Antes de contar sobre a pessoa Karen Pryor, vamos falar sobre a profissional. Enquanto muitos adestradores usavam de punição para treinar cães (ainda muitos usam, infelizmente), ela já falava sobre a importância da comunicação positiva, de focar no comportamento desejado, recompensá-lo e ignorar o indesejado.
Apesar de uma vida dedicada ao adestramento de cães, com diversos livros publicados, sua carreira decolou com os aprendizados que ela teve em um aquário no Havaí, treinando golfinhos.
Ah, mas por que eu vou contar a história dela? Vou deixar que ela mesma conte. Coloco aqui uma das cartas que recebi dela, contando sobre sua jornada.
"Aprendi sobre treinamento com um sinal de marcador treinando golfinhos em um dos primeiros oceanários do mundo -- o Sea Life Park no Havaí. Era 1963. O treinamento de golfinhos ainda não tinha sido inventado. Fui contratada para desenvolver os shows no Sea Life Park porque eu tinha treinado (por métodos tradicionais) um cavalo e um cachorro. Recebi um manuscrito digitado de 20 páginas, escrito por um aluno de pós-graduação em psicologia, sobre a nova ciência baseada em laboratório do condicionamento operante. Disseram-me que qualquer pessoa presumivelmente inteligente poderia usar isso para treinar golfinhos! Eu li. Fiquei viciada. Eu tinha que experimentar esse novo sistema maravilhoso. Eu tinha três meses para desenvolver dois shows separados de golfinhos, um ao ar livre e o outro sob um teto, antes que o parque abrisse para o público. Eu tinha 3 assistentes e 13 golfinhos de 3 espécies diferentes. Com o documento em uma mão, um balde de peixes na outra e um apito nos dentes para o sinal do marcador, comecei"
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Método do Treinamento com Clicker
E assim, começa o legado do clicker training, desenvolvido por Karen Pryor, no qual é feita uma marcação sonora do comportamento desejado e imediatamente oferecida a recompensa. Ela viajou o mundo dando aula, escreveu livros bíblias do adestramento e treinamentos de animais e criou uma Academia de cursos baseados em seus métodos, para treinadores do mundo todo. Sendo eu uma de suas infindáveis alunas.
Ao longo dos anos, muitas fichas caíram, terminologias mudaram e a ciência evoluiu. Karen não ficou para trás em nenhum momento. Reeditou seus livros, se atualizou, modificou seus cursos para se adequar a tudo de mais moderno ao que tange o treinamento animal.
Quando eu falo animal, não exclui humanos, não. Muito pelo contrário. Karen Pryor recebeu o Prêmio Ig Nobel na Universidade de Harvard por utilizar uma técnica simples de treinamento animal -- chamada de "treinamento com clicker" -- para ajudar novos médicos a adquirir habilidades cirúrgicas básicas. (Essa pesquisa está documentada no estudo "Is Teaching Simple Surgical Skills Using an Operant Learning Program More Effective Than Teaching by Demonstration"). A fofoca é que alguns cirurgiões mais velhos ficaram indignados ao saber que estudantes de medicina podem ser ensinados através dos mesmos métodos usados para treinar cães.
Veja este vídeo a partir do 42:30 com uma apresentação da Karen neste prêmio de 2019.
Ah, se eles tivessem a mesma humildade da Karen... Talvez humildade seja pouco para adjetivar Karen. Então, transcrevo aqui o que ela escreveu em uma carta, sobre seu processo de aprendizado.
"Os golfinhos me ensinaram. Uma das primeiras coisas que me ensinaram foi a CALAR A BOCA!
Não havia problema em falar, cantar para eles e acariciá-los quando estávamos apenas relaxando juntos. Mas falar com eles durante o treinamento, torcendo e encorajando-os, por exemplo, não adiantou nada. Eles não entenderam e se você fizesse muito disso, eles simplesmente nadavam para longe.
Os golfinhos entenderam o apito: 'faça-a assobiar, e ela entrega um peixe: boa pessoa'. Eles me ensinaram a assobiar exatamente o comportamento que eu queria reforçar. Se eu assobiasse no auge do salto, eu conseguia saltos altos consistentemente. Se eu assobiasse além daquele pico, enquanto o animal estava descendo em direção à água, eu tinha aquele comportamento (voltando para a água), e os saltos ficavam cada vez mais baixos. Para tornar os comportamentos precisos, eu precisava ser precisa.
Aprendi a jogar o petisco - o peixe - exatamente onde precisava ir, para que chegasse à boca do golfinho que eu queria reforçar. Se eu jogasse descuidadamente, algum outro golfinho poderia pegar o peixe primeiro. O golfinho que ganhou o peixe acabou tentando mais para ganhá-lo novamente, mas o golfinho que roubou o peixe ficou cada vez melhor em ser preguiçoso e ladrão. Aprendi a mirar bem!
Aprendi a pensar sobre o que estava fazendo. Se eu habitualmente alcançasse o balde de peixes antes de assobiar, os golfinhos começavam a oferecer comportamento para me fazer enfiar a mão no balde de peixes, sem ouvir o apito. Se eu me mexesse, me curvasse e mexesse no meu cabelo enquanto treinava, se eu olhasse ao redor e parasse e começasse de forma imprevisível, meus animais perdiam o interesse e nadavam para longe.
Aprendi a ficar parada e focada durante o treinamento.
É exatamente o mesmo com os cães. Eles nos observam; eles ouvem. Se o clique for tardio, eles aprendem o comportamento errado. Se o treinador se move, ou desvia o olhar, ou diz mutas palavras enquanto dá um sinal, o cão não sabe qual parte dessa informação conta. Ou ele faz a coisa errada, ou parece confuso e não faz nada" escreveu.
Sinto que precisava de muitas outras cartas para entender tudo o que se passava na sua mente inquieta. Mas no auge dos seus 92 anos, até uma mente brilhante como ela precisava descansar. Nesses mais de 40 anos dedicados ao treino de animais e pessoas, Karen criou discípulos, inspirou profissionais e espalhou a palavra do bem-estar.
Hoje, minha professora da Karen Pryor Academy é Terry Ryan, desenvolvedora no Chicken Camp, que rolou o mundo, vindo ao Brasil por alguns anos. Também já tive o privilégio de ter aula com a Emma Parson, também aluna e amiga da Karen, que usou a técnica do clicker para trabalhar reatividade e agressividade em cães com o "click to calm".
Se você quer aprender com Karen Pryor, leia seus livros e artigos. São a base para qualquer adestrador e tutor engajado. Indico iniciar pelo "Don't shoot the dog", traduzido como "Não o mate: a nova arte de ensinar e treinar".
Como uma forma de honrar o legado de Karen Pryor, que tal parar o que está fazendo e ir treinar seu pet? É uma ótima forma de observá-lo, compreendê-lo, buscar formas efetivas de comunicação, ensinar, aprender e se divertir!
Viva, Karen Pryor!
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