Pode parecer algo muito óbvio, mas além de brincar e se divertir, uma criança que tem amigos é capaz de se desenvolver emocionalmente de maneira integral
Quando pequena, minhas férias foram marcadas pela presença constante dos meus primos. Esperar dezembro era esperar o dia em que meu pai ia olhar pra gente e dizer "sua tia está chegando". Era o anúncio de um começo inesgotável de brincadeiras, conversas, risadas e muito, muito companheirismo. Descobri o que eram as férias longe da casa dos meus avós e tios só depois de grande. Enquanto minhas amigas escolhiam estar juntas na praia, eu ainda dividia o tempo entre o mar e a terra vermelha de que tanto pintei os pés.
Hoje, sentada na areia da praia, observo meus filhos. Felipe, o mais novo com 12 anos, além dos primos, está com um amigo. E com exatos 12min de pedalada, um pode chegar à casa do outro. Passam dias e dias juntos. Entre cá e lá, entre mais sol e mar. E vejo ele construindo sua bagagem de memórias e lembranças, essas que carrego comigo com tanto carinho e afinco. Mas agora não só com primos, com o amigo também.
E Felipe e Francisco andam numa sintonia tão afinada que não preciso ficar atrás pedindo ou mandando absolutamente nada. Nem que larguem o celular ou inventem uma brincadeira. Eles juntos, brincam. Ainda às vezes até de imaginar. Talvez não mais aquela de quando somos bem pequeninos, mas ainda podem contar com o conforto da imaginação. De se desligar do mundo concreto e das concretudes para se vincular àquelas coisas miúdas que são tão maiores.
Amigo engrandece nosso ponto de vista. Engrandece a existência da gente com a gente mesmo. Porque ajuda a olhar o que a gente carrega dentro. Ajuda a olhar o que, às vezes, a gente só vê. Não sente, não toca. Não percebe. Não olha de maneira miúda.
Existem muitas teorias e estudos do porquê um amigo é tão importante na infância. É na relação com o outro que a criança, ou o adolescente, se percebe, e é capaz de se reconhecer como sujeito ativo e pensante. Amigos são vínculos saudáveis e os primeiros que a criança cria fora do núcleo familiar. É quando ela própria faz a escolha de com quem quer se relacionar e isso tem uma importância gigantesca para a autoestima e a segurança, entre outros tantos pontos positivos.
E aqui vale um alerta a pais, mães e avós: a escolha do amigo é da criança e não sua. Não é hora de dizer que você se incomoda com a amizade-grude dos dois ou que você acha que aquele amigo não é legal pra ele. Ainda que a gente se sinta no dever de alertar e falar algumas coisas, é preciso ir com muito respeito e cuidado. E saber que, talvez, você é quem vai precisar rever os conceitos.
A gente tende a afastar dos filhos os amigos que a gente não gosta ou que são mais difíceis de lidar. Ou porque são mais agressivos, mal educados ou "chatinhos". A gente logo quer excluir da vida do filho o "tal" amigo que o magoa. Mas o grande desafio é manter essa criança por perto e aprender a se relacionar com as escolhas do filho, além de ensiná-lo a lidar com as adversidades que possam vir a aparecer. Dá mais trabalho? Dá, mas é assim que a gente educa.
Crianças, desde muito pequenas, fazem escolhas. Escolhas corretas e criteriosas. Ainda que a gente tenha mania de achar que só quando cresce é que sabe escolher, sabe dizer o que é bom ou ruim. Filhos precisam ter a chance, o que pressupõe aprender a lidar com erros e acertos. A lidar com sentimentos bons e ruins, a chorar e a sorrir.
Filhos precisam ter espaço para fazer suas escolhas e aprenderem com elas. A nós, pais, cabe construir esses lugares de confiança pra que os momentos existam e aconteçam de maneira saudável. Pra que a gente seja capaz de sentar-se à beira mar e observar o filho com o amigo, brincando, tão cheio de saúde. Não só física, mas, principalmente, a saúde que a gente ganha quando fortalece as emoções.
Aquela que a gente carrega pra vida, sempre. Feito memória, feito lembrança. Dessas que eu tenho observado meu filho construir. De maneira tão sólida e respeitosa. Com ele e com o amigo.
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