Segundo o GFI, "A diversificação das fontes de proteína é uma estratégia fundamental para transformar os sistemas alimentares globais em direção a um modelo mais sustentável, saudável e resiliente"
Começa hoje em Baku, Azerbaijão, a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP29. O evento, que acontece até o dia 22 de novembro, reúne governantes e especialistas da área ambiental de todo o mundo.
No início de junho representantes de 190 países se reuniram em Bonn, na Alemanha, para a SB60, um evento preparatório para a COP29. Entre os brasileiros, estavam integrantes de organizações, como o Observatório do Clima, a Rede de Cooperação Amazônica, o Geledés Instituto da Mulher Negra e o Good Food Institute.
Para saber o que foi discutido no evento e quais são as expectativas para a Conferência, na área da alimentação, o Comida de Verdade entrevistou o presidente do GFI Brasil, Gustavo Guadagnini.
-Como foi a participação do GFI no SB 60?
G.G
"A participação do GFI Brasil na SB60, realizada em Bonn, Alemanha, foi focada em defender o financiamento para proteínas alternativas como uma estratégia crucial para a mitigação e adaptação climática. Nós participamos de debates sobre o impacto dos sistemas alimentares no clima e destacamos a necessidade de mais financiamento para que o Sul Global possa desenvolver suas próprias iniciativas nesse campo.
Também promovemos um evento paralelo em parceria com a Aliança para a Biodiversidade Internacional e CIAT, Proveg International, Coller Foundation, Humane Society International (HSI) e Changing Markets Foundation, que levou especialistas globais para discutir os desafios e oportunidades na transformação dos sistemas alimentares, com ênfase na diversificação de fontes de proteínas. Entre os palestrantes, Alexander Lotsch do Banco Mundial apresentou o relatório "Recipe for a Livable Planet", que delineia estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor agropecuário e na cadeia de suprimentos de carne. O estudo posicionou as proteínas alternativas como a segunda estratégia com maior potencial na redução de emissões, ficando atrás apenas do reflorestamento.
Além disso, realizamos uma coletiva de imprensa onde destacamos a necessidade urgente de direcionar recursos para o desenvolvimento de soluções alimentares sustentáveis, tanto em termos de financiamento para pesquisas de acesso aberto quanto na colaboração entre agências públicas e cooperativas de agricultores".
-O que a entidade espera encontrar na COP 29 em relação aos sistemas alimentares mundiais?
G.G
"A previsão para a COP29 gira em torno da definição de um novo objetivo global de financiamento climático para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar as mudanças climáticas. Esse objetivo vai substituir o compromisso anterior de US$100 bilhões anuais, que foi insuficiente e só foi parcialmente cumprido. Como parte desse debate, esperamos a consolidação de avanços obtidos nas conferências anteriores e da ampliação do debate sobre sistemas alimentares no contexto das mudanças climáticas.
Com base nos compromissos firmados na COP28, o GFI espera que a COP29 reforce a necessidade de integrar de forma mais robusta os sistemas alimentares nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) dos países, bem como o financiamento climático direcionado a implementação dessas políticas em nível nacional. O time de políticas públicas do GFI Brasil já vem trabalhando para integrar os sistemas alimentares nas NDCs dos países da região da América Latina e Caribe, dentre eles o Brasil, promovendo um alinhamento entre o setor agroalimentar e as metas climáticas destes países.
O GFI Brasil promove também a Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas (com versões em português e inglês) como uma arena virtual que congrega os diferentes stakeholders para a circulação ampla de informações sobre o setor nas diferentes realidades nacionais de cada país".
-Como a diversificação das fontes de proteína pode ampliar as oportunidades de transformação dos sistemas alimentares globais?
G.G
"A diversificação das fontes de proteína é uma estratégia fundamental para transformar os sistemas alimentares globais em direção a um modelo mais sustentável, saudável e resiliente. A adoção de proteínas de origem vegetal, cultivadas e obtidas por fermentação reduz a dependência de sistemas agropecuários intensivos em emissões de gases de efeito estufa e recursos naturais. Ela contribui para a diminuição do impacto ambiental da produção de alimentos, preservação da biodiversidade, uso eficiente de terras e água, e a redução do desmatamento. Além disso, a diversificação de proteínas abre novas oportunidades de inovação tecnológica, investimentos e desenvolvimento econômico, especialmente no Sul Global. Ao promover essas novas fontes de alimentos, criamos novas cadeias de valor que podem impulsionar economias locais, oferecer maior segurança alimentar e melhorar a saúde pública. Essas mudanças estruturais permitem que os sistemas alimentares globais se tornem mais inclusivos e resilientes às mudanças climáticas, facilitando a transição para um futuro alimentar mais justo e sustentável".
-O Good Food Institute Brasil defende também a necessidade de um 'financiamento climático' para garantir um futuro alimentar sustentável, como ele deve funcionar?
G.G
"Apesar dos sistemas alimentares contribuírem com 33% das emissões globais, eles ainda recebem apenas 3% do investimento climático, valor 22 vezes menor do que o recebido pelos setores de energia e transportes, por exemplo. O financiamento climático deve ser direcionado a promover soluções alimentares sustentáveis, com foco no desenvolvimento e escalonamento de proteínas alternativas. Esse tipo de financiamento é crucial para apoiar pesquisas de acesso aberto e inovação tecnológica, facilitando a criação de novos ingredientes e produtos com baixo impacto ambiental. O objetivo é que esse financiamento alcance especialmente os países do Sul Global, onde há uma necessidade urgente de recursos para desenvolver iniciativas próprias que alinhem segurança alimentar e sustentabilidade.
O modelo de financiamento climático ideal inclui apoio governamental e privado, com a destinação de fundos para iniciativas que promovam a diversificação das fontes de proteína, a implementação de políticas públicas inclusivas e a transição para cadeias de produção de alimentos menos intensivas em emissões de carbono. Além disso, deve incentivar a cooperação internacional e a construção de parcerias entre agricultores, empresas e instituições de pesquisa".
-O GFI Brasil criou o Programa Biomas, focado no desenvolvimento de ingredientes e produtos a partir da biodiversidade nacional, como ele funciona?
G.G
"O Programa Biomas é uma iniciativa coordenada pelo GFI Brasil, que financia pesquisas para o desenvolvimento de ingredientes, a partir de espécies nativas dos biomas Amazônia e Cerrado, para serem aplicados em produtos plant-based. Nesta segunda edição, foram financiados sete projetos que possuem potencial para gerar impacto socioeconômico nas comunidades locais e ajudar a resolver gargalos da indústria de alimentos à base de proteínas alternativas. Estes estudos se concentraram na investigação do potencial do babaçu, cupuaçu, e castanha-do-Brasil, baru e pequi. A aposta do GFI Brasil é a de que os resultados das pesquisas se transformem em oportunidades de negócio, através da valorização dos subprodutos das cadeias destas espécies nativas e do uso desse enorme potencial tecnológico como ingredientes em produtos vegetais.
O Programa Biomas incentiva parcerias entre pesquisadores, empresas e comunidades locais para fortalecer a cadeia de valor desses ingredientes, garantindo que o conhecimento e os recursos locais sejam respeitados e incorporados ao desenvolvimento dos produtos. Com essa abordagem, o GFI Brasil busca não apenas promover inovação no setor de alimentos plant-based, mas também valorizar a biodiversidade brasileira e fomentar a bioeconomia local. O programa contribui para a conservação ambiental, ao incentivar o uso sustentável dos recursos dos biomas, criando alternativas econômicas que podem reduzir a pressão sobre ecossistemas como a Amazônia e o Cerrado. O GFI Brasil acredita que iniciativas como o Programa Biomas podem posicionar o Brasil como um líder global em inovação no setor de proteínas alternativas, alavancando sua rica biodiversidade e potencial de desenvolvimento tecnológico".
-Quem trabalha na área ambiental já está de olho na COP 30, que vai acontecer no Brasil, em 2025. Quais as expectativas do GFI Brasil para o evento?
G.G
"Os olhos da comunidade internacional já se voltam para a COP30, que será um momento decisivo para o Brasil e para o Sul Global. A expectativa é alta, especialmente pelo papel central que o país desempenha nas questões climáticas globais. A simbologia da Amazônia, aliada ao protagonismo do Brasil nas negociações de políticas externas, eleva a relevância desse evento. Como anfitriões, teremos a oportunidade única de liderar as discussões sobre a preservação dos biomas nativos, das soluções baseadas na natureza e de uma produção agrícola mais sustentável, especialmente pelo papel da produção de commodities agrícolas, como a soja e a carne bovina. Além disso, a COP30 marcará a conclusão do processo de revisão das NDCs, o que faz da edição de 2025 um ponto de inflexão crucial nas negociações climáticas multilaterais. O time de políticas públicas do GFI Brasil já vem trabalhando para integrar os sistemas alimentares nas NDCs nacionais, promovendo um alinhamento entre o setor agroalimentar e as metas climáticas do país. Como um líder entre as nações em desenvolvimento, nossa expectativa é de que o Brasil possa influenciar outros países a se comprometerem com metas mais ambiciosas de redução de emissões e adaptação climática, especialmente no que diz respeito ao setor agropecuário, que é fundamental para as economias dessas nações".
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