A influência do bullying nos procedimentos estéticos em crianças e adolescentes

Alteração na percepção da imagem pode incentivar jovens a buscarem cirurgias plásticas

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As queixas sobre aspectos não aceitos do próprio corpo se tornam muito evidentes durante a puberdade. Foto: Unsplash/@kj2018

"Eu fiz a cirurgia com sete anos, sofria muito bullying no colégio. Meus pais não eram a favor de realizar a cirurgia, tanto por eu ser nova, quanto pela questão financeira. Minha mãe só ficou convencida do meu trauma quando ela ofereceu uma viagem à Disney e eu disse que se podia pagar uma viagem, então podia pagar minha cirurgia". O relato de Ana Júlia Quirino, de 31 anos, é mais comum do que as pessoas podem imaginar. A jovem de Porto Alegre realizou a otoplastia, cirurgia para correção da orelha de abano, e viu sua vida mudar, principalmente em relação à autoestima.

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Assim como ela, muitas outras crianças e adolescentes recorrem a procedimentos estéticos para alterar a aparência, sendo que grande parte dos casos são motivados por situações de constrangimento. "O bullying tem enorme influência na percepção do próprio corpo, já que a imagem corporal vai se desenvolvendo como fruto da relação do indivíduo consigo mesmo e com os outros. O feedback que recebe do ambiente pode reforçar positiva ou negativamente o autoconceito e a sensação de serem ou não aceitos socialmente", explica a neuropsicóloga Edyleine Benczik, especialista em psicologia escolar e do desenvolvimento humano.

Adriana Pinar também viu a necessidade de realizar a otoplastia ainda jovem. Por volta dos 10 ou 11 anos, passou a ser vítima de comentários desagradáveis por amigos do prédio em que morava. Até então, as orelhas passavam despercebidas por ela e sua família, que nunca tinham visto qualquer anormalidade. Quando percebeu que isso estava atrapalhando seu desenvolvimento e trazendo experiências negativas, decidiu mudar. "Falei para minha mãe que queria mexer na orelha quando estava para fazer 14 anos", recorda. Hoje em dia, considera a operação um marco em sua vida: "Foi uma libertação, me senti muito mais leve e bonita, desabrochei".

Aos 27 anos, decidiu refazer a cirurgia, dessa vez por vontade pessoal. "Com o passar dos anos, uma das orelhas ficou um pouquinho aberta. Ela não me impedia em nada de prender o cabelo, mas dependendo do ângulo, ela ficava aparecendo e isso me incomodava", explica. O procedimento foi refeito com outro cirurgião, utilizando uma técnica atual, mas que trouxe a mesma satisfação 13 anos depois. "Para mim, o nível para saber se a pessoa precisa ou não fazer a cirurgia plástica é: isso está atrapalhando sua vida? Você está deixando de fazer alguma coisa?", pondera.

A alteração na percepção da imagem corporal pode se tornar uma patologia a partir do momento em que ela começa a afetar a vida social e a saúde da pessoa. Foto: Unsplash/@szvmanski

Distorção da imagem corporal

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Segundo a neuropsicóloga Edyleine, "a alteração na percepção da imagem corporal pode se tornar uma patologia a partir do momento em que ela começa a afetar a vida social e a saúde da pessoa, evidenciando que o 'padrão mental' do jovem está em dissonância com a realidade, ou seja, a distorção da imagem corporal é vivenciada como uma experiência sentida como real e verdadeira". Dessa forma, ela ressalta a importância dos pais ajudarem no processo de construção da autoestima, validando a individualidade dos filhos e orientando sobre as diferenças.

As queixas sobre aspectos não aceitos do próprio corpo se tornam muito evidentes durante a puberdade, período da vida em que a mudança física chama atenção e pode causar estranhamentos por parte dos adolescentes.

Ana Júlia Calvo, estudante de São Paulo, fez a redução de mama e rinoplastia aos 17 anos, quase no final da adolescência. Ela explica que o cirurgião alertou sobre o resultado do procedimento: "Pela minha idade, ainda poderia ter mudanças no meu corpo, e como a minha ideia era reduzir os seios, ele me informou que havia uma grande probabilidade de crescer um pouco de novo".

O cirurgião plástico Bruno Guimarães, da Clínica DrummonDermato, reforça que cada parte do corpo tem um período de desenvolvimento diferente, por isso é necessário passar por avaliação médica e certificar de que a cirurgia pode ser realizada. "Se fizermos o procedimento em fase de crescimento, podemos atrapalhar o desenvolvimento e ter alterações no resultado, por isso é importante esperar o desenvolvimento completo", acrescenta. O indicado é aguardar até os sete anos para realizar a otoplastia, por exemplo, e três anos após a primeira menstruação para implante mamário.

Se Ana Júlia optou pela redução, o sonho da estudante Pietra Daher era colocar prótese mamária. "Não usava blusa aberta ou regata, na praia não ficava de biquíni, então era uma coisa que me fazia muito mal", enfatiza. Foram várias conversas com o cirurgião sobre tamanhos de prótese e até mesmo amamentação antes de ir, de fato, à sala de cirurgia. "Eu confiava muito nele e isso foi essencial. Hoje sou outra pessoa, minha autoestima melhorou demais", comemora.

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Mudar para si próprio ou para agradar o outro?

Antes de recorrer a um procedimento estético, Edyleine aconselha que pais e filhos passem em consulta com um psicólogo, que poderá analisar o objetivo real da intervenção, a capacidade da criança ou adolescente em tolerar frustrações, o nível de exigência, os fatores emocionais, entre muitos outros diagnósticos essenciais.

"A criança e o adolescente deverão estar conscientes para lidar com falsas expectativas e ideais, como por exemplo, a fantasia de que serão mais amados ou mais aceitos socialmente. A mudança externa após a cirurgia não garante a perfeição e nem a mudança internamente como as suas crenças, valores e referências", reflete a neuropsicóloga. Por isso, é necessário ter clara a importância e o significado da cirurgia para si mesmo, sabendo que não terá o mesmo sentido e significado para mais ninguém.

* Estagiária sob supervisão de Gabriela Marçal.

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