Está circulando pelo Facebook um texto de uma mãe que explica por que permite que seu filho faça sexo em casa. Nesta mesma semana, um vídeo de uma mãe que ensina as filhas adolescentes a se masturbarem está dividindo opiniões na internet. Esse tipo de publicação causa espanto, discordâncias, polêmicas.
Entre elogios e críticas, fato é que causa repercussão, justamente por discutir um assunto um pouco delicado: como os pais devem lidar com a vida sexual de seus filhos?
Lá na infância, surge aquele velho tabu de como explicar às crianças como nascem os bebês. Os anos passam e muitos pais acreditam que a internet, a televisão, as séries, filmes, músicas, festas, enfim, a vida vão se encarregar de ensinar o bê-a-bá do sexo. A quantidade de informação, porém, não é garantia de informação de qualidade e, ao excluir a sexualidade da educação, pode-se causar muitos problemas para os jovens.
Um desses problemas é o sexo não seguro. Na última quinta-feira, 20, um relatório apontou que o número de infecções por aids no Brasil aumentou 3% entre 2010 e 2016, segundo dados divulgados pela UNAids, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU). A taxa contraria a tendência mundial, já que, no mundo, a contração da doença sofreu uma queda de 11%.
O Brasil, vale lembrar, tem os piores índices de educação sexual na América Latina, segundo a Federação Internacional de Planejamento Familiar, e um dos motivos é o conservadorismo religioso que é contra esse tipo de ensino nas escolas. O mesmo conservadorismo também faz com que muitos pais também evitem falar sobre o assunto em casa.
Mas engana-se quem pensa que falar sobre o assunto incita o sexo precoce. Na verdade, relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a educação sexual de qualidade garante sexo mais seguro, mais consciente e mais tardio. Além disso, a informação ainda evita casos de violência sexual.
"Na verdade, quanto menos informação, mais precocemente se inicia a vida sexual. Uma educação sexual bem orientada, respeitando o desenvolvimento psicossexual típico de cada faixa etária, é uma das formas mais eficazes para diminuir a vulnerabilidade dos adolescentes perante práticas sexuais abusivas e não seguras no que se refere ao uso de contraceptivos", explica a pedagoga, escritora e mestre em educação sexual Caroline Arcari.
E quando e como deve-se iniciar essa educação sexual? Especialistas indicam que gradualmente, desde a infância. "Os filhos e filhas farão perguntas sobre sexualidade muito antes da adolescência: querem saber por que existem diferenças entre os genitais, querem saber o nome deles, de onde vêm os bebês, como eles nascem, por que o corpo das crianças é diferente do corpo dos adultos, por que namorados beijam na boca. Se a família progressivamente fornece as respostas para as crianças, de acordo com seu nível de maturidade e compreensão, será muito mais simples conversar sobre sexo quando eles estiverem na adolescência", explica Caroline.
Janaína Siqueira é mãe de Maria Clara (nome fictício), de 17 anos, e conta que sempre tratou o assunto com naturalidade com a filha no que diz respeito ao sexo. "Eu sempre optei por não inventar aquelas histórias sobre como os bebês nascem, ou criar tabus na cabeça dela sobre o sexo, como, por exemplo, falar que ela era 'muito nova para saber sobre isso'. Ela pergunta, eu respondo, sempre foi assim, na naturalidade. Aí chegou na pré-adolescência, menstruação, e aí fiz mais questão ainda de sanar todas as dúvidas dela", relembra a mãe.
"O ideal é que se faça isso antes da adolescência, no momento em que as crianças ainda começam a fazer perguntas. Os pais devem sempre responder aquilo que ela perguntar, tratando sempre o sexo e a sexualidade como algo natural, que auxilia na manutenção da saúde global", diz a psicóloga e sexóloga Priscila Junqueira.
A mãe de Maria Clara defende que, quanto mais o filho sabe, mais seguro ele está. "Desde o início da pré-adolescência, quando minha filha se consultou com uma ginecologista pela primeira vez, ela começou a me perguntar mais. Dúvidas sobre o corpo dela, sobre gravidez, sobre doenças. Durante nossas conversas, sempre rolou muita informação sobre contracepção, eu sempre tentei mostrar todas as opções para ela, como isso era importante. Como ela sempre teve esse tipo de conversa, foi mais fácil ao longo dos anos: ela me contou das experiências sexuais dela, sempre tirou dúvidas, falou dos medos. Se você dá abertura desde o começo, vai ver que seu filho vai estar mais consciente, mais protegido, e você vai se tornar mais companheiro", comenta.
Em seu post do Facebook, originalmente publicado em um site, a mãe e empreendedora social, doutora Honoris Causa em educação e ativista pelos direitos humanos Sabrina Bittencourt explica que, além de informação e muito diálogo, dá liberdade para que seu filho adolescente leve a namorada e faça sexo em casa, justificando que quer ajudar o filho a criar intimidade e laços com sua parceira, e que ambos possam se conhecer melhor em "um ambiente acolhedor". A medida pode parecer muita ousada para alguns pais, e nem é indicada para todas as famílias, mas pode ter alguns benefícios.
"É importante dar essa liberdade aos filhos mas é preciso que ela seja conversada e combinada, assim como toda e qualquer relação entre pais e filhos. Mas, pelo que percebo no consultório, os pais que deixam seus filhos namorarem dentro de casa, não necessariamente tendo relações sexuais, possuem mais cumplicidade com seus filhos, pois eles sabem que podem contar com o apoio paterno e materno. Isso não significa que os pais são 'amigos', não é isso, mas essa relação estreita o companheirismo e deixa claro que os pais estão ali para ampará-los, aconteça o que acontecer. Também é bom deixar claro que os filhos que possuem essa relação, serão adultos com uma saúde mental saudável, mais seguros de si e com autoestima melhores, pois tiveram uma base que trata o sexo como saúde e com muita naturalidade", opina Priscila.
Seja dando todos os tipos de 'liberdade' ou não, o importante é a informação. Por isso, as especialistas indicam que os próprios pais devem ler sobre as melhores maneiras de falar sobre o assunto, se informarem cada vez mais, para não ficarem só no âmbito de experiências pessoais e não se sentirem desconfortáveis com o assunto. "Para falar com os filhos sobre sexo especificamente, é necessário que a família tenha uma relação de diálogo com essa criança ou adolescente, de modo que os assuntos diversos sejam sempre tratados com muita honestidade, verdade, tranquilidade e reflexão", completa Caroline.
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