A série Adolescência, da Netflix, se tornou um fenômeno global ao contar a história de um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola. Ao longo de quatro episódios, a minissérie aborda temáticas como parentalidade, ódio online e machismo. Mais do que um mistério “quem matou?” — onde o foco da trama é descobrir quem cometeu o crime —, a produção britânica busca entender os motivos que levaram o assassinato, à primeira vista tão sem sentido, a acontecer.
As respostas não são fáceis, mas podem ser encontradas em uma subcultura online que vem crescendo nas últimas duas décadas e, cada vez mais, sai da internet para aterrorizar o mundo real — os incels. Se você navegou na internet nas últimas duas décadas, provavelmente já cruzou com o termo. A palavra, inventada no final dos anos 1990, é uma junção das palavras inglesas involuntary celibate, ou celibatário involuntário em português.

Inicialmente, a palavra era utilizada para descrever pessoas que não conseguiam encontrar um parceiro romântico ou sexual ao longo da vida. O termo foi criado em fóruns onlines que serviam como um local onde usuários que se identificam com a temática poderiam falar sobre o tópico de forma mais aberta, longe dos preconceitos usuais sobre virgindade e inabilidade social.
Em pouco tempo, no entanto, a expressão passou a ser adotada por um grupo mais radical, majoritariamente composto por homens heterossexuais. Os incels, então, passaram a ser definidos como uma subcultura online de homens que culpavam as mulheres pelas rejeições ou desinteresse sexual e amoroso sofridos.
O discurso incel apela para as inseguranças de adolescentes e jovens, oferecendo uma explicação para as incertezas e dificuldades de relacionamentos e emoções da juventude. Acima de tudo, oferece um alvo claro e objetivo para as frustrações da vida — mulheres.
Na internet, os incels encontraram outras pessoas que pensavam como eles e passaram a fomentar uma comunidade online. Nela, os discursos misóginos foram repercutidos e ampliados, até que eventualmente encontraram respaldo no mundo real.
Em 2014, um jovem de 22 anos matou seis pessoas em Isla Vista, na Califórnia, em um ataque feito para “punir as mulheres” e os “homens com quem elas se relacionam”. Em um vídeo e um manifesto postado na internet, o assassino falava sobre a frustração de ainda ser um virgem. Segundo ele, essa foi a principal motivação do ataque.
O nome do assassino se tornou famoso e prestigiado nas comunidades masculinistas, mas também atraiu atenção midiática para o movimento. Apesar do maior escrutínio da imprensa, a atenção também angariou novos jovens para a comunidade.
Ao longo dos anos, mais ataques terroristas foram realizados utilizando o discurso misógino fomentado pelos incels. A comunidade, então, deixou de ser uma temática exclusiva do submundo online e se transformou em um movimento conhecido e discutido pelo mainstream.
O vocabulário Incel
Ao longo da série, algumas expressões e gírias são utilizadas pelos adolescentes para falar sobre a cultura incel. Como toda subcultura, o movimento incel também adotou um vocabulário próprio que busca integrar os membros do grupo e afastar aqueles que não conhecem. Algumas dessas palavras, no entanto, ou foram assimiladas por outras subculturas da internet como piadas, ou acabaram sequestradas pelo movimento incel.
O Estadão separou alguns dos termos mais populares da subcultura. Confira:
- Redpill, Bluepill, Blackpill: Inspirado no longa Matrix, as expressões se referem a forma como um incel vê o mundo. No filme de ficção científica, o protagonista Neo deve tomar a pílula vermelha (red pill, em inglês) para despertar sua consciência e ver o mundo como ele verdadeiramente é. No léxico incel, ser “redpillado” significa ter “despertado” e visto o mundo como ele supostamente é — um local onde os homens são injustiçados. Seguindo a mesma lógica, a bluepill é a escolha de se manter “sedado” e acreditando nas mentiras da sociedade. Por fim, a blackpill representa o lado niilista da equação — ser “blackpillado” é entender que não há sentido no mundo ou salvação.
- Alfa, Beta e Sigma: Inspirados em um estudo desmentido sobre a organização natural de matilhas, os termos servem para classificar os “tipos de homens” existentes no mundo. Um Alfa é alguém forte, tradicionalmente belo e capaz de seduzir e se relacionar com mulheres. Segundo os incels, esses homens são o “topo da cadeia alimentar” e lideram a sociedade. Um Beta é alguém submisso, que não dispõe de “beleza natural”, e costuma ser preterido pelos Alfas. Para os incels, essas pessoas compõem a grande maioria da população. O Sigma, no entanto, é alguém que rejeita o conceito de Alfa e Beta. Ele não nasceu para ser um líder como o Alfa, mas também não se submete aos caprichos de terceiros como um Beta. De acordo com os incels, esses são os homens “lobos solitários”.
- Virgin, Chad, Becky e Stacy: Os termos são utilizados para fazer classificações e comparações entre os tipos de pessoas no mundo. Um Virgin, como o próprio nome indica, é um homem virgem. Normalmente, é utilizado para descrever os próprios incels. Já um Chad é um homem Alfa, alguém belo e sedutor. As Stacys são a contrapartida feminina do Chad, mulheres belas e sedutoras, mas burras e inalcançáveis. Por fim, as Beckys são as “mulheres comuns”, que não dispõem de grande beleza, mas podem ser “alcançadas”.
- MGTOW: A sigla significa Man Going Their Own Way, Homens Seguindo o seu Próprio Caminho em português, e representa uma filosofia na comunidade incel de que os homens devem se separar das mulheres, focando todos os seus esforços na autovalorização e na construção de uma comunidade masculinista.