‘Avós no rolê': Elas querem curtir os netos e não cuidar deles direto

Filhos se frustram porque precisam de ajuda, mas suas mães querem viajar e ter uma vida social agitada; confira vídeo em que psicanalista discute como a questão aparece no consultório

Foto do author Paula Bonelli

Dizem que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. O ditado africano faz refletir sobre como é necessária energia para a tarefa de criar os pequenos. Nas cidades urbanas atuais, porém, a missão recai, muitas vezes, sobre as avós, especialmente quando os pais estão trabalhando e a criança está doente, sem poder ir à escola, por exemplo. Quando os filhos querem sair, também pedem para as avós ficarem com as crianças.

A avó Maria de Lourdes Coselli de Escobar, em Alberobello, na Itália Foto: Fernanda Guedes/Divulgação

Mas as avós de hoje já não são as avós de antigamente. Elas não aceitam dedicar grande parte do seu tempo livre para cuidar dos netos e ficar sempre com eles. Amam as crianças, querem conviver com elas, mas não acham que seu papel deva ser o de cuidadoras frequentes. Há filhos que se frustram e reclamam da individualidade da mãe, lembrando que passaram bastante tempo com suas avós na infância para que os pais pudessem trabalhar ou passear.

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Nascida em Bauru, no interior de São Paulo, Maria de Lourdes Coselli de Escobar, de 63 anos, se mudou para a capital paulista para trabalhar logo depois de se formar em nutrição, há 41 anos. Ela tem dois netos e tenta viajar todo ano com as amigas para passear. Dude, como é chamada pelos mais próximos, conversou com o Estadão diretamente da Itália, onde visitou Gênova, Roma, Nápoles e ainda pegou um navio para a França.

“Na época em que fui mãe, não havia tantas escolas de período integral e a maioria das avós não tinha uma carreira profissional; eram donas de casa e estavam mais disponíveis para cuidar dos netos. No meu caso, como minha mãe já estava aposentada e morava comigo, meus filhos foram cuidados pela avó para que eu pudesse me dedicar à minha carreira”, diz.

“Quando meus netos nasceram, eu não estava disponível como minha mãe; assim, meu filho e as mães de meus netos adequaram suas vidas profissionais para a chegada das crianças”, explica. “Sempre procuro estar disponível, mas quando tenho algum compromisso que considero importante para mim, consigo dizer que não posso e eles entendem. Sempre conversamos e nos resolvemos.”

Já a jornalista Ivani Cardoso é avó de duas crianças que moram em São Paulo com o filho e a nora. Às vezes, os netos ficam com ela em Santos, no litoral. Ivani também já subiu a serra para dar uma força para a família. “Nem sempre o filho tem dinheiro para pagar uma babá. Quando meu filho pede, eu procuro atender dentro do possível. Agora, eu acho assim: você não pode deixar a sua vida de lado para ser avó 24 horas porque não é mais a sua obrigação, você já criou seus filhos. A obrigação é deles agora”.

Avó é mais receosa do que os pais

Ela aponta ainda outra dificuldade prática do dia a dia: “A minha neta diz que sou muito preocupada, e sou mesmo. Uma coisa é quando você é mãe, jovem, cheia de energia; você entende que sua filha tem que correr algum risco. Quando é avó, você já fica tensa, não quer que ela se machuque quando está com você. Além disso, é desgastante sentar no chão para brincar com o neto aos 70 anos. Não é fácil. Causa dor nas costas, o joelho dói. Tem a questão física que precisa ser levada em consideração”.

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Ivani não pensa em parar de trabalhar; considera isso essencial para sua vida. No momento, se dedica a escrever uma biografia, além de ter uma coluna em um jornal digital, entre outras atividades. Para ela, quando o pedido para cuidar dos netos não chega de surpresa, é melhor: “Quando é planejado antes, não em cima da hora, é mais fácil, muito mais fácil, porque você já sabe que não vai dar para trabalhar naquele dia e consegue adiantar o serviço, e assim consegue estar integralmente com as crianças. Já houve vezes em que tive que levar o computador para trabalhar na brecha, quando elas estavam dormindo. É mais cansativo”.

Por sua vez, Martha Romero mora no Leblon, no Rio de Janeiro. A analista de sistemas aposentada costuma sair com as amigas durante a semana e também nos finais de semana. Além disso, faz pilates, pinta aquarelas, frequenta aulas de cerâmica e estuda italiano. Ela tenta ver a neta Helena toda semana, mas nem sempre consegue dar assistência para a filha: “Às vezes, eu digo que não vou poder: ‘Olha, eu tô indo para o teatro’”.

A avó Martha Romero na mureta da Urca no Rio de Janeiro Foto: Acervo Pessoal

“Eu agora quero aproveitar, porque gosto de viajar, gosto de sair; então, acho que estou no meu momento de viver a vida. Daqui a pouco, pode ser que eu já não consiga fazer várias coisas”, conclui.

No divã

A psicanalista Maristela Carvalho, que tem experiência atendendo avós, reflete: “Quando a pessoa se torna idosa, ela vai perdendo as atividades que tinha e que completavam o seu dia. Passa a ter um pouco mais de tempo livre. Acaba assumindo a função de cuidar dos netos e deixa de lado a possibilidade de aproveitar essa nova fase”.

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“Por um lado, ela pensa que tem bastante tempo e pode ajudar a família, porém, já foi mãe e exerceu o papel de cuidar, educar e formar. A parte de avó deveria ser mais voltada para poder curtir, passear e não ter a responsabilidade de ensinar o neto sobre as coisas do cotidiano”, completa ela, que é formada em Psicologia pela Université Lumière Lyon II, na França.

“Seria importante passar algum tempo com a criança e, em outros momentos, dedicar-se às novas atividades e aos prazeres que se adquirem aos poucos neste momento da vida”, resume.

Na opinião da psicanalista, os avôs precisam aprender a pôr limites quando a própria rotina é muito alterada pela demanda da família. Ao mesmo tempo, pondera, “os idosos também estão se descobrindo nesse lugar; não sabem direito do que gostam; qual é o novo interesse e com quem vão se relacionar... Fica esse hiato e, por conveniência da situação, não por maldade, os filhos pedem ajuda, mas acaba dando errado.”

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Confira abaixo o vídeo com a especialista, formada também pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo:

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