Nunca se falou tanto em diversidade no Brasil como agora. Dados do Google BrandLab, que monitora as buscas realizadas tanto na plataforma como no YouTube, mostraram que, em 2016, a busca pelo assunto aumentou em 30%. Entre os temas mais procurados estavam, por exemplo, racismo, feminismo e LGBTQI+ - as pesquisas pelo termo “transgênero”, por exemplo, aumentaram em 123% no período.
Mas a diversidade não engloba apenas temas como sexualidade, gênero ou a cor da pele e inclui também falar de pessoas com deficiência, intelectual ou física, e indivíduos de outras etnias que costumam viver marginalizadas, como os índios. Essas pessoas costumam viver à margem da sociedade quando poderiam ser incentivadas e para contribuir.
É justamente essa abertura que o Evento Nacional Enactus Brasil (ENEB), que ocorre entre os dias 18 e 20 de julho em Fortaleza, busca criar. Organizado pela Enactus, organização internacional que fomenta o empreendedorismo social entre os universitários no País, o evento, que é anual, premia projetos criados por estudantes do ensino superior com impacto positivo entre públicos socialmente vulneráveis.
Em 2018, o tema escolhido foi “Nossa beleza está em nossas diferenças”, uma alusão à importância da diversidade nos dias de hoje. Como forma de concretizar essa mensagem, o troféu dado para o melhor projeto social no ciclo 2017/2018 será em homenagem à atriz e cantora Rogéria, um dos símbolos da luta contra a homofobia no Brasil.
A ação é uma forma de levantar a bandeira da diversidade e “dar visibilidade a quem é invisível”, explica Paul Oliveira, gerente de programa da Enactus Brasil. Segundo ele, falar de empreendedorismo no universo da diversidade é algo necessário nos dias atuais. “Essas pessoas têm uma visão diferente e enxergam oportunidades onde outros não viam nada”, diz.
Paul acredita que há hoje uma visão romanceada do empreendedor no Brasil. “Quando falamos disso lembramos do ‘afortunado’, aquele que teve a chance de escolher ser empreendedor”, explica. “Mas o Brasil tem na maioria dos empreendedores pessoas que abriram o próprio negócio por necessidade, porque precisavam pagar as contas”, afirma.
A ideia, portanto, é que os estudantes criem projetos para públicos de realidades diferentes das quais eles vivem - furando a “bolha social” e abrindo as portas para uma reflexão sobre a sociedade em que vivem.
O tema do evento deste ano tem um significado especial para Paul, ele próprio transexual. “Meu gênero sempre foi respeitado. Acredito que, a partir do momento que a empresa em que eu trabalho fala sobre o assunto de forma aberta, isso deixa de ser um tabu e passamos a enxergar as pessoas pelo que elas são, ou seja, pessoas, seres humanos, que é a visão da Encatus”, acredita.
Projetos para inclusão social
Um dos projetos que apresentados no evento foi o Transvidas, desenvolvido no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Frei Damião em Juazeiro do Norte, no Ceará, com nove transexuais da região. Elas escolheram profissionalizar a produção de velas artesanais para vender - a cidade é muito visitada por romeiros que procuram a Estátua do Padre Cícero.
De acordo com Shaadia Nunes Vieira, estudante de administração da Faculdade Leão Sampaio e líder da equipe, o projeto ainda está em fase inicial e o foco agora é empoderar essas pessoas. “A mudança é necessária e elas precisam de apoio, de incentivo”, afirma. O principal ponto a ser enfrentado ainda é o preconceito das pessoas.
A diversidade, no entanto, não é apenas uma questão de gênero e também fala com o público com alguma deficiência física. É o caso do Projeto Tato, realizado com a Associação Aliança dos Cegos em São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. O objetivo do projeto, que começou em junho de 2017, é melhorar a qualidade de vida dos cegos residentes na Associação.
O local abriga uma fábrica de vassouras, rodos e espanadores que precisa ser reestruturada para voltar a ser rentável e ajudar com as despesas da instituição - além, claro, de funcionar como um local de trabalho para deficientes visuais.
Daniel Carvalho, estudante de engenharia civil da CEFET-RJ, é gerente do projeto e afirma que, embora já tenha atuado em iniciativas envolvendo pessoas com realidades diferentes da dele, este o surpreendeu. “Eu não sabia, por exemplo, que cegos preferem serem chamados de ‘cegos’ porque é mais objetivo do que ‘deficiente’”, afirma. Outra necessidade foi adaptar as ferramentas para a deficiência visual dos moradores da Aliança - as aulas de informática, por exemplo, necessitam de um software inclusivo.
Mesmo com todo o esforço e a necessidade de investimento, o estudante vê o resultado como positivo. “Os cegos eram desmotivados tanto para as atividades como para o trabalho, e já notamos que isso mudou, há mais adesão e assiduidade nas atividades”, diz.
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