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Uma alimentação consciente no paraíso da comilança

Empresa paulista muda a realidade de agricultores familiares do NO e NE

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Por Juliana Carreiro
Favo de mel orgânico, da Comapi - PI. Crédito: Saulo Augusto Jr.  

Polvo Lab mostra como é possível unir garantia de impacto social, preservação ambiental e negócios rentáveis

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Transformar a vida de um milhão de pessoas através da mobilidade social e da geração de renda. É este o objetivo de um fundo privado de investimentos, que presta uma espécie de consultoria para inserir no mercado, ou melhorar o posicionamento, de produtos brasileiros, como: mel, tapioca, flocos de milho e nibs de cacau, produzidos por agricultores familiares de regiões de alta vulnerabilidade social.

O trabalho da Polvo Lab começou com a produção de mel no sertão do Piauí, em Simplício Mendes, cidade com um dos piores IDHs do Estado, depois seguiu para Bahia e Maranhão. Agora a empresa está começando a atuar no Ceará e deve seguir para Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Pará. Hoje são apoiadas sete cooperativas, de sete cadeias produtivas, com cerca de sete mil produtores cooperados, considerando os seus familiares, são cerca de trinta mil pessoas alcançadas. Eu conversei com uma das sócias-fundadoras da Polvo Lab, Gabriella Marques.

-Como funciona a Polvo Lab? 

G.M: "A Polvo Lab é um fundo privado de investimento. O nosso grande foco é trabalhar com produtos brasileiros e melhorar o posicionamento deles no mercado, esses produtos precisam vir de agricultura familiar. A ideia é que eles fomentem cadeias produtivas, principalmente nas regiões do Brasil onde a gente vê mais pobreza, digamos assim, porque a gente sempre vai trabalhar com mobilidade social. 

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A gente ainda é uma startup, nascemos há dois anos e meio, e temos trabalhado nessa trilha de profissionalização, capacitação das cooperativas e dos cooperados, melhorias no processo de produção, inovação e receita, para melhor a apresentação dos produtos para o mercado, damos uma espécie de 'banho de loja final', pra deixar o produto mais bonito, dar um destaque, pra ele começar a aparecer na prateleira. 

Mas essa é só uma das etapas que a gente faz para um trabalho todo de impacto socioambiental. O impacto social é o nosso DNA. A gente abriu essa empresa, então é uma empresa, não é uma ONG, por isso que é um fundo privado, com o propósito e uma missão muito ambiciosa de transformar a vida de um milhão de brasileiros através de produtos, que hoje são vendidos como commodity, que poderiam ser melhor apresentados para o mercado". 

-Como esse processo funciona na prática? 

G.M: "A gente já tem uma lista de alguns produtos que a gente gostaria muito de trabalhar: mel, cacau, mandioca, gergelim, que valorizem os biomas brasileiros. E o pré-requisito é que ele venha de um ecossistema com o maior número possível de famílias e que elas já estejam minimamente organizadas como um coletivo. Então, a gente nunca impulsiona ou trabalha com um único produtor, a gente sempre trabalha com essa força do coletivo. Também existe um filtro que é entender qual é o apelo comercial que esse produto pode ter pro mercado. A gente busca entender qual é o ecossistema que a gente consegue acelerar. 

Às vezes, ajudamos a estruturar do zero a cooperativa, mas já tem uma vocação no local. Quando a gente fala de polvo, ele conecta pessoas, oportunidades, liberdade de escolha, a vocação do território e essa originalidade, a ousadia pro mercado. Então fica um convite: Você tem um ecossistema, é de agricultura familiar, existe a possibilidade de fomentar mais renda? A gente vai avaliar com muito carinho pra ver se ele tem esse lugar na fila ou pra passar na frente da fila, de repente, de acordo com o número de famílias que ele pode impactar".

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-Pode dar um exemplo de como essa parceria pode gerar um aumento da renda dos agricultores? 

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G.M: "Quando a gente fala de agricultura familiar, a gente fala de uma população muito massacrada, muito trabalhadora, mas com pouquíssimo acesso à renda. Então quando a gente entra nesse ecossistema e começa a trabalhar a produção, a gente já tenta garantir que a cooperativa vai ter fluxo de caixa para comprar melhor o insumo. Então já dá um acréscimo de renda em torno de 25% do que o produtor costumava vender. Mas não se trata de quanto o produtor consegue receber a mais, focamos no quanto a cooperativa, como coletivo, consegue receber a mais pelo sucesso do produto. Escolhemos as cooperativas exatamente porque o sucesso dessa equação é dividido e compartilhado com todos. 

Existe um tempo de maturação de cada produto, de cada negócio, mas a gente já tem mais ou menos 25% de acréscimo de renda pro produtor rural e para a cooperativa dá esse rendimento super assustador de 200%, 300% de acréscimo. Isso acontece porque hoje as cooperativas vendem tudo como commodity, é um preço que o mercado paga quase como esmola e isso a gente lamenta demais. Um produto que deveria ser o protagonista, ele acaba sendo tratado quase como um subproduto. Às vezes a gente vê produtos com uma cadeia de produção ou com uma rastreabilidade super duvidosa, sendo muito melhor remunerados do que o produto íntegro até com certificação de orgânico de um pequeno agricultor". 

-É possível garantir uma produção em grande escala destes produtos?

G.M: "Com certeza. É uma falácia dizer que a gente não consegue produzir produtos com essa qualidade de agricultura familiar, sem transgenia, em escala. Na verdade, o que a gente tem é uma grande dificuldade de acesso ao mercado, então sobra produto hoje. Claro, existe todo um trabalho de adaptação e de preparo para o produto estar pronto para essa capilaridade de distribuição, mas não é por falta de produção e não é por falta de volume. 

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Nós temos o exemplo do mel, só na comunidade de Simplício Mendes, no sertão do Piauí, a gente consegue, se estimulado, produzir 400 toneladas de mel orgânico por ano. O brasileiro consome menos de 600 gramas de mel no ano, se dividirmos essas 400 toneladas pelo número de brasileiros, dá para atender basicamente o Brasil todo, com mel de uma única comunidade. Então esse produto hoje, que não se produz as 400, mas produz próximo de 200 toneladas, ele precisa ser exportado, porque ele não é canalizado no mercado brasileiro. Quando a gente conseguir começar a colocar produto do Brasil para o brasileiro, talvez a gente consiga ter uma óptica um pouco diferente e mais ajustada do que é a potência e a capacidade do produto de agricultura familiar". 

-Como você vê o papel do setor privado em relação à distribuição de renda no nosso país?

G.M: "Eu acho que deveria aumentar a movimentação da iniciativa privada, porque, no caso dos agricultores, se não for um produto muito incentivado e não conseguir performar sozinho, se não trabalharmos essa sustentabilidade financeira, o risco do programa ruir amanhã porque acabou a verba pública é enorme. Pode até parecer um discurso utópico, mas a gente tá muito seguro de que é o discurso dos próximos dez, vinte anos, não tem mais graça trabalhar com o mercado do jeito que ele está. É preciso organizar esse capitalismo para que ele trabalhe mais a favor de todos. A gente vê quantas catástrofes climáticas e quanto problema a gente tem hoje, que só acontecem porque não existe um pensamento no coletivo. 

A gente criou a Polvo Lab porque a gente sabe fazer dinheiro, criar bons negócios, mas pode ser muito mais divertido, e é extremamente prazeroso, o que a gente faz, dividir um pouco mais. Tem muita gente trabalhando com a gente hoje, é um negócio apaixonante, a gente tá vendo essa mudança acontecendo no olho de cada produtor. Não tem nada mais gratificante de que entender que o trabalho que a gente faz aqui na Faria Lima, avenida nobre da capital paulista, tá chegando lá no sertão do Piauí, no sertão da Bahia e não é por dó, por pena, pelo contrário, é por acreditar na potência que aquele trabalho pode ter aqui no mercado. Se a iniciativa privada fizer um movimento muito menos tímido de se envolver em causas realmente transformadoras, a gente não muda só o país, muda toda uma realidade e, mais do que isso, muda um futuro, pra gente pensar no legado que a gente deixar". 

-E qual é a responsabilidade do consumidor neste contexto?

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G.M: "Hoje está tudo na mão do comprador. A gente pode fazer o trabalho de campo mais incrível do planeta, ter o produto mais saboroso, conseguir chegar num preço bom, garantir uma logística especial, tudo isso vai travar na mão do comprador, não tem como fugir disso, existe um poder enorme na mão do comprador, dos grandes varejistas e dos pequenos também. Existe uma possibilidade da gente conseguir educar minimamente o consumidor, porque se ele vai ao supermercado e encontra sempre as mesmas marcas, ele tem o direito de reclamar, é ele que manda no varejista, essa demanda do que o mercado quer, o que o consumidor quer, ela direciona o comprador, pra começar a colocar esses produtos com mais frequência na gôndola. 

Hoje existe um movimento do pequeno varejista, o consumidor tem a oportunidade de comprar direto, existe uma voz e um protagonismo do consumidor nesse movimento da agricultura familiar que é muito forte. A gente precisa ser um pouco menos modesto, a gente tem que falar mais alto, porque o dinheiro do marketing das grandes marcas, ele pode calar uma ideia muito legal. Não demonizamos a colaboração com a indústria, aliás, acho que é muito necessária, e quero que, cada vez mais, grandes empresas consigam fazer colabs com oportunidades de inserir ingredientes mais sérios na sua cadeia produtiva, mas ainda é um movimento muito pequeno. 

Hoje a gente sofre para posicionar um produto de agricultura familiar, não temos verba de marketing, de entrada de gôndola, tudo que a gente tem de verba de dinheiro, a gente coloca na produção, para garantir comida na mesa do produtor. Então ainda é um movimento que vai levar um tempinho, a gente vai continuar falando do que é íntegro, do que é legal, do que funciona e, se a gente continuar sendo consistente, hoje somos dois, amanhã três, depois quatro. Hoje é um jornalista que se interessa pelo tema, amanhã é um veículo de comunicação inteiro, depois de amanhã o consumidor já estará demandando".

 

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