Ultimamente tenho atendido muitos casos de briga entre cães de uma mesma casa. Pode ser pela volta ao trabalho presencial? Com certeza. Há alguns tipos diferentes de brigas, mas um acaba predominando: o chamado ciúmes.
Briga por recurso
O mais comum é que a briga aconteça por disputa por recurso. Pode ser um brinquedo ou mesmo pelo carinho do tutor. Isso não tem nenhuma relação com ciúmes. Essa é uma interpretação humanizada. Na visão do cachorro, quando há pouca disponibilidade de algo importante, ele deve disputar para que não falte aquilo para ele.
Por isso, a primeira e mais importante dica é manter o ambiente estável e com rotina. Se você der apenas um brinquedo por semana e deixá-lo lá, largado, quando chegar o próximo novo brinquedo, poderá gerar briga.
O ideal é manter uma rotina de oferecer todo dia um brinquedo diferente. Pode ser um mordedor, uma corda, uma pelúcia, uma garrafa pet, uma cenoura. Mas lembrando que deve ser oferecido no número de cães. Se você tem três cães, você deve oferecer três brinquedos iguais.
À medida que eles entenderem que todos os dias chegará algo novo e que não há necessidade de "guardar" aquele recurso, as brigas diminuem.
A grande questão é quando o recurso mais importante para aquele cachorro é o próprio tutor. Qualquer carinho pode se tornar um gatilho para briga. Às vezes uma simples aproximação do outro cão ao tutor já pode iniciar rosnados e mordidas.
Nesse caso, o problema é o valor que há no tutor. Aquela pessoa é imprescindível e fundamental na vida daquele cão. Por isso que as brigas podem ter aumentado no retorno ao trabalho. Aquela pessoa que antes estava o tempo todo em casa, agora só fica um pouco. O cão quer aproveitar cada minuto daquela companhia. Pode até se sentir triste ou ansioso na ausência da pessoa e querer compensar na sua presença.
Assim, o que deve ser trabalhado não é a briga em si, mas a dependência extrema da presença do tutor. Exercícios de autoconfiança e de permanência longe do tutor, associando a algo positivo, devem ser inseridos na rotina.
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Briga por dominância
Há um mito muito grande de que os machos brigam por quererem ser o líder da matilha ou dominar o outro. Diversos estudos já mostraram que não há hierarquia em cães. Cada um tem sua função no grupo, o que pode variar a depender da situação.
O que acontece é a falta ou a má socialização de alguns cães. Alguns cães, que não foram socializados adequadamente, não se sentem seguros com outros cães próximos. Por isso, desejam que aquele cão suma. A melhor defesa é o ataque.
Outro motivo que pode levar à brigas por falta de socialização é má compreensão da linguagem ou comunicação canina. Tem todos os cães sabem falar "cachorrês" fluentemente. Alguns acabam sendo muito afoitos. Outros passam mensagens erradas. Há ainda aqueles que não entendem absolutamente nada do que o outro cão está comunicando. É nessa hora que as brigas podem acontecer.
Em uma das casas que eu estou atendendo, há quatro cães. A mais velha está atacando a mais nova. Muitos olhares desavisados podem achar que a mais velha está querendo impor sua dominância a mais nova. Nada disso!
Quando colocamos um idoso para cuidar de um bebê, os níveis de energia e tolerância são muito diferentes. O idoso cansará muito mais rápido e precisará de uma pausa. Mas e quando o tutor não compreende isso e o cão idoso não tem chances de ir para o cantinho dele descansar? Briga!
A mais velha está pedindo pelo amor de Deus para as mais novas se acalmarem, porque ela está se sentindo desconfortável com aquela bagunça. Como ela não é "ouvida", a única forma de conseguir resolver a situação é mordendo. Não tem nada a ver com disputa de território ou hierarquia.
Porém, quando há dois machos não castrados na presença de uma fêmea no cio, aí sim podemos ter uma briga por disputa da fêmea. Mas essa é a briga mais fácil de resolver. Basta castrar os machos ou separar a fêmea que está no cio.
Briga pode ser aprendida
É mais comum que a briga aconteça em casas, cujos tutores, usem algum tipo de punição para educar. Seja bater, gritar, borrifar água ou sacodir latinha com moeda. Quando o cão aprende que a coerção é uma forma de educação e comunicação, ele irá usar a mesma lógica para dar limites. Se ele quer algo, mas o outro pegou, ele avança para pegar. Se ele está cansado e não quer brincar, pode avançar para dar esse basta. Se ele não quer que o outro se aproxime do tutor, ele morde.
A mordida é o último nível de comunicação mais intensa. Antes disso, há outras formas do cão se comunicar. Mas se elas não são ouvidas ou atendidas, o cão vai "gritar" cada vez mais alto.
Qual a chave para evitar as brigas?
Comece desenhando uma rotina rígida, com horários para refeições, passeios, brinquedos, mordedores e treinos. Observe como cada cão se comunica e veja se há necessidade de aulas de socialização. Se um cão for mais agitado que o outro, propicie momentos com eles separados. Ao estarem juntos, facilite situações mais calmas, de relaxamento, como os tapete de lamber. Nada de bronca, gritos e afins!
Agora, se a briga já está em um nível que eles não podem mais se ver. Nada disso irá resolver. É preciso buscar um profissional do comportamento canino para ajudar. A prioridade sempre será o bem-estar dos cães. Não espere as brigas se agravarem para buscar ajuda.
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