Além de Incel: Conheça o Femcel, versão feminina do termo que viralizou com ‘Adolescência’

Entre Lana Del Rey e ‘Garota Exemplar’, movimento digital descreve grupo de mulheres solteiras que se sentem rejeitadas pela sociedade; entenda

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Por Daniel Vila Nova
Atualização:

Violentos, misóginos e solitários. Assim são definidos os incels, uma subcultura online de homens heterossexuais que culpam mulheres pelas rejeições ou desinteresse sexual e amoroso sofridos ao longo da juventude. O termo, inventado no final dos anos 1990, é uma junção das palavras inglesas "involuntary celibate" — ou “celibatário involuntário” em português — e descreve um grupo que, apesar de ter interesse romântico e sexual em terceiros, não consegue concretizar tais relações.

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Na última década, o discurso incel se tornou cada vez mais popular, saindo da virtualidade e encontrando respaldo no mundo real. Os exemplos são volumosos — assassinatos e ataques terroristas motivados pela retórica machista do movimento, a popularização de gírias e termos da comunidade na internet e a presença de tópicos incels na política, na mídia e na indústria do entretenimento.

Na série Adolescência, novo fenômeno global da Netflix, acompanhamos a história de um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola após ser rejeitado romanticamente. A produção discute temas como parentalidade, ódio online e machismo e busca entender como uma rejeição — e a cultura que a cerca — podem motivar um assassinato. Mas afinal, os homens são os únicos que sofrem com rejeições na juventude? O movimento femcel é a prova que não.

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As personagens Amy Dunne, de Garota Exemplar, Pearl, de Pearl, e a cantora Lana Del Rey são alguns dos símbolos da cultura "femcel". Foto: Divulgação/Disney+, Divulgação/A24, Divulgação/Interscope Records

O nome, que une a palavra inglesa “female” — ou “feminino” em português — e o termo “incel”, descreve uma subcultura digital que vem ganhando cada vez mais popularidade. Assim como sua contraparte masculina, o grupo feminino também é composto por mulheres que, por diferentes motivos, não se relacionam com homens. Há, no entanto, inúmeras diferenças entre os dois grupos.

“Apesar da principal definição do termo ser algo em torno de ‘incel feminina’, a expressão é frequentemente usada para descrever alguns traços de personalidade e gostos específicos”, afirma o site Urban Dictionary, um dicionário colaborativo online que cataloga frases e expressões da internet. “Uma femcel é uma mulher celibatária (voluntária ou não), mas com o tempo, o termo também passou a ser utilizado para descrever mulheres solteiras com interesses particulares.”

Entre os gostos e as características citadas, estão: uma paixão crônica e doentia pela internet e culturas digitais; apresentar e cultuar traços de doenças mentais como bipolaridade, depressão e borderline; ser obcecada com artistas como Lana Del Rey, Mitski e Fiona Apple; adorar filmes e séries como Garota Exemplar, Pearl e Fleabag; adotar uma estética que mistura coisas fofas com elementos de terror e violência; entre outras coisas.

Acima de tudo, no entanto, trata-se de mulheres jovens que se sentem excluídas pela sociedade e que possuem poucos amigos fora do mundo virtual. Uma femcel, então, não é necessariamente alguém que odeia os homens e os culpa pela falta de relações amorosas e sexuais em sua vida, mas uma estética virtual que muitas mulheres adotam para lidar com a sensação de falta de pertencimento na sociedade. O celibato e o sexo, tão fundamental para os incels, torna-se plano de fundo na “versão feminina”. Em muitos casos, inclusive, a estética é adotada por mulheres que já praticaram ou praticam sexo.

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“Femcels são misândricas de laços cor-de-rosa, isolando-se deliberadamente dos homens e de tudo que está relacionado à masculinidade tradicional. Esteticamente, femcels usam roupas e penteados considerados ‘fofinhos’ ou ‘femininos’, similar ao estilo Lolita, enquanto permanecem firmes na ideia de que essas escolhas são uma rejeição do chamado ‘male gaze’”, escreveu a jornalista Roisin Lanigan no jornal britânico The Independent.

Enquanto o discurso incel apela para as inseguranças dos homens, oferecendo as mulheres como um alvo claro e objetivo para as frustrações da vida, o discurso femcel reconhece as inseguranças e frustrações femininas, mas não culpabiliza terceiros. Pelo contrário, a retórica femcel aponta para as próprias mulheres como responsáveis pela sensação de isolamento. Ao menos, foi o que concluiu um estudo realizado em 2024 pelos Institutos Nacionais da Saúde dos Estados Unidos.

A pesquisa descobriu que, assim como os incels, as femcels também lidavam com uma espécie de frustração sexual. Por conta das dinâmicas de gênero presentes na sociedade, no entanto, os grupos reagiam de forma diferente. Se os incels costumam se frustrar com o mundo, as femcels se frustram consigo mesmas. “Embora algumas femcels tenham mencionado sua raiva, ódio ou desejos de vingança, essa antipatia foi enraizada em preocupações sobre como encontrar um parceiro adequado e evitar a ameaça de homens violentos no processo”, concluiu o estudo.

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