Você começa o ano com inúmeros planos e objetivos. A meta de livros a serem lidos é exigente, mas você se comprometeu a ler mais nos próximos doze meses. O tempo no celular será trocado por atividades mais úteis — quem sabe colocar as séries em dia ou ver mais filmes cults.
Um regime também pode cair bem e, é claro, esse será o ano em que a prática de exercícios será mantida religiosamente. No meio do ano, metade dos planos já foi por água abaixo e, se algo ainda estiver de pé em dezembro, pode ser considerado uma vitória. Com a chegada das retrospectivas, uma dúvida se instaura: como o ano passou tão rápido?
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O tempo pode até ser linear, mas isso não significa que a sensação de que o ano passou voando seja menos real. Seja por conta de planos frustrados, de uma rotina excruciante ou do sentimento de inércia, é comum que os últimos dias de um ano sejam tomados por arrependimento pelo que não foi feito e uma vontade de fazer diferente nos próximos 12 meses.
Mas afinal, como é possível fazer os meses passarem mais devagar? O Estadão conversou com alguns especialistas e buscou entender o que nos leva a ter tais sentimentos e como é possível driblá-los em 2025.
“Quando alguém diz que o ano passou voando está, na realidade, falando que não deu tempo para fazer tudo o que ela queria ter feito”, afirma André Cravo, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), psicólogo e pesquisador na área de neurofisiologia e cognição. Para Cravo, o grande problema se encontra no fato de que a maior parte das pessoas se ocupa com coisas que elas não querem fazer.
“O tempo passar rápido ou devagar, por si só, não é algo necessariamente bom ou ruim”, pondera o professor. Segundo ele, a sensação de que o tempo está voando pode ser encontrada quando alguém passa muito tempo em uma fila ou quando está se divertindo com os amigos. “O que é ruim é a sensação de que não fizemos tudo o que precisávamos fazer.”
Quem concorda com a afirmação é Thaís Gameiro, neurocientista e cofundadora da Nêmesis, empresa que atua na área de Neurociência Organizacional. “Quando você faz uma retrospectiva e percebe que 12 meses não foram o suficiente para realizar tudo o que você se propôs a fazer, a sensação de que o tempo passou rápido demais é inevitável”, comenta.
Segundo a cientista, o final do ano costuma ser um período onde a reflexão sobre o passado é mais presente. Some isso à rotina caótica do final do ano e é possível entender por que o tempo se torna algo tão escasso. “O final do ano é um período em que queremos resolver tudo. Não queremos deixar nada pendente para o ano novo e isso acaba gerando uma pressão maior — o que faz com que a velocidade da passagem de tempo aumente.”
Por que o tempo passa mais rápido?
Nossos sentimentos podem nos indicar algo diferente, mas as leis da física não mentem: a passagem do tempo é constante e uniforme. Segundo os especialistas, o que muda é a nossa percepção. “E por que ela muda? Quando estamos mais ansiosos ou mais relaxados, os nossos parâmetros corporais se alteram”, diz Thaís.
De acordo com a cientista, o nosso cérebro utiliza alguns marcadores fisiológicos para interpretar o andar do tempo — fatores como nossa respiração ou batimentos cardíacos indicam para o órgão que o tempo está fluindo.
“Quando esses marcadores se alteram, o nosso cérebro entende que o tempo está passando mais rápido ou mais devagar. É a chamada elasticidade do tempo, nossa capacidade de interpretar o mesmo período de tempo de forma diferente a depender do contexto em que estamos”, explica.
A regra geral, segundo Cravo, é a seguinte: “Quanto mais atenção você presta em um evento, mais devagar o tempo parece passar”. Ao esperar um ônibus, 30 minutos podem parecer uma eternidade. Mas, quando se está se divertindo com os amigos, os mesmos 30 minutos passam em um piscar de olhos.
As coisas, no entanto, mudam quando falamos sobre a forma como nos lembramos do correr do tempo. A ideia é que, ao lembrar do tempo decorrido, costumamos superestimar intervalos significativos e subestimar intervalos onde nada aconteceu. Em retrospectiva, a espera de meia hora no ponto de ônibus tende a parecer rápida e insignificante. Já a diversão com os amigos se transforma em uma memória longa e detalhada, que parece bem mais duradoura do que realmente foi.
No caso das retrospectivas do final de ano, é comum que a sensação de passagem do tempo acelerada seja sentida. Afinal, a maior parte de nossas vidas costuma ser tomada por momentos de rotina ou de pouca excitação. O sentimento de inércia, então, acaba por homogeneizar os últimos 12 meses, dando a impressão de que tudo passou rápido demais.
Os perigos da tecnologia
Ao falarmos sobre a percepção de que o tempo está passando rápido demais, outros grandes vilões que costumam brincar com o nosso tempo são os celulares e as redes sociais. “Quando sua atenção está alocada em uma coisa, o tempo passa voando. E se tem uma coisa que essas tecnologias são boas é em tirar o foco atencional de alguém”, diz Cravo.
Para Lilian Cidreira, professora de liderança e inteligência emocional da ESPM, não é o tempo que está passando mais rápido, mas sim o mundo que está apresentando cada vez mais estímulos. “Nos anos 2000, quase não havia redes sociais. Quando a pessoa ia para casa, ou ela convivia com a família ou assistia televisão. Atualmente, os estímulos não acabam mais”, ela afirma.
Seja com a nova onde de vídeos curtos — criada para monopolizar ainda mais o tempo dos usuários —, com a utilização de feeds infinitos e não cronológicos — que também servem para manter o internauta o maior tempo possível no aplicativo —, ou com a criação de novas plataformas, as redes sociais buscam cada vez mais a atenção constante de seus usuários. “A tendência é que isso piore. As redes sociais não diminuíram isso ao longo dos anos, pelo contrário”, reflete a professora.
Como se isso não bastasse, a “ressaca digital” sentida após o uso também contribui para a sensação de perda de tempo. “Você fica duas horas em um aplicativo e, quando para de usá-lo, sente que não fez nada de útil. É diferente de ler um livro ou fazer um exercício”, reitera o psicólogo.
O pesquisador também entende que o senso de urgência trazido pelas tecnologias tendem a fazer com que o tempo passe mais rápido. “Algo está sempre acontecendo no celular: uma mensagem, uma notificação, uma notícia, um meme. Toda vez que você tira sua atenção de algo e direciona para outra coisa, há um custo na percepção de tempo.”
O tempo é finito
Quatro mil semanas. Segundo estimativas, essa é a média de tempo disponível ao longo da vida para uma pessoa no mundo ocidental. “Quando você para para pensar, não é tanto tempo assim”, avalia Cravo. Uma pessoa na fase adulta, por exemplo, costuma ter cerca de duas mil semanas restantes de vida. É pouco tempo.”
Para o psicólogo, ao entender que não temos todo o tempo do mundo, uma decisão é necessária: escolher o que fazer com a própria vida ou deixar tudo ao acaso. “O tempo é finito. Aceitar isso é entender que é necessário priorizar a realização do que você entende ser mais importante. As escolhas, no final das contas, vão continuar sendo feitas. Talvez só não sejam feitas por você.”
“Temos o costume de estabelecer expectativas irreais sobre o que podemos alcançar, subestimando o tempo necessário para concluir as tarefas planejadas”, afirma a britânica Claudia Hammond, jornalista da BBC e autora do livro Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception (sem tradução no Brasil).
“Quando você segue a mesma rotina, dias, semanas e meses parecem se fundir em uma única coisa”, relata a jornalista, refletindo sobre essa sensação de que o ano passou rápido demais. “É necessário ter uma gama variada de experiências ao decorrer do ano”, indica.
“Quando isso ocorre, você cria memórias vívidas que atuam como marcos temporais”. Para a autora, a experimentação de atividades novas e excitantes nos ajuda a perceber que o tempo foi bem gasto. “Se o tempo parece passar rápido demais quando você está se divertindo, tente não se preocupar com isso. É um sinal de uma vida plena e variada. Quando você olhar para trás, parecerá uma vida longa”, reflete Claudia.
Cinco dicas para fazer 2025 passar mais devagar
Contemplar a mortalidade pode fazer com que mudemos nossa relação com o tempo, mas existem algumas dicas práticas que também podem ser adotadas para melhorar o nosso dia a dia. O Estadão ouviu especialistas de diferentes áreas e selecionou cinco dicas para quem deseja fazer o tempo passar mais devagar em 2025. Confira:
Carpe diem: Vá atrás de novas atividades
- Conforme ressaltado pela escritora Claudia Hammond, realizar novas atividades tende a funcionar como um ótimo marcador temporal ao longo do ano. “Temos menos memória das coisas que são rotineiras e, quando se tem menos lembranças, parece que o tempo passou mais rápido”, reitera André Cravo. “Então, quando você faz coisas novas, as memórias aumentam e a percepção de que o tempo passou mais devagar é maior”. Você não precisa se transformar no Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos, mas se programar para sair da rotina é uma boa escolha. Se grandes mudanças não são sua praia, não é necessário começar um novo esporte radical ou mudar de residência. Alterar o trajeto do trabalho até sua casa, jantar em um novo restaurante ou ir ao cinema em dia de semana podem ser exemplos simples, mas eficientes, de hábitos novos.
Não se esqueça de relembrar
- Se você é daqueles que ama usar plataformas de streaming de áudio, as retrospectivas anuais tendem a ser o paraíso. Elas, no entanto, não servem apenas para revelar os seus artistas mais escutados, mas também podem servir de registro temporal ao longo do ano. “Registrar a passagem de tempo é uma boa dica”, diz Cravo. “Muitas vezes, sentimos que o ano passou voando, mas quando começamos a relembrar tudo o que aconteceu, vemos que as coisas não passaram tão rápido”. A tecnologia pode auxiliar nesse processo, mas há luz no fim do túnel para quem é mais analógico. A criação de diários, por exemplo, pode auxiliar nas retrospectivas de final de ano. Outra opção é criar um quadro com diferentes memorabilias do ano — ingressos de cinema, shows e afins, passagens de viagens e compras inusitadas ou divertidas. “Muita coisa legal acontece em 12 meses. A gente só não costuma a lembrar”, diz o psicólogo.
Foco, foco, foco!
- Listas de começo de ano são clássicos atemporais, mas elas guardam um perigo em si: nunca há tempo para realizar tudo o que foi proposto. “Se faço uma lista muito grande, a tendência é que eu tente fazer tudo ao mesmo tempo e acabe falhando”, diz Thaís Gameiro. O segredo, então, se torna o foco. “É necessário não deixar as coisas só acontecerem, mas se planejar e sair do piloto automático”. Segundo a cientista, estabelecer metas e prioridades é central para conseguir realizar tudo o que se planejou e, com isso, sair satisfeito com a própria manutenção do tempo. “O que é importante para mim hoje? O que é importante para mim nessa semana? O que é importante nesse mês? Saber isso é fundamental.”
Metas claras, objetivas e sucintas
- As listas de começo de ano estão longe de serem perfeitas, mas isso não significa que elas devem ser abolidas. Se o foco na hora da realização das metas é essencial, o bom planejamento também é fundamental. Para Edna Bedani, professora de liderança e carreira da ESPM, definir objetivos “menores e tangíveis” pode gerar sensação de progresso e incentivar ainda mais o cumprimento do que foi estipulado. Por isso, evite metas genéricas como “ler mais livros esse ano”. Em contrapartida, também é importante evitar objetivos muito distantes de sua realidade. Se você não leu nenhum livro no ano passado, 50 livros em um ano são uma pedida exigente demais. Ao estabelecer uma quantidade pequena, mas factível, é possível criar uma meta realista e alcançável até o final do ano.
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Faça um ‘jejum de dopamina’
- Seja no transporte público, na fila de um consultório ou no banheiro, o celular se tornou um dos melhores amigos do ser humano quando o assunto é tédio. A nossa incapacidade de passar alguns minutos desconectados, no entanto, está prejudicando nossa percepção temporal. “Temos uma tendência natural de realizar atividades que gerem dopamina”, diz Lilian Cidreira. A professora entende que o uso das redes sociais entra nessa conta. “Vemos vídeos no TikTok ou no Instagram para preencher os momentos vazios da nossa rotina, mas isso nem sempre é saudável”. O momento do ócio, segundo ela, é importante e deve ser valorizado. “É necessário conseguir conviver com o vazio”, afirma. Ao monopolizar nossa atenção, celulares e redes sociais acabam roubando parte preciosa de nosso tempo. Para evitar isso, se afastar do celular em momentos de ócio pode permitir diferentes reflexões que podem ajudar com a percepção do tempo.
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