Dizem que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. O ditado africano faz refletir sobre como é necessária energia para a tarefa de criar os pequenos. Nas cidades urbanas atuais, porém, a missão recai, muitas vezes, sobre as avós, especialmente quando os pais estão trabalhando e a criança está doente, sem poder ir à escola, por exemplo. Quando os filhos querem sair, também pedem para as avós ficarem com as crianças.
Mas as avós de hoje já não são as avós de antigamente. Elas não aceitam dedicar grande parte do seu tempo livre para cuidar dos netos e ficar sempre com eles. Amam as crianças, querem conviver com elas, mas não acham que seu papel deva ser o de cuidadoras frequentes. Há filhos que se frustram e reclamam da individualidade da mãe, lembrando que passaram bastante tempo com suas avós na infância para que os pais pudessem trabalhar ou passear.
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Nascida em Bauru, no interior de São Paulo, Maria de Lourdes Coselli de Escobar, de 63 anos, se mudou para a capital paulista para trabalhar logo depois de se formar em nutrição, há 41 anos. Ela tem dois netos e tenta viajar todo ano com as amigas para passear. Dude, como é chamada pelos mais próximos, conversou com o Estadão diretamente da Itália, onde visitou Gênova, Roma, Nápoles e ainda pegou um navio para a França.
“Na época em que fui mãe, não havia tantas escolas de período integral e a maioria das avós não tinha uma carreira profissional; eram donas de casa e estavam mais disponíveis para cuidar dos netos. No meu caso, como minha mãe já estava aposentada e morava comigo, meus filhos foram cuidados pela avó para que eu pudesse me dedicar à minha carreira”, diz.
“Quando meus netos nasceram, eu não estava disponível como minha mãe; assim, meu filho e as mães de meus netos adequaram suas vidas profissionais para a chegada das crianças”, explica. “Sempre procuro estar disponível, mas quando tenho algum compromisso que considero importante para mim, consigo dizer que não posso e eles entendem. Sempre conversamos e nos resolvemos.”
Já a jornalista Ivani Cardoso é avó de duas crianças que moram em São Paulo com o filho e a nora. Às vezes, os netos ficam com ela em Santos, no litoral. Ivani também já subiu a serra para dar uma força para a família. “Nem sempre o filho tem dinheiro para pagar uma babá. Quando meu filho pede, eu procuro atender dentro do possível. Agora, eu acho assim: você não pode deixar a sua vida de lado para ser avó 24 horas porque não é mais a sua obrigação, você já criou seus filhos. A obrigação é deles agora”.
Avó é mais receosa do que os pais
Ela aponta ainda outra dificuldade prática do dia a dia: “A minha neta diz que sou muito preocupada, e sou mesmo. Uma coisa é quando você é mãe, jovem, cheia de energia; você entende que sua filha tem que correr algum risco. Quando é avó, você já fica tensa, não quer que ela se machuque quando está com você. Além disso, é desgastante sentar no chão para brincar com o neto aos 70 anos. Não é fácil. Causa dor nas costas, o joelho dói. Tem a questão física que precisa ser levada em consideração”.
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Ivani não pensa em parar de trabalhar; considera isso essencial para sua vida. No momento, se dedica a escrever uma biografia, além de ter uma coluna em um jornal digital, entre outras atividades. Para ela, quando o pedido para cuidar dos netos não chega de surpresa, é melhor: “Quando é planejado antes, não em cima da hora, é mais fácil, muito mais fácil, porque você já sabe que não vai dar para trabalhar naquele dia e consegue adiantar o serviço, e assim consegue estar integralmente com as crianças. Já houve vezes em que tive que levar o computador para trabalhar na brecha, quando elas estavam dormindo. É mais cansativo”.
Por sua vez, Martha Romero mora no Leblon, no Rio de Janeiro. A analista de sistemas aposentada costuma sair com as amigas durante a semana e também nos finais de semana. Além disso, faz pilates, pinta aquarelas, frequenta aulas de cerâmica e estuda italiano. Ela tenta ver a neta Helena toda semana, mas nem sempre consegue dar assistência para a filha: “Às vezes, eu digo que não vou poder: ‘Olha, eu tô indo para o teatro’”.
“Eu agora quero aproveitar, porque gosto de viajar, gosto de sair; então, acho que estou no meu momento de viver a vida. Daqui a pouco, pode ser que eu já não consiga fazer várias coisas”, conclui.
No divã
A psicanalista Maristela Carvalho, que tem experiência atendendo avós, reflete: “Quando a pessoa se torna idosa, ela vai perdendo as atividades que tinha e que completavam o seu dia. Passa a ter um pouco mais de tempo livre. Acaba assumindo a função de cuidar dos netos e deixa de lado a possibilidade de aproveitar essa nova fase”.
“Por um lado, ela pensa que tem bastante tempo e pode ajudar a família, porém, já foi mãe e exerceu o papel de cuidar, educar e formar. A parte de avó deveria ser mais voltada para poder curtir, passear e não ter a responsabilidade de ensinar o neto sobre as coisas do cotidiano”, completa ela, que é formada em Psicologia pela Université Lumière Lyon II, na França.
“Seria importante passar algum tempo com a criança e, em outros momentos, dedicar-se às novas atividades e aos prazeres que se adquirem aos poucos neste momento da vida”, resume.
Na opinião da psicanalista, os avôs precisam aprender a pôr limites quando a própria rotina é muito alterada pela demanda da família. Ao mesmo tempo, pondera, “os idosos também estão se descobrindo nesse lugar; não sabem direito do que gostam; qual é o novo interesse e com quem vão se relacionar... Fica esse hiato e, por conveniência da situação, não por maldade, os filhos pedem ajuda, mas acaba dando errado.”
Confira abaixo o vídeo com a especialista, formada também pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo:
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