Amada dentro e fora do País

Especialmente sedutora, e outro tanto refinada, Aimée de Heeren viveu de modo grandioso por um século

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Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

A ninguém Aimée de Heeren diria sua idade. Um dia, ao ser entrevistada por uma repórter de TV brasileira que desejava saber se era mesmo ela, como muitos afirmavam, a tão citada ?bem-amada? dos diários de Getúlio Vargas, publicados em 1995, respondeu: "Minha filha, como eu poderia dizer minha idade a você, se não digo nem ao meu médico?". Mesmo que pudessem fazer cálculos e imaginar, seus amigos e admiradores só ficaram sabendo que ela nasceu em 1903 quando, em 2006, aos 103 anos, morreu parecendo ter uns 25 ou 30 menos. Nas últimas décadas, sua ótima saúde e alegria de viver permitiram que se mantivesse ativa e cercada de amigos de todas as idades. Era generosa, não só com os mais próximos e as pessoas de suas relações, mas também, e especialmente, com os menos privilegiados. Não muito antes de morrer, foi vista na praia, em Biarritz, acompanhada de suas fiéis empregadas brasileiras, Lídia e Aparecida. Nem em seus últimos dias descurou de receber a manicure, a cabeleireira, a massagista e de tomar a versão brasileira do óleo ômega 3. Aimée foi sempre assim, "extra"ordinária. Cultora da sedução, da beleza e da saúde - não bebia nem fumava -, foi dona de belas casas e apartamentos em Nova York, Palm Beach, Biarritz e Paris. Anfitriã impecável, viveu entre ricos, nobres e famosos durante quase um século, freqüentando as mais belas festas, palácios e casas da aristocracia e do society internacional. No mês passado, na casa de leilão Bonham?s, em Nova York, apesar da crise, foram bem vendidos quase todos os móveis, tapetes e objetos de sua mansão na Rua 90, quase esquina da 5ª Avenida, e conhecida como Wanamaker-Munn Mansion. Para sorte da família, seis meses antes da eclosão da crise imobiliária nos Estados Unidos, a bela mansão foi vendida por mais de US$ 30 milhões. Foi em Castro, no Paraná, que nasceu Aimée Sotto Maior Sá. Ainda adolescente, com os pais e a irmã Vera, mudou-se para o Rio de Janeiro. Bem jovem, casou-se com o primo distante Luís Simões Lopes, criador da Fundação Getúlio Vargas e braço direito do presidente. Foram morar no palácio presidencial, mas o casamento durou pouco, apenas alguns anos. Em seguida, as duas irmãs, ambas belas e com ares tropicais, desembarcavam em Nova York, encantando pelo charme e pela originalidade. Aimée não mais voltaria a morar no Brasil. Foi em 1941, quando tinha 38 anos, que conheceu e se casou com Rodman de Heeren, filho de Fernanda Wanamaker, da dinastia da maior cadeia de lojas de departamentos da Filadélfia, e do diplomata espanhol Arturo de Heeren. Assim que Rodman voltou do Pacífico, onde serviu no exército americano, o casal partiu para a Europa, criando uma base na França, mais precisamente em Biarritz, na bela Villa La Roseraie. Tornaram-se amigos dos duques de Windsor, que seguidamente se hospedavam no vizinho Hotel du Palais, e do beautiful people que ali jogava e veraneava. Talento para decorar Tendo estudado no Brasil apenas o básico, Aimée ansiava por mais e mais aprender. Inteligente e sensível, soube fazer amigos entre aristocratas, intelectuais e artistas e, desse convívio, extrair sabedoria e experiência. Rápido, aprendeu a falar seis idiomas, não de forma perfeita, mas sim o suficiente para circular pelo mundo e em sociedade com brilho, simpatia e segura de si. No início, homens e mulheres admiravam sua beleza; em seguida, seria conhecida pela elegância, pela graça no papel de anfitriã e pelo talento em criar, em suas muitas casas, interiores interessantes e com personalidade própria. A cada decoração de um novo interior, foi ficando evidente a evolução e o refinamento de seu gosto. Foi eleita para a lista das mais bem vestidas do mundo e, mais tarde, entronizada no Fashion Hall of Fame, mais pelas reinterpretações que fazia da moda, com graça e originalidade, do que por sua adesão a ela.Tive o privilégio de conhecer Aimée de Hereen, pois, desde os tempos de meus avós, se manteve amiga da família. Lembro bem quando se hospedou com meus pais na embaixada brasileira em Londres, no fim dos anos 60. A razão da visita era a morte de um admirador seu, para não dizer um grande apaixonado, o duque de Buccleuch, um dos homens mais ricos da Grã-Bretanha e dono de terras na Escócia. Quando deixava a casa para o enterro - loura, olhos verdes e vestindo um tailleur marrom bem, bem escuro -, comentou brincando: "Que não me confundam com a viúva". Ficou também a lembrança de um jantar, nos anos 70, em sua casa, em Nova York. Na memória, as porcelanas azuis e brancas, os talheres com cabos de porcelana, também azuis e brancos, e o estampado azul dos estofados e das cortinas na biblioteca de lambri. Aimée, entre flores, candelabros cheios de velas, mulheres de longo e muitas jóias, homens de gravata preta, era uma aula de savoir-faire. Não poderia imaginar que um dia teria em mãos o catálogo do leilão de seus pertences, a coleção de arte e antiguidades acumulada pelos Wanamaker de Heeren durante quatro gerações. Paixão de Chatô Seu canto parisiense foi um apartamento alugado na Rue de Varennes, em uma das mais belas casas privadas da cidade, propriedade de lorde Granart e que há uns 15 anos - por isso, Aimée precisou mudar-se - foi comprada pelo sultão do Brunei. Pessoalmente, pude constatar que, para se chegar ao apartamento, era preciso subir dois lances de escada, fato que não parecia assustar Aimée nem impedi-la de receber amigos. Um dia, descontraída, tirou os sapatos e colocou os pés sobre a mesa em frente ao sofá. Ao me ver tomando um vinho, comentou: "Minha filha, álcool faz mal para a pele". Aimée era espontaneamente divertida. De Assis Chateaubriand, ou Chatô, com quem ela também se hospedava quando ele era embaixador em Londres, tinha histórias magníficas, como a da insistência dele, junto ao cerimonial de Buckingham, em levá-la consigo à coroação da rainha Elizabeth. Impedido de fazê-lo, pois os embaixadores ali representando seus governos ou iam acompanhados da mulher ou então sozinhos, ele não se conformava. Tentou, em vão, os mais variados argumentos, inclusive o de que ela provinha de uma das mais antigas famílias brasileiras. Segundo Fernando Moraes, o biógrafo de Chateaubriand, Aimée foi a mais duradoura de suas paixões. Sedutora sem jamais cair na vulgaridade, elegante, doce e talentosa, Aimée foi, sem dúvida, uma das últimas grandes damas de seu tempo. Ela soube conquistar seu espaço no mundo com o melhor de sua brasilidade: a espontaneidade, a alegria contagiante, o prazer de estar com amigos, a fidelidade ao picadinho e ao feijão com arroz, o cuidado com as unhas e os cabelos, o gosto pela praia e, sobretudo, sua grande capacidade de se relacionar com afeto verdadeiro. (nese@terra.com.br)

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