O mundo tem ensinado à sociedade que quanto mais pressão, melhores são os resultados obtidos e a mesma regra tem se aplicado às crianças e adolescentes nas escolas que, cada mais, estão respondendo com reações violentas
O ano está acabando e como queremos começar 2023? É preciso refletir sobre a pressão que crianças e adolescentes são submetidos cotidianamente e que estão instalada na sociedade e nas escolas. Por que? E pra quê?
"Vivemos uma era em que valorizamos o excesso de trabalho", disse a escritora americana Brigid Schulte, em 2017 quando lançou o livro "Como Trabalhar, Amar e se Divertir Quando Ninguém Tem Tempo", em que fala da síndrome da exaustão. Em "A sociedade do cansaço", o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han explora o excesso de positividade e cobrança que a sociedade impõe.
As prateleiras de livrarias, virtuais ou físicas, estão cheias de livros filosóficos e de autoajuda que especulam e debatem o tema da exaustão social. O burnout, os excessos das cargas profissionais, as horas extras que não são horas extras, a invasão do espaço de trabalho na vida pessoal e por aí vai.
Tudo isto para tentar compreender e transformar uma forma de existir no mundo que a própria sociedade ergueu. Em algum momento da história, construiu-se a narrativa de que quanto mais pressão, maiores e melhores serão os resultados. Só que o burnout, ou doença ocupacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), já atinge cerca de 32 milhões de brasileiros.
O Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 29,6% da população, segundo a Organização, contra 25% dos americanos. É também um dos cinco com maiores taxas de transtornos mentais, 86% dos brasileiros, entre os quais a depressão que cresceu 25% durante a pandemia.
Fato é que a vida adulta se tornou um grande fardo. O combo futuro incerto + pressão por desempenho tem levado uma sociedade inteira ao esgotamento e a índices de doenças mentais elevadíssimos. E a relação deste contexto está diretamente ligada a pressão por desempenho escolar em crianças e adolescentes.
Para o psicólogo Marcelo Veiga, o ambiente de pressão está relacionado à cobrança por resultados. Segundo ele, mais do que gerado pela escola e até mesmo pelos pais, a cobrança parte da sociedade como um todo. "Estamos criando uma sociedade muito exigente. A autoexploração que fazemos de nós mesmos é altíssima".
Com perspectivas de planejamentos futuros precárias, tendo em vista crise climática, instabilidade econômica e cenário político brasileiro, pais intensificam a pressão para que filhos tirem boas notas e garantam bons desempenhos. Acredita-se que o aluno que constrói um percurso escolar de alto rendimento tem maiores chances de sucesso quando chegar ao mercado de trabalho.
Mas será que nota boa, ou alta, basta? Estamos oferecendo um mundo que esta geração de adolescentes e jovens não quer. É preciso ressignificar o boletim de notas nas escolas e para isso, é preciso ressignificar o papel da escola na formação do ser humano.
Oito em cada dez estudantes brasileiros dizem sentir muita ansiedade ao ter que realizar uma prova qualquer, mesmo quando preparados para tal. Os dados foram coletados a partir de um questionário aplicado pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e divulgado em 2017.
"Existe uma pressão muito grande por parte dos pais. Alguns têm um discurso que querem que eles [filhos] estudem em faculdades públicas. Isso traz uma pressão", analisa Carolina Guimarães, orientadora educacional do Ensino Médio do Colégio Pentágono, que tem 449 alunos nas três séries finais do ensino em toda sua rede.
Para contornar a pressão, Carolina conta que os alunos do Pentágono são orientados, por exemplo, a diversificar as opções de faculdade. Além disso, o colégio faz um trabalho de gestão de estudos junto aos estudantes. Durante as aulas de projetos de vida, nas quais são trabalhadas as competências socioemocionais previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) como autogestão e habilidades de relacionamento.
Para a psicopedagoga Marta Gonçalves, do Instituto Singularidades, cada pessoa se relaciona de uma forma com a pressão e ela tende a ser mais negativa que positiva. "Quanto mais pressão, mais problemas eu vejo naquela situação e menos eu quero me envolver com isso", diz. "Exigir um alto desempenho de uma pessoa pode ser um tiro pela culatra. Nem sempre isso serve como incentivo", explica.
"A questão de pressão e de cobrança, para alguns pode soar de maneira positiva e potencializar a motivação. Para outros pode ter o efeito contrário". Ainda que lidar com as pressões que o mundo impõe seja algo que o ser humano precisa aprender ao longo da vida. Mas sob quais condições?
No Brasil, 10,2% das pessoas com mais de 18 anos de idade receberam diagnóstico de depressão. Essa porcentagem equivale a 16,3 milhões de pessoas. Os dados são da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019 e mostraram um aumento de 4,6 pontos percentuais em relação ao cenário de 2013.
Para Marcelo, o cenário - que é também global, com 264 milhões de pessoas sendo afetadas pela depressão, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) - é um dos efeitos do ambiente de pressão vivido por estudantes e, consequentemente, pelos adultos que eles se tornarão.
"Vamos começar a ter gerações precárias. Pessoas cada vez menos críticas, mas elas vão conseguir suar sangue, ralar e vão conseguir ocupar alguns lugares", afirma o psicólogo que também aponta para a necessidade das escolas priorizarem a formação humana em vez de substituí-la por resultados em provas e exames de vestibular.
ESCOLAS: FOCOS DE PRESSÃO X AMBIENTES SAUDÁVEIS
Um reflexo da sociedade e dos contextos que permeiam o cotidiano das pessoas, as escolas são espaços de focos de pressão. Não apenas porque elas representam e reproduzem parte da vida em sociedade, mas porque, na tentativa de atendar aos pais, têm se rendido ao cumprimento do papel pela fórmula do sucesso. "As escolas viraram quase reféns de um funcionamento social. Isso está machucando uma geração", afirma Marcelo Veiga.
Neste cenário, cabe observar como os espaços estão se mobilizando. No Colégio Santa Cruz, que tem 720 alunos no Ensino Médio, certas pressões são vistas com bons olhos. Bruno Weinberg, orientador do 2º ano do Ensino Médio, explica: "mal-estar não é sinônimo sempre de sofrimento". "A cobrança e a pressão geram um mal-estar importante de sair da zona de conforto para se repensar, tirar uma nota melhor, prestar mais atenção na aula e para se dedicar".
Ainda assim, os orientadores do Santa Cruz lembram que é preciso haver uma dosagem por parte da escola na medida como a cobrança acontece e, como proposta, o colégio oferece suporte para o desenvolvimento dos alunos e se coloca aberto ao diálogo.
O processo também envolve os professores que são aqueles que tem contato direto com os alunos. "Temos uma equipe muito próxima da orientação, da direção e da coordenação. Eles não se furtam de nos contar muito rapidamente qualquer coisa. A gente tem uma atuação rápida por conta disso", afirma Clarice Camargo, orientadora do 1º ano do Ensino Médio do Santa Cruz.
Um modelo semelhante de abertura é adotado no colégio Gracinha que conta com 222 alunos matriculados no Ensino Médio. Seja a partir de aulas sobre saúde mental ou rodas de conversa, o tema do bem estar acabou sendo absorvido pela rotina dos estudantes. Para Renata Chican, orientadora do Gracinha, o objetivo é rever a relação do aluno com o aprendizado.
"O aprender tem assustado mais. Esse lugar do não saber diante do coletivo tem causado uma pressão neles [alunos], entre colegas, e depois tem a pressão familiar. Nós, como escola, e as famílias, temos que reajustar as expectativas de quais estudantes são esses que estão na nossa frente".
Esse tipo de atenção encontrado nos colégios faz parte do cuidado com a saúde mental dos jovens. A preocupação se mostra válida, afinal, a OMS mostrou que metade das doenças mentais começa na faixa dos 14 anos de idade. Vale lembrar que nem todos os casos são detectados ou tratados.
A psicopedagoga Marta Gonçalves alerta para sinais como falta de interesse e de concentração no estudo, apatia, mudanças de humor e também alterações nos padrões de apetite e de sono. "Os pais também têm responsabilidades em notar esses comportamentos", diz.
Em meio a aulas, provas e vestibulares, "os pais precisam voltar a ter alguma condição de apresentar aos filhos que é legal ser adulto, que vale a pena crescer, porque tem coisa para fazer, para ser vivido, e que não vai ser só um terror", completa o psicólogo Marcelo Veiga.
Porque é, em meio a potenciais e fragilidades, que a adolescência chega já cheia das próprias pressões. Partindo dos pais, da escola, do mercado de trabalho ou até mesmo dos jovens, a pressão parece ser unânime entre esta geração.
E tem lhes roubado momentos preciosos de autoconhecimento e descoberta proporcionados por experiências e vivências que deveriam predominar sob expectativas de futuro. Resta saber se eles vão conseguir dar conta de tantas demandas ainda jovens.
* colaborou André Derviche
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