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Comportamento Adolescente e Educação

Semana da Consciência Negra: meninas são as maiores vítimas de violência sexual no país

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Foto do author Carolina  Delboni

Na semana da Consciência Negra é impossível não destacar as inúmeras desigualdades no país. Elas vão desde o acesso à educação até a vulnerabilidade à violência, reforçando a urgência por equidade e justiça racial. Entenda como o racismo impacta a vida de meninas negras e como a tomada de consciência é vital para reverter a violência

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Celebrado em 20 de novembro, no Brasil, o Dia da Consciência Negra é um marco para refletir sobre a trajetória da população negra e os desafios ainda enfrentados. A data homenageia Zumbi dos Palmares e sua luta contra a escravidão, mas, além da celebração histórica, nos convida a olhar para o presente, onde as dificuldades persistem, especialmente para meninas negras.

Crescer como uma menina negra no Brasil significa, muitas vezes, enfrentar um ciclo de discriminação e violência que impacta profundamente sua trajetória de vida. "Poucos sabem que, a cada hora, mais de cinco crianças menores de 13 anos são estupradas no Brasil, muitas vezes dentro de casa, por alguém próximo da vítima," afirma Renata Greco, analista de projetos e coordenadora de comunicação do Instituto Liberta.

O Instituto Liberta, por sua vez, atua para quebrar esse silêncio, promovendo campanhas, seminários, rodas de conversa e formações profissionais, além de se unir a coalizões que buscam apoio e atendimento às vítimas. Para Greco, a ausência de dados e discussões abertas sobre a violência sexual infantil contribui para a continuidade do problema. "Enquanto a sociedade não souber desses dados, não conseguiremos avançar no fortalecimento de meninas e meninos, nem nas políticas públicas de prevenção da violência sexual," explica.

Renata comenta que no Brasil, as meninas negras são particularmente vulneráveis à violência sexual, situação comprovada por estatísticas que evidenciam desigualdades raciais. "Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostram que meninas negras representam 51,9% das vítimas de estupro menores de 14 anos, seguidas por meninas brancas (47,1%), indígenas (0,5%) e amarelas (0,4%)", elenca.

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Para Elaine Amazonas, gerente de projetos da Plan International Brasil, a realidade de violência que as meninas negras enfrentam se entrelaça com as desigualdades estruturais do Brasil, em que o racismo e o patriarcado ainda sustentam a marginalização dessas meninas e mulheres. "O racismo, expresso das mais diversas formas, contribui para que as meninas negras sejam as maiores vítimas de violência sexual, feminicídio, gravidez não intencional, trabalho infantil doméstico e outras formas de opressão," destaca. A falta de representatividade positiva, a escassez de políticas de proteção e a baixa autoestima tornam o ambiente escolar, que deveria ser de acolhimento e aprendizado, muitas vezes hostil.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostram que meninas negras representam 51,9% das vítimas de estupro menores de 14 anos. Foto: Spicy World/ Adobe Stock

Um estudo da UNICEF publicado em 2018, aponta que meninas negras enfrentam estigmatização nas escolas, o que frequentemente as leva ao abandono escolar e a um desempenho acadêmico prejudicado. O estigma, que é muitas vezes reforçado pela ausência de representações positivas de mulheres negras, contribui para a manutenção de ciclos de exclusão e limita as possibilidades dessas jovens. "Para nós, não é possível falar das mulheres de forma homogênea, pois sempre consideramos as especificidades das meninas e mulheres negras, que enfrentam desafios como a descredibilidade intelectual, ofensas contra o cabelo e o corpo, entre outras opressões," observa Graziela Santos, gestora de Políticas Educacionais da Serenas.

Ela reforça que projetos educativos da Serenas, em parceria com secretarias de educação e profissionais de segurança pública, têm buscado construir diálogos que promovam a autoestima e o reconhecimento da identidade negra. A questão do racismo estrutural também ficou evidente com o tema da redação do ENEM de 2024. Elaine Amazonas, da Plan, ressalta que o tema permitiu que adolescentes e jovens refletissem sobre o processo de construção histórica do país, mas também trouxe à tona críticas de uma parcela da população que prefere ignorar o racismo como um fator estruturante das nossas relações sociais. "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil, que provocaram tanto reflexões quanto críticas".

Apesar dos avanços em representatividade, com algumas jovens negras se vendo representadas em programas de TV e propagandas, ainda há um longo caminho para a igualdade racial no Brasil. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o "Relógio da Igualdade de Gênero" estima que estamos a 134 anos de alcançar a igualdade de gênero, tempo que se estende ainda mais para meninas negras e indígenas, especialmente em um país marcado por séculos de escravização e exploração dos corpos de mulheres negras.

A exclusão social e econômica, combinada à ausência de políticas públicas, também limita as oportunidades para essas meninas, agravando as barreiras para o mercado de trabalho e o acesso à educação superior. "Quanto mais se avança nas etapas escolares, menores são os índices de conclusão entre mulheres negras," comenta Graziela Santos.

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Dados publicados pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), em agosto de 2023, revelam que apenas 14,7% das mulheres negras com mais de 25 anos têm o ensino superior completo. Essa exclusão educacional perpetua-se também no mercado de trabalho, quando mulheres negras enfrentam altos índices de subemprego e de violência doméstica e obstétrica, além de serem a maioria entre as adolescentes grávidas e as trabalhadoras domésticas em condições precárias. Graziela reforça a importância de políticas públicas inclusivas e sensíveis à questão racial e de gênero para reverter essa realidade.

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O Dia da Consciência Negra simboliza, assim, uma oportunidade para que o Brasil reflita e aja diante das desigualdades que afetam a população negra. "Nós acreditamos que o caminho para o enfrentamento da violência e discriminação é a informação e a educação nas escolas," diz.

Para Elaine, o papel das escolas e de outras instituições educativas é fundamental na construção de uma sociedade mais justa e equitativa. "Já passou da hora de as escolas assumirem verdadeiramente o seu papel para a construção de uma sociedade livre de opressões por raça, gênero e sexualidade, onde cada pessoa possa ser quem é," comenta. O compromisso com a equidade deve ir além do simbólico e se materializar em políticas públicas que promovam a representatividade positiva, valorizem a cultura negra e combatam o racismo desde a infância.

O dia 20 de novembro é um chamado à responsabilidade social, que reforça a importância de ações transformadoras para assegurar que meninas negras possam crescer em um ambiente de respeito, inclusão e igualdade de oportunidades. É uma luta pela mudança estrutural, onde as histórias, identidades e aspirações negras sejam respeitadas e celebradas.

Apenas por meio de políticas públicas eficazes, promoção de representatividade positiva e o combate ao racismo poderemos construir um futuro mais justo e inclusivo para todas as meninas do Brasil.

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