Foi na noite de cinco de abril de 2004 que nasceu Paulinho Duque, na pequena cidade de Ariquemes, em Rondônia. Em um parto difícil e prematuro, o menino, de família humilde, veio ao mundo com apenas sete meses e foi levado à incubadora da maternidade, onde uma falha médica marcou sua vida para sempre.
O equipamento estava superaquecido e prejudicou o sistema nervoso do bebê: com apenas cinco meses de vida, ele perdeu os movimentos da perna, sofreu paralisia cerebral, ficou cego e os nervos não acompanharam seu desenvolvimento físico. "A médica disse que a vista dele havia queimado e não tinha como fazer transplante", recorda a avó Emília de Oliveira, de 61 anos.
Como a mãe Ana Paula o teve aos 13 anos, a idosa aposentada assumiu a guarda do neto e, mesmo diante das dificuldades para criá-lo, descobriu na criança um talento especial: Paulinho cresceu com audição absoluta, um fenômeno raro em que a pessoa consegue identificar todos os sons, recriar notas musicais, bem como cantar em qualquer tom, sem referências externas. Gênios da música como Mozart, Bach, Beethoven e Frank Sinatra também gozavam dessa habilidade.
Emília recorda que desde pequeno o menino gosta de ouvir músicas. "Ele sempre ficava com um radinho na mão para ouvir", afirma. Hoje, Paulinho tem 15 anos, apaixonou-se pelo gênero eletrônico e admira os DJs Alok e Marshmallow. No começo deste ano, ele publicou em seu canal do YouTube um vídeo cantando a música Hear Me Now, que conta a história de amor e reconhecimento de um rapaz ao ver o pai envelhecer com Alzheimer. Assista:
"A minha vida é muito boa. Sou muito grato por ela, sinto felicidade e muita emoção", diz ele ao ser questionado sobre o que sente pela música e pela família.
Paulinho frequenta a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de sua cidade desde os primeiros meses de vida, onde desenvolve suas habilidades artísticas e aprende a cultivar a própria independência.
Segundo a presidente da instituição, Vaneska Salvático, existe na sociedade uma ideia errada de que as pessoas com deficiência são incapazes, e pouco se estimula os desejos e talentos destas pessoas. "Muitos as deixam num cantinho, quietinhas, e isso traz muitas frustrações. Se elas têm dificuldade em uma coisa, conseguem compensar em outra. O Paulinho não tem o visual, então por si só desenvolveu muito bem o auditivo", explica. "Às vezes, ele até corrige o professor de música e fala as notas", completa.
'Isso é paixão demais na minha vida'
No fim de março deste ano, Paulinho teve a oportunidade de conhecer o DJ Alok por meio do programa Caldeirão do Huck, da TV Globo. Ele realizou o sonho de cantar ao lado do ídolo e se apresentou no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, para 70 mil pessoas. "Foi uma surpresa muito boa. Deus é bom o tempo todo. Isso é paixão demais na minha vida", afirma. O músico já havia se emocionado ao ver a performance do jovem pelo Facebook: "Me emocionei com esse vídeo. Parabéns a todos os envolvidos".
Na gravação abaixo, Paulinho se apresenta na Apae de Rondônia. Assista:
Paulinho conta que Alok lhe deu de presente um teclado, uma bateria eletrônica e uma mesa de som. No entanto, os sonhos não se esgotaram: ele quer se apresentar no programa Domingo Legal, apresentado por Celso Portiolli, no SBT, e diz ficar feliz ao ver pessoas se emocionarem quando ele sobe ao palco. "As pessoas choram e falam que é muito lindo", conta.
Não é a primeira vez que Alok impacta a vida de seus fãs. Em março deste ano, ele doou R$ 30 mil para uma mulher com deformação facial fazer uma cirurgia plástica. Além disso, ele doou cerca de R$ 100 mil para a Fundação Graacc e para o Hospital Pequeno Príncipe, instituições que combatem o câncer infantil.
Dificuldades que persistem
Dona Emília cria Paulinho com o avô do garoto, José Carlos Duque, de 65 anos. Os dois são aposentados, de classe média baixa, e não têm condições de pagar um plano de saúde particular para o neto. Assim, o casal não conseguiu marcar um diagnóstico definitivo para as deficiências dele até hoje. Segundo a avó, o exame custa cerca de R$ 1,8 mil e a família está há um ano e meio tentando agendá-lo gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com Vaneska, presidente da Apae, o laudo se torna mais difícil de ser fornecido quando o paciente tem deficiências múltiplas, como é o caso do Paulinho. "Ainda não tem médico suficiente para isso no nosso Estado", lamenta.
Mesmo enfrentando dificuldades com a saúde pública desde pequeno - quando foi acometido por uma falha médica na maternidade -, Paulinho não perde o brilho nos olhos e ressalta o lado bom da vida em todas as suas falas. No dia 1º de maio, ele fará seu primeiro show individual em sua cidade e não esconde a autoestima e vontade de crescer no mundo da música. "Quero ser cantor quando crescer, enxergando a vida com o coração. Nós [com deficiência] somos capazes e gosto de todos que me ajudam. Nunca desistam dos seus sonhos", conclui.
*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais
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