A estrada que nos leva a um viver mais sustentável passa, invariavelmente, pelo desenho de nossas casas. Por projetos, no campo ou na cidade, que minimizem ao máximo o impacto ambiental, durante e após sua construção. E pela reconfiguração dos imóveis urbanos, para que consumam menos energia e produzam menos resíduos.
“Há uma década, a ideia de viver em uma casa sustentável era desejável, mas um pouco distante. As tecnologias e materiais necessários eram poucos, caros e vistos até com uma certa desconfiança”, afirma a engenheira ambiental Ana Paula Liptak Constâncio. “Hoje, no entanto, a economia gerada pelas práticas sustentáveis começa a ser sentida no bolso e, por isso, não chega a surpreender que a procura por projetos desta natureza tenha crescido tanto”, diz.
De acordo com a engenheira, que presta consultoria especializada para arquitetos, a tendência é que esse tipo de projeto ganhe relevância e visibilidade nos próximos anos, à medida em que mais e mais pessoas parecem buscar uma relação mais saudável com o meio ambiente e começam a abandonar uma série de mitos que cercam o tema.
“Ao contrário do que muitos pensam, uma casa sustentável não tem um orçamento muito maior que o de uma casa convencional. Os imóveis tradicionais costumam ser mais acessíveis porque são construídos em larga escala, mas o investimento em uma solução alternativa se dilui ao longo dos anos”, diz.
Como ocorreu, por exemplo, com a arquiteta Consuelo Jorge, que há 15 anos vive em uma casa projetada por ela no bairro do Campo Belo, em São Paulo, em meio a painéis para captação de energia solar, cisterna para armazenar águas de chuvas e iluminação de jardim acionada por células fotovoltaicas. “Na época da construção, fiz um estudo e constatei que todo o investimento se pagaria em cinco anos. E foi isso o que aconteceu”, conta.
Outra ideia errônea que se têm das práticas sustentáveis aplicadas à casa é de que elas só se efetivam, necessariamente, se forem implantadas desde a concepção do projeto. “É claro que o ideal é que elas fossem pensadas desde o início, mas isso não é um impeditivo. A palavra-chave é eficiência, ou seja, como consumir o mínimo de energia e ter a maior performance. E isso pode muito bem acontecer dentro de um apartamento pronto”, pontua Ana Paula.
Projeto exclusivo
Para o arquiteto Beto Magalhães (bmagalhaes.com. br), convidado para desenvolver um projeto de casa sustentável especialmente para o Estadão, o primeiro passo para quem pretende construir é investir na localização.
Ele salienta que é fundamental considerar a posição do sol. “É ela que vai definir a localização das janelas e sistemas de captação de luz”, diz. Mas, seja qual for a linha do projeto, Magalhães alerta que, para consumir menos energia, é essencial investir em grandes aberturas, ventilação cruzada e, se possível, iluminação zenital. “O projeto de uma casa sustentável nasce de parâmetros precisos, que combinam conforto, eficiência energética e estética”, afirma ele, que na casa em questão optou por uma abordagem minimalista, tanto em relação à arquitetura quanto à decoração dos interiores.
“O estilo acaba sendo decorrência da necessidade de racionalizar os recursos”, pontua ele, que concebeu seu projeto a partir de dois blocos que se encaixam, remetendo ao formato de uma cabana. De um lado, uma estrutura metálica, revestida com placas cimentícias, concentra os ambientes da área social. Do outro, dentro de um esqueleto de madeira, preenchido com lã de vidro, e revestido com réguas de bambu, fica a área íntima.
“O desenho por si só já é forte. No mais, tudo se resumiu à escolha criteriosa dos materiais e à instalação de equipamentos capazes de reduzir o consumo de energia”, conta o arquiteto, que apresenta agora seu projeto em detalhes, em meio a preciosas dicas de como tornar qualquer habitação mais sustentável. Esteja ela onde estiver. Acompanhe:
Telhado
Trata-se de um dos componentes da casa mais valorizados nos projetos sustentáveis. Por meio de detalhes de projeto e da instalação de equipamentos, ele pode, de fato, colaborar para reduzir o consumo de energia ou mesmo se transformar em centro gerador dela. Ainda na fase da concepção, tudo começa pela demarcação de possíveis áreas de iluminação zenital. Ou, seja, trechos vedados com vidros para permitir a entrada da luz no interior da construção. Melhor ainda se a vedação se der por meio de material revestido com películas para controlar a insolação. “Esse tipo de vidro barra a passagem do calor e também quase 100% dos raios UV. De qualquer forma, a simples entrada de luz já promove uma redução do consumo de energia gasta com iluminação e ar condicionado”, esclarece o arquiteto. Em seguida, sempre que possível, Magalhães recomenda a instalação de placas fotovoltaicas para a captação de energia solar. “Nesse setor é importante considerar a relação custo-benefício. Claro que a instalação demanda um investimento inicial, mas ele acaba por se diluir ao longo do tempo”, afirma.
No caso da casa projetada por ele, o custo para a instalação de seis painéis solares fotovoltaicos, capazes de suprir, em média, um consumo de eletricidade equivalente a 250 kWh ao mês, seria de R$ 12.800, na Portal Solar (portalsolar.com.br). Isso considerando a geração de 1,73 kWp e um consumo médio mensal de 186,3 kWh. A título de referência, uma lâmpada LED consome 0,7 kWh ao mês e um chuveiro elétrico, 81 kWh/mês.
Para ampliar o conforto térmico e acústico nos ambientes e ainda facilitar a drenagem da água de chuva, a implantação de uma área verde sobre o telhado é outra alternativa que vem ganhando espaço entre os arquitetos. Mas, em projetos nos quais a área disponível é pequena ou inacessível, é preciso considerar que a instalação pode se tornar onerosa. O investimento inicial é alto, porque é preciso reforçar a estrutura para receber o acréscimo de carga. “Além disso, é necessário realizar manutenções periódicas para que a construção permaneça íntegra, sem infiltrações, e a cobertura vegetal bem cuidada”, explica Magalhães.
Captação de águas pluviais
Quando pensamos em diminuir o consumo de água, em casas em construção ou com espaço externo, podemos considerar a construção de uma cisterna: reservatório para armazenar a água da chuva, que pode servir para atividades como regar o jardim e lavar o carro. Instalada no jardim, a cisterna especificada neste projeto conta com sistema de filtragem que funciona com filtro integrado, não sendo necessário nenhum componente adicional. O custo aproximado de instalação é de R$ 1.480. na Eco Sustentável (ecosustentavel.eng.br).
Por dentro da casa, a sustentabilidade pensada no projeto de Beto Magalhães segue em todos os itens – incluindo os móveis.
Revestimentos externos e de vedação
É grande a variedade de opções no mercado, produzidos com materiais certificados ou a partir de técnicas de baixo impacto. No projeto de Magalhães, visando ampliar as condições de conforto térmico, mas também o aspecto estético, dois materiais foram elencados: o bambu e as placas cimentícias. “Para o setor íntimo, optei pelo revestimento com bambu. É um material renovável, de alta durabilidade e resistente à exposição à água, ao vento e ao calor. Além disso, oferece um efeito visual bem próximo ao da madeira, mas com custo bem menor.”
Já para a área social, ele especificou placas cimentícias pré-moldadas. Segundo o arquiteto, elas quase não geram resíduos quando comparadas à alvenaria convencional e, após impermeabilizadas, apresentam baixa absorção de umidade.
Pisos e revestimentos internos. A partir daqui, as considerações dos profissionais ganham sentido ampliado, uma vez que se aplicam tanto para quem está construindo quanto para quem pretende tornar o lugar que habita mais sustentável, seja sua casa ou seu apartamento. “Para um espaço construído, a cartilha da sustentabilidade prevê, basicamente, a utilização de revestimentos produzidos com matérias-primas recicladas ou certificadas, a redução do consumo de água e energia, e a adoção de procedimentos capazes de diminuir, ou ao menos dar a destinação correta, aos resíduos produzidos”, pontua a engenheira ambiental Ana Paula Liptak Constâncio.
“São pequenas substituições, que dependem da escolha individual, mas que tomadas em conjunto, com o tempo, podem beneficiar toda coletividade”, explica ela, que vê com bons olhos o aumento da oferta de produtos que podem ser considerados ecológicos e, ao mesmo tempo, atraentes esteticamente.
Nos banheiros da casa proposta por Magalhães, por exemplo, as pastilhas especificadas para revestir as paredes são de vidro 100% reciclado, assim com o piso de porcelanato, feito de material reutilizado. “Em alguns casos, a porcentagem de agregados reaproveitados pode ser de até 60%”, explica o arquiteto.
Para se ajustar à linguagem minimalista da arquitetura, o piso e as paredes do living foram revestidos na mesma placa cimentícia pré- moldada da fachada. Já o piso da cozinha recebeu cimento ecológico alisado. Material proveniente do reaproveitamento de resíduos industriais que auxilia na manutenção do conforto térmico e é de fácil limpeza.
Como alternativa ao uso de mármore e granito, que pode resultar em prejuízos ambientais durante a fase de extração, o frontão da pia, de aço inoxidável, foi confeccionado em poliestireno (ou isopor), plástico hoje já produzido dentro de uma cadeia mais sustentável. Nas demais paredes, a pintura prevê materiais menos agressivos à saúde humana e ao meio ambiente. Os selantes, por exemplo, apresentam baixa concentração de compostos voláteis, substâncias consideradas tóxicas para a saúde. Já as tintas são todas minerais. Ou seja, fabricadas à base de água e pigmentos naturais, sem adição de derivados do petróleo.
Louças e metais. Longe vai o tempo em que a escolha dos equipamentos sanitários podia ser conduzida apenas tendo por base o gosto pessoal. Atualmente, empregar peças melhor adaptadas pode representar uma real redução do consumo de água. Assim, nos banheiros da casa, todos os vasos sanitários contam com caixas acopladas de fluxo duplo, que liberam de 3 a 6 litros, a depender do botão acionado. “Em comparação com vasos convencionais, a economia desse dispositivo representa cerca de 25% do consumo de água dedicado à descarga”, diz o arquiteto. Já todas as torneiras, incluindo a da cozinha, foram dotadas de arejadores, o que pode representar uma economia de até 70%, se considerarmos a instalação de um modelo desprovido do dispositivo. Restritores de vazão aparecem também nos chuveiros. Nesse caso, a economia prevista pode chegar a até 50%.
Energia elétrica
Uma redução considerável do consumo pode ser gerada pela simples substituição das lâmpadas e dos eletrodomésticos convencionais. Na hora de comprar eletrodomésticos e eletrônicos, verifique se o produto possui o selo Procel, o que significa que, comprovadamente, ele consome menos energia. Toda atenção deve ser dispensada também ao projeto luminotécnico. Como ocorre na casa em questão, todas as lâmpadas utilizadas devem ser do tipo LED – que possuem vida útil 50% superior e são, em média, 80% mais econômicas que os modelos incandescentes e 35% que os fluorescentes. Além disso, procure, como fez Magalhães em seu projeto, priorizar a chamada iluminação de tarefa. “Na prática, nada mais do que distribuir abajures e luminárias próximos às áreas de uso, no lugar de optar por um único ponto luminoso, no centro do ambiente.”
Mobiliário e acessórios
Em uma casa que se pretende sustentável, não devem ser escolhidos apenas em função de seu potencial estético. A procedência dos materiais utilizados na produção das peças, as fases de fabricação e transporte, a necessidade de manutenção e até mesmo sua reciclabilidade devem ser consideradas. Nos móveis de madeira, procure pelo selo FSC (Forest Stewardship Council): ele atesta que, da produção à montagem, não houve desmatamento ilegal, nem trabalho escravo ou infantil e que o solo e a água não foram contaminados no processo.
Reciclagem e compostagem
Tudo começa por dar destinação adequada ao lixo produzido em casa, separando os dejetos por tipo de material. Depois, considere a instalação de uma composteira modular no quintal, cozinha ou área de serviço. Dessa forma, além de diminuir a quantidade de resíduos orgânicos descartados, você ainda pode obter, sem custos, um excelente adubo para fertilizar seus vasos e canteiros. Investir em compostagem é uma estratégia inovadora para um problema antigo e que, ao contrário do que se pensa, não requer grandes investimentos. Kits podem ser encontrados por cerca de R$ 500 (composteira.moradadafloresta.eco.br). E existem ainda soluções caseiras que podem ser montadas com materiais que você já possui. Confira como fazer a sua aqui.
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