Da arquitetura ao design

Após toda uma vida desenhando móveis para seus projetos, arquiteto Ruy Ohtake tem sua obra como designer reconhecida por importante premiação internacional

O arquiteto Ruy Ohtake Foto: Helvio Romero/AE

A prática do design surgiu na vida do arquiteto Ruy Ohtake de maneira natural. “Desenhava móveis para meus projetos, sempre em sintonia com a arquitetura, o que continuo fazendo até hoje”, conta ele, que apenas mais recentemente tem se dedicado ao desenho de objetos destinados à produção seriada. “Isso aumentou ainda mais minha surpresa em receber um prêmio da dimensão do Red Dot”, comenta o arquiteto a respeito da premiação a ele concedida em março, na Alemanha, pela linha de cubas cerâmicas desenhadas para a espanhola Roca. “Ultimamente o design vem se fazendo mais presente na minha vida e isso me deixa muito feliz”, como afirmou nesta entrevista ao Casa. 

Como recebeu o prêmio Red Dot e o que pensa ter influenciado a escolha dos jurados?  Recebi a notícia de minha premiação com um misto de surpresa e alegria. Primeiro por ter sido escolhido pela Red Dot, uma das mais celebradas premiações do design mundial. Me agrada ter recebido o reconhecimento do júri, ressaltando meu trabalho ao citar “o brasileiríssimo desenho, com curvas e ondulações”. E alegria porque é a primeira vez que participo e venço essa competição, que teve a participação de 1.600 candidatos. Apresentei três tipos de cubas de cerâmica, em quatro cores – verde, roxo, branco e preto – que a Roca produziu belissimamente bem, já introduzindo a tecnologia que me permitiu criar peças com 15 mm de espessura. Curioso que, no início deste ano, recebi do Barcelona Design Center, BDC, o convite para presidir o júri internacional do concurso de 2019, a se realizar em outubro próximo, reunindo centenas de designers. O mais significativo é que esses dois fatos ocorreram no mesmo ano, me fazendo refletir sobre a importância crescente que o nosso design vem adquirindo nos centros mais avançados.

Linhade cubas desenhada para a Roca Foto: Ricardo Miyada

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Como vê os arquitetos fazendo design hoje? Qual a contribuição que eles podem trazer para o desenho dos objetos? Tudo se resume apenas a uma questão de escala de projeto? No meu caso, tenho projetado peças de mobiliário desde recém-formado, com propostas sempre acopladas à arquitetura, mas ocupando posição de destaque dentro dos espaços. Para mim sempre me pareceu algo natural, quase uma continuidade. Entendo, no entanto, que esta não é a questão que se coloca hoje. O design ganhou autonomia, embora penso que a maioria dos jovens designers brasileiros continuam muito deslumbrados com as feiras internacionais. O desafio presente é elaborar desenhos que tenham conteúdo e caráter contemporâneos. E, sempre, vinculando à indústria e à tecnologia. Assim, seria possível produzir em maior escala e a preços mais acessíveis. Existem hoje inúmeras possibilidades de uso de materiais naturais e sintéticos e uma gama sem fim de cores. Além do que o contato com os velhos mestres da nossa indústria e a pesquisa sempre podem abrir novos caminhos. 

Além da cuba, quais suas experiências mais significativas como designer e quais valores aplica à sua produção? Comecei por realizar o projeto do ateliê e residência de Tomie Ohtake, em 1966, em São Paulo, para a qual desenhei, sempre em concreto, as mesas de jantar, de trabalho, do centro da sala, além de uma estante múltipla de 40 metros de comprimento, ao longo de toda a casa. Outras iniciativas na área que me recordo bem foram o forro da entrada da Câmara Árabe Brasileira, de resina plástica, e outra grande estante, de madeira, para o lobby do hotel Golden Tulip, de Brasília, em 1993. Também tenho projetado peças em escala de produção que variam de 20 a 50 unidades, de vidro, aço carbono, madeira, policarbonato e porcelanato. Uma experiência interessante, que apresentei na Feira Brasil Faz Design, em Milão, anos atrás, foram móveis feitos de placas de compensado curvo, sendo que o material, até hoje, é utilizado somente na forma plana. Espanto geral: MDF curvado? Sim, e com tecnologia brasileira, eu respondia. Mas em qualquer situação, seja em peças exclusivas ou produzidas em maior escala, além de originalidade e linguagem contemporânea, é sempre essencial provocar surpresa. 

Banco Zu, desenhado para uma de suas residências projetadas pelo arquiteto Foto: Ruy Teixeira
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