Menstruação ainda é tabu entre brasileiras, aponta pesquisa

Maioria das mulheres se sentem incomodadas, mudam hábitos durante o período menstrual e falam do assunto como se fosse um segredo

PUBLICIDADE

Foto do author Ludimila Honorato
Mais da metade das brasileiras sentem-se sujas durante a menstruação, segundo pesquisa. Foto: Hey Paul Studios / Flickr.com/hey__paul

É crescente o debate mundial sobre diversos assuntos do universo feminino, como aborto e equidade de gênero. Mas, enquanto esses assuntos ganham cada vez mais espaço para discussão, a menstruação ainda parece ser um tabu. Pelo menos é o que aponta uma pesquisa feita com 1,5 mil mulheres de cinco países, inclusive do Brasil, sobre o tema.

PUBLICIDADE

No geral, 54% das mulheres entre 14 e 24 anos sabiam nada ou tinham poucas informações sobre menstruação no momento da menarca (primeira menstruação). Ou seja, não se fala sobre isso com elas. O período menstrual também deixa a maioria delas incomodadas e, quando termina, traz alívio.

A pesquisa foi feita pela marca Sempre Livre, da Johnson & Johnson, em parceria com a KYRA Pesquisa & Consultoria. Além do Brasil, participaram mulheres da Índia, África do Sul, Filipinas e Argentina.

A pesquisa ainda indicou que 39% das mulheres pedem um absorvente emprestado como se fosse um segredo e muitas tentam esconder de alguma forma que estão menstruadas. Para quebrar esse silêncio e aumentar a conscientização sobre a importância do ciclo menstrual, foi criado o Dia da Higiene Menstrual, lembrado anualmente neste 28 de maio.

"A questão da higiene íntima é muito importante, faz com que a mulher se conheça. Lidar bem com o corpo parte do princípio de que ela precisa se conhecer”, afirma Maria Márcia Caldas, diretora de pesquisa e desenvolvimento de cuidados femininos da J&J.

Publicidade

Porém, conhecer o próprio corpo também parece ser um tabu nos dias atuais, e a explicação é histórica, segundo a ginecologista Bel Saide, especialista em ginecologia natural. "Antigamente, para que acontecesse a dominação das mulheres, de serem trancadas em casa com a finalidade de servir aos homens, eles precisaram reprimir os corpos delas", diz Bel.

Segundo ela, essa repressão impediu que as mulheres se conectassem com sua natureza e, atualmente, o cenário persiste, mas em outros níveis. "Os anticoncepcionais vieram como revolução, tiveram sua importância, mas acabaram levando para outro tipo de desconexão [com o corpo], em que a menstruação é considerada ruim, suja e, consequentemente, a vagina também", afirma.

Segundo a pesquisa da J&J, 57% das brasileiras sentem-se sujas durante a menstruação (40% no âmbito global) e mais de 40% ficam inseguras e se sentem pouco atraentes. Isso faz com que elas mudem hábitos, como deixar de entrar na piscina, praticar esportes, sair com alguém ou mesmo sair de casa. "Como ela não se conhece, não se sente muito confortável, tem receio de dizer e mostrar que está menstruada, o fato de alguém perceber a incomoda", reitera Maria Márcia.

Para as meninas em idade escolar, o período menstrual, por vezes, as impede de ir à escola. É o que acontece na Argentina com 14% delas e no Brasil com 10%. "Tem países mais avançados e outros mais retraídos, mas acho que evolução sempre tem", considera a especialista da J&J.

Como a questão, segundo a ginecologista Bel, ainda está relacionada ao desenvolvimento histórico-social e ao modo como os homens lidam com a mulher ao longo do tempo, ela diz que é preciso um avanço por parte deles também. A pesquisa, inclusive, indica que a pessoa com quem a mulher menos conversa sobre menstruação é o homem - seja pai ou amigo.

Publicidade

"Os homens precisam olhar para esse universo e naturalizar isso. Na ginecologia natural, a gente estimula os companheiros a compreenderem e acompanhar o ciclo menstrual da mulher e admirá-lo", diz.

Parte desse incentivo é voltado também para a responsabilidade da contracepção. "Além de compreender a mulher, o homem tem de ter responsabilidade igual a dela de evitar filho, se não querem. Porque ela não é a única responsável", ressalta.

Mitos. Toda mulher tem alguma recomendação da mãe ou da avó para o período menstrual, como evitar andar descalça (43% no Brasil), não lavar o cabelo (31% no Brasil) ou não fazer bolo. "A origem [desses tabus] vem exatamente dessa colocação de como mulher [e a menstruação] é um pecado e suja", diz Bel.

A ginecologista afirma que apenas a recomendação de não andar descalça tem um pouco de fundamento. "As cólicas menstruais são causadas pelas contrações do útero, e o calor relaxa as fibras uterinas e faz com que a dor amenize", explica. "Mas isso não significa que não pode andar descalça. Se ela não tiver cólica, não precisa', diz.

Ciclo saudável. Tanto Bel quanto Maria Márcia reforçam o fato de que menstruar é algo da natureza feminina, fisiológico e saudável, sinal de que o corpo está em ordem. Além disso, a importância de conhecer como o ciclo funciona permite um autoconhecimento melhor.

Publicidade

"O ciclo menstrual é a natureza mais profunda da mulher. Ela começa a compreender as mudanças hormonais que acontecem todos os meses, aprende a lidar com as coisas que se passam com ela, as relações, a aceitar que ela é cíclica e tem dias diferentes que ela não está bem. É uma compreensão diferente e tem de utilizar isso para encontrar seu equilíbrio dinâmico", explica Bel.

Um dos meios de conhecer a própria menstruação é por meio do método sintotermal. Baseado, a princípio, na temperatura corporal basal (que é medida imediatamente após a pessoa acordar), na secreção vaginal e no colo uterino, a técnica permite que as mulheres se toquem e acompanhem as mudanças do corpo durante os ciclos menstruais.

Mas se conhecer vai além do ciclo também. É prestar atenção à alimentação, à emoção e ao espiritual, diz Bel. Para aquelas que sofrem de alguma doença ligada ao útero ou não gostam de menstruar, a especialista recomenda métodos naturais de tratamento e uma investigação mais profunda dos motivos das dores, que podem ser emocionais. "Nosso objetivo sempre é: 'faça as pazes com sua menstruação e que ela seja prazerosa'", diz.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.