, cuidar para que outros adolescentes não façam o mesmo.
Estamos diante de uma geração extremamente fragilizada emocionalmente e que tem se machucado na tentativa de lidar com as inúmeras dores que a vida lhes apresenta. Discutir o suicídio na adolescência - ou de adolescentes - não pode ser uma conversa de grupo de whatsapp. Muito menos das redes sociais.
Esse artigo foi escrito a quatro mãos. Por mim, Carolina Delboni, e pelo jornalista e colunista de Mídia do GizBr, Caio Maia.
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