Em meio a escalada de sucesso profissional e aos desafios do mundo adulto, pais têm impedido que seus filhos fracassem. A máxima de que "errar é humano" parece não valer para crianças e adolescentes do século 21 e as consequências têm aparecido nas escolas e socializações.
Não é de hoje que o mundo se tornou um lugar competitivo. Pode ser que tenhamos perdido a mão da competição saudável, mas a corrida ao topo sempre foi uma ambição do homem. Ser reconhecido por seu feito, ocupar posições de alto cargo nas empresas, ser colaborar de uma multinacional ou ser chamado para trabalhar fora do Brasil parecem ser sonhos de muitos brasileiros de classe média, classe média alta. Mas a que custo?
Alto também - e não apenas financeiro. Paga-se um preço elevadíssimo de saúde mental e, muitas vezes, física. Vivemos uma obsessão por futuro de sucesso que tem levado crianças e adolescentes ao esgotamento mental e emocional. Isso é o que chamamos de overparenting. São pais que buscam, de maneira equivocada, melhorar o desempenho e sucesso pessoal e acadêmico de seus filhos.
Eu já falei isso aqui, mas vou repetir: pais e mães, absortos pelas exigências do mundo atual, têm inserido os filhos na loucura da busca pelo sucesso cada vez mais cedo e têm sugado a possibilidade deles viverem o que é esperado para uma infância e adolescência saudável.
E o que se pode entender por "saudável"? Equilibrada, talvez? Uma vida saudável deriva de fazer escolhas que resultem em uma mente e um corpo saudável. Onde as emoções e os sentimentos possam se equilibrar entre altos e baixos. Ou seja, dias bons e ruins, alegrias e tristezas, desejos e fracassos, erros e acertos. Mas será que crianças e adolescentes têm tido a chance de errar? De fracassar?
Existe uma geração que não fracassa sendo formada por pais e isso é o mesmo que armar uma bomba. Sim, sinto em lhe dizer, mas um ser humano que não sabe lidar e experenciar a frustração terá sérias dificuldades de trabalhar no coletivo, uma daquelas habilidades socioemocionais tão exigidas nas escolas. Estudos também apontam que eles se tornarão adultos mais ansiosos.
E são as próprias escolas que têm vivido as primeiras consequências desta geração que não pode ser frustrada. Que não pode ser contestada. Que não pode mostrar ou admitir um erro. Que não aceita. Que não sabe se relacionar com o outro que pensa diferente dela e por aí vai. Uma mistura de intolerância social com um suposto poder de invencibilidade humana.
Mas, desde que o mundo é mundo, dos feitos mais comuns aos mais extraordinários, todo sucesso esconde um caminho repleto de erros e fracassos. Isso é fato. A questão é que nem todos estão preparados para enfrentá-los. Mais do que isso, nem todos estão preparados para ver seus filhos e filhas enfrentarem. Apesar disso, especialistas alertam que conviver com o erro deve ser algo que tanto pais quanto filhos precisam aprender.
A máxima não é nova: "é errando que se aprende". E não são poucos os exemplos que comprovam isso. De chefes de empresa a campeões esportivos, há inúmeros casos que nos lembram que a única forma de aprender e melhorar é falhando e/ou fracassando antes. Porém, só é possível entender isso de verdade se o processo de aprender-errando estiver presente desde a infância.
Em entrevista a revista Trip, o campeão olímpico de natação Cesar Cielo falou que, nos mais de 20 anos de piscina, 99% do tempo ele odiou estar ali. "Foi um tempo de dor, frio e cansaço". Apenas no 1% restante é que ele encontrou o prazer da conquista, do esforço e da vitória. E o atleta não está sozinho nessa percepção.
Em suas redes sociais, o pediatra Daniel Becker lembrou do caso de Michael Jordan, que perdeu mais de 300 jogos e errou mais de 9 mil arremessos, sendo 26 decisivas. Com tantos erros, ele ainda se tornou um dos maiores nomes do basquete. E o que esses exemplos têm a ver com a pauta desta matéria?
Segundo o consultor e speaker americano Ryan Leak, o fracasso é o segredo do sucesso e são os pais que precisam ajudar os filhos neste processo. "Concordamos que, de maneira geral, os pais querem o melhor a seus filhos, mas querendo o melhor a gente acaba colhendo o pior num futuro bem próximo", fala o professor de MBA em entrevista à revista Forbes.
De acordo com um estudo da Universidade de Stanford, a forma como um pai ou uma mãe vê e/ou reage ao fracasso do filho está diretamente relacionada à forma como ele perceberá sua inteligência - se pode ser corrigida ou se ser melhorada, por exemplo.
Para o pediatra Daniel Becker, ao longo da educação infantil, "os pais castigam, punem ou criticam a criança quando ela faz algo errado e isso pode gerar medo de errar". O que pode impedi-la de tentar, de se arriscar, de experimentar. De lidar com o erro para buscar o caminho do acerto, da conquista.
É natural que a criança não saiba logo de início o que é certo ou errado, o que pode ou não ser feito. E é a partir das experiências e vivências que ela tiver que terá a chance de aprender a distinção entre os conceitos. O mesmo vale para o adolescente e aqui existe um ponto crucial: quanto você está disposto a lidar com o erro e o fracasso do seu filho?
Você sabe como ajudá-lo a passar por esses momentos de maneira enriquecedora e positiva? Porque é preciso viver as consequências de seus próprios atos para aprender com eles. Ainda não inventaram outra forma humana de evolução se não esta.
Na contramão, não é raro ver pais super protetores que buscam a todo momento poupar seus filhos. Pais que tomam as dores dos filhos. Que fazem as tarefas que eles deveriam fazer. Que levam comida na escola para o filho já que ele não gosta da que é servida. Que brigam com a professora por conta de uma nota baixa, afinal "meu filho se esforçou". Que não aceitam "seu filho não foi selecionado".
Assim como é comum ver aqueles que são rígidos demais nas punições e nas cobranças. Pais que ultrapassam - over - o que chamamos de parentalidade saudável. Lembra do equilíbrio? De acordo com autores de outro estudo, da Queensland University of Technology, pais culpados por esse tipo de superpaternidade "tomam a percepção de seus filhos como verdade, independentemente dos fatos" e são "rápidos em acreditar em seus filhos em detrimento de um adulto e negam a possibilidade de que eles tenham cometido erros ou até mesmo fazer algo de tamanha natureza."
A superproteção de pais não colabora com a tomada de responsabilidade de crianças e adolescentes. Eles precisam ter a chance de resolver seus problemas a sua maneira porque é isto que vai dar parâmetro de responsabilidade e limite.
Essas habilidades podem não ser avaliadas em testes padronizados ou provas, mas conforme as crianças e, principalmente, os adolescentes planejam sua jornada para a vida adulta, essas são, de longe, as habilidades de vida mais importantes. Pais e mães, em nome de uma superproteção e do medo, estão tirando a chance dos filhos se autodesenvolverem e isso está longe de trazer sucesso ou felicidade.
A criança e/ou o adolescente passa a viver com uma eterna frustração porque ele nunca é capaz por conta própria. Tem sempre um pai ou uma mãe resolvendo as coisas mais cotidianas às mais complexas.
A professora Gabriela Amorim fala que os pais "correm para a escola ao serem informados de seus filhos esqueceram a lancheira, a lição de casa ou o uniforme de educação física" e "exigem notas melhores nos relatórios do semestre final ou ameaçam desistir da escola".
Mas o que fazer? Ou como fazer? O estudo de Stanford aponta um caminho. Segundo a pesquisa, se os pais lidam com o erro de maneira positiva, entendendo que ele é parte do processo da conquista, os filhos tendem a fazer igual. Outro aspecto é trabalhar a confiança dos pais de que os filhos serão capazes.
O processo de aprendizagem também não poderia deixar de considerar a escola. O colégio Vera Cruz, por exemplo, possui uma série de estratégias para melhor acomodar erros e fracassos. "O primeiro eixo é ter a criança como protagonista dessa vivência. A escola é um elemento mediador e facilitador para que as aprendizagens aconteçam. Mas quem aprende é o sujeito", explica Maria Eneida Fiuza, orientadora educacional do Fundamental I.
O caminho de erros até a chegada ao êxito é estimulado por meio de várias atividades no Vera Cruz. Há, por exemplo, um investimento na produção de projetos, o que estimula as crianças a buscar soluções e a encarar situações em que as coisas nem sempre saem como esperado. "São ações que auxiliam na construção do sujeito que olha para o que está acontecendo como processo. Quando eu olho como processo, eu estou me constituindo aprendente. Temos este tempo em que é permitido à criança experimentar soluções e fracassos até resultar em sucesso", diz Maria Eneida.
O pediatra Daniel Becker reforça dizendo que uma das medidas é fazer a criança e o adolescente entender o erro e a falha como parte do processo de aprendizagem; incentivar que persistam em determinada tarefa, mesmo após o erro; e elogiar quando algo dá certo.
Mas cuidado aqui: elogiar uma conquista e/ou um vencer de obstáculo é bem diferente do que desprender elogios fofos a todo e qualquer momento que seu filho fizer algo. "A boa forma de elogiar é valorizando o esforço e a dedicação, e premiar isso com elogios, não a conquista em si". É importante elogiar, mas é preciso aprender quando elogiar.
Ter crianças e adolescentes que saibam lidar com frustrações é também ter indivíduos mais preparados para a vida adulta, como explica Maria Eneida: "Um adulto bem preparado é aquele que tem flexibilidade e raciocínio ativo para transformar. A gente não acerta o tempo todo. A capacidade de lidar com a frustração é estruturante do sujeito".
Fica o lembrete: errar é humano e é errando que se aprende. Essas duas máximas ainda são verdadeiras.
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