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Uma alimentação consciente no paraíso da comilança

Presença de orgânicos na merenda de São Paulo caiu nos últimos anos

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Por Juliana Carreiro
Produção de maracujá orgânico para merenda escolar - Orgânicos Cooper  

A meta da prefeitura era comprar 3,3% de orgânicos e alimentos agroecológicos até o final de 2023, número muito distante dos 50% que exige a Lei dos Orgânicos 

 

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A Lei 16.140, de 2015 exige que metade dos alimentos da merenda de escolas públicas do município de São Paulo sejam orgânicos ou de base agroecológica e prevê que até 2026 este percentual suba para 100%. Infelizmente, o cumprimento desta meta ainda está muito distante e este quadro dificilmente será revertido até a data prevista. Porém, algumas iniciativas mostram que é possível diminuir a distância entre as crianças e os alimentos mais saudáveis e sustentáveis.

 

Segundo a Comissão Gestora da Lei Municipal nº 16.140/2015, durante a pandemia houve um grande retrocesso no percentual de orgânicos comprados pela prefeitura e este número segue baixo. Em 2023, o órgão só tinha comprado 1,3% e tinha uma meta de até o final de dezembro de 2023 comprar 3,3%, ao invés dos 50% que a lei determina. A Comissão ainda não recebeu os dados de 2024, mas tem se reunido com a prefeitura todos os meses para tentar superar os entraves à compra de orgânicos.

 

De acordo com a presidenta da Comissão, Giorgia Castilho Russo: "A prefeitura contratou uma consultoria da FIA, Fundação Instituto de Administração, para fazer um mapeamento de produção agroecológica (para conhecer a oferta de orgânicos). Mas quando a gente tem uma lei como essa, não adianta você mapear o que tem e comprar só o que está sendo ofertado. Pela dimensão do PNAE e pelo objetivo da lei, que é promover uma transição agroecológica, você precisa fazer um trabalho intersetorial de fomento à produção agroecológica, por isso que a lei contempla para várias secretarias não só a da educação".

 

Giorgia complementa: "Isso estava acontecendo desde que a lei foi implementada e aumentou muito a produção agroecológica, a prefeitura foi gradualmente aumentando essa compra e a ideia era seguir  com esse avanço, mas isso não aconteceu. Hoje a gente não vê a ponte intersetorial entre as secretarias pro fomento da produção agroecológica. Agora a FIA chegou a essa mesma conclusão, que realmente precisa avaliar o potencial de fornecimento e estimular a produção para conseguir cumprir a meta". 

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Exemplo a ser seguido 

 

A Orgânicos Cooper é uma das fornecedoras da prefeitura de São Paulo. Com 140 agricultores orgânicos certificados, a cooperativa de Pindamonhangaba atende a diversas prefeituras do Estado e tem ampliado o volume e a variedade de itens oferecidos, como frutas, polpa de tomate e farinhas orgânicas. Para obter este resultado, a entidade investe na capacitação dos cooperados, e colabora para que eles passem pelo protocolo de transição agroecológica.

 

Outra estratégia é manufaturar os alimentos, de acordo com o presidente da organização, Marcos Soares: "A gente tem uma durabilidade maior do produto que se processa. As prefeituras compram muito produto processado e a nossa proposta é que elas comprem um produto processado de melhor valor nutricional agregado do sistema orgânico. E quando nós processamos a mandioca e fazemos a farinha, damos trabalho para as famílias da própria região, eles ganham plantando e ganham processando", explica. 

 

Segundo Marcos, as farinhas orgânicas saem do interior e são processadas na capital paulista: "Nós mandamos para indústrias pequenas, familiares também, que fazem macarrão, pão, bolo, biscoito. Ainda tem a polpa de tomate, hoje a gente tem em torno de 150 a 200 toneladas de polpa no estoque, uma prefeitura pede 90 toneladas, outra pede 40, vai abaixando o estoque e os agricultores vão plantando. Agora nós lançamos o molho de tomate com biomassa de banana verde, que enriquece ainda mais o produto". 

 

Os agricultores da cooperativa conseguem produzir um grande volume de frutas, que são servidas in natura ou em forma de suco nas escolas, Marcos dá um exemplo de um produtor de goiaba: "Tem agricultor que vende 25 mil reais de goiaba por semana para uma única prefeitura, às vezes ele entrega duas, três, quatro toneladas em uma semana e o lucro é muito maior do que quando ele vende a fruta individualmente, conclui o presidente da Cooperativa".

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Do campo para a merenda 

 

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Marcos explica como se dá o contato com as prefeituras do interior de São Paulo: "Eu converso com as nutricionistas, com secretários de educação, levo uma nutricionista, nós apresentamos a diversidade de produtos e ajudamos a compor o edital e a precificação, facilita pras nutricionistas e pra equipe financeira. Tem prefeituras com dificuldade nesse processo, às vezes compram produtos de outros estados e não entram no espírito do FNDE, que é fortalecer a regionalidade, primeiramente as cadeias familiares locais dos municípios, depois as imediatas, estaduais e por último as nacionais".

 

Giorgia Castilho explica qual é o modelo de gestão mais adequado para a aquisição de orgânicos: "É o modelo centralizado, onde a própria prefeitura compra os alimentos, abre as chamadas públicas, faz a compra e distribui para as escolas ou pode até comprar ponto a ponto, e o fornecedor vai entregar nas escolas, mas é a prefeitura que compra esses gêneros. Tem vários desenhos e soluções administrativas para essa compra ser feita de agricultores agroecológicos que estão alinhados com o MEC e com as recomendações do FNDE". 

 

Mas, segundo ela, há outros modelos que dificultam o cumprimento da lei: "É o caso das creches conveniadas. Em julho de 2023, foi colocada em prática uma instrução normativa, que amplia os gêneros alimentícios que as creches vão comprar, ela cita a lei dos orgânicos no seu embasamento legal, mas não traz nenhuma instrução sobre como vai ser feito, por exemplo, o monitoramento da compra dos agroecológicos. E sem a obrigatoriedade, muitas creches não têm comprado", lamenta Giorgia. 

 

A Comissão Gestora da Lei dos Orgânicos está procurando uma maneira de conscientizar essas empresas com exemplos como os de creches que economizaram ao comprar alimentos de produtores agroecológicos. Primeiro porque os alimentos estão mais próximos e depois porque podem ser usados de forma mais integral. Apesar de ser um grande desafio, o objetivo do grupo é expandir essa conscientização para todas as conveniadas do município, que representam quase a totalidade das creches.

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Centro educacional investe em orgânicos e reduz gastos com a merenda

 

Projeto Vitrine da Terra

Com o objetivo de aproximar os produtores rurais e as creches conveniadas, a prefeitura de São Paulo lançou o Portal da Agricultura Familiar: "A Vitrine da Terra", um espaço virtual de incentivo à produção e ao consumo de alimentos orgânicos nas escolas. O agricultor familiar cadastra os produtos produzidos por ele ou pelo seu coletivo e disponibiliza informações sobre o seu sítio ou organização, para que os compradores, como os gestores escolares, possam entrar em contato e adquirir seus produtos. 

 

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