Adriana Pelege viveu sozinha com Willy, um lhasa apso, por sete anos. Um dia, chegando do trabalho em uma noite chuvosa, se deparou com uma cadelinha abandonada e que recebia de um vizinho um caixote de papelão para servir de abrigo. Ela se recorda com detalhes da situação: "Quando subi a escada do meu prédio, a Nina sentia muito medo e estava com o rostinho machucado. Fui dar banho, o rabinho ficava entre as pernas. Tadinha, estava assustada".
A vizinhança contou à Adriana que o animal havia sido abandonado pela dona dentro de uma sacola. Ela acredita que Nina sofreu maus tratos. "Acho que ela foi judiada sim. Quando saio com para passear, mesmo aqueles que querem fazer carinho, ela foge, fica acuada", relata. O adestrador comportamentalista Thiago Barbieri, fundador da Cãocentrado, explica que esse comportamento é típico dos cães que são maltratados. "Quando o cão chega na nova família, vai apresentar todos esses comportamentos. Dará sinais corporais indicando se está estressado, com medo, ansioso com a aproximação. E aí o ser humano não tem um conhecimento claro desses sinais corporais que os cães emitem naturalmente", analisa.
Mas será que os comportamentos dos cães que são acolhidos podem revelar detalhes a respeito dos maus tratos? Adriana Pelege percebeu uma espécie de 'padrão do medo' de Nina. "Com homens ela tinha mais medo. Uma vez um senhor veio arrumar a energia aqui de casa e ela tremia. Só agora, depois de um ano, a Nina começou a ficar mais à vontade. Até com meu irmão, quando me visitava, tinha medo. Mas agora está bem", conta.
O adestrador Thiago Barbieri dá mais exemplos: "Você vai tentar se aproximar da comida do cão, ele vai rosnar. Você tenta mexer com ele enquanto está com o brinquedo, vai tentar te morder. São alguns dos sinais de cães que já tiveram algum tipo de trauma e que a gente identifica".
A psicóloga Carolina Jardim, fundadora da Turma do Focinho, avalia que os cães que são abandonados, tanto os que estão em abrigo quanto aqueles que são resgatados diretamente das ruas, apresentam problemas psíquicos. "Ele não é só um cão que apanha, não tem comida, mas um cão que não tem suas necessidades mentais atingidas. Não está emocionalmente bem. Ele pode desenvolver uma série de problemas como ansiedade generalizada, ansiedade de separação, comportamentos compulsivos, agressividade, comportamentos fóbicos", avalia.
Ao mesmo tempo em que estava acuada quando foi salva, Nina dava demonstrações de gratidão à Adriana: "Quando a resgatei, fui colocar a comida e ela ficava lambendo a minha mão como se dissesse 'obrigada por ter me tirado da rua'. O tempo todo lambendo minha mão! Contei isso para a veterinária, que ficou com os olhos cheios de lágrimas", se emociona ao recordar daquele dia.
Carolina Jardim, especialista em Comportamento Animal, aconselha os novos donos do animal a construírem uma comunicação positiva com o pet. "É preciso garantir que cada situação que ele passe seja extremamente positiva, que traga segurança, confiança, para que emita comportamentos desejados. A ponte para a relação dele com o ambiente é o ser humano e essa conexão", enfatiza
Ao resgatar Nina da rua, Adriana Pelege não só deu amor e carinho, como uma irmã para o lhasa apso. "Agora ela está bem, sendo amada. Está feliz e sendo uma super companheira para o Willy, que ficava muito sozinho".
Adriana Pelege critica aqueles que não têm paciência com o cachorro que acolheu: "Tem muita gente que adota, acha que é um objeto e simplesmente joga na rua. É muito triste. Esquece que eles têm coração, têm sentimentos. As pessoas deveriam se conscientizar. Se não gostam, não peguem um cachorro", conclui.
Separamos algumas dicas iniciais para quem pretende ou acabou de acolher um cachorrinho:
- Levar o cão ao veterinário e realizar todos os exames clínicos para avaliar ferimentos;
- Colocar em dia a vacinação;
- Não punir um comportamento ruim do cão com palmadas e sim recompensá-lo quando fizer algo bom;
- Dar carinhos e petiscos sempre que o pet atender pelo nome, se sentar, tocar o focinho na mão do dono, resgatando a sensação de confiança;
- Estimular comportamentos naturais do cão, como cavar, caçar o alimento através de 'gincanas' ou brinquedos alimentadores;
- Passear com o cão com equipamento adequado;
- E, acima de tudo, dar muito amor, carinho e atenção ao pet.
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