Pacientes no fim da vida são mais otimistas do que você imagina

Estudo comparou textos de pacientes no fim da vida a textos de voluntários e descobriu que quem está nos últimos dias é mais otimista

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Pesquisador argumenta que nossa visão da morte é distorcida por conta do nosso medo do fim. Foto: Pixabay

A morte é a única certeza da vida. Ela dá um sentido de urgência que nos impele a sair da cama, a abrir as cortinas e a aproveitar nossa breve existência. Apesar dessa certeza, morrer segue sendo um tabu na sociedade ocidental. Os últimos momentos são imaginados como instantes de dor, solidão e insatisfação. Mas será que as pessoas no fim da vida de fato vivem isso antes de morrer?

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Esta era uma das dúvidas do psicólogo norte-americano Kurt Gray, professor da Universidade da Carolina do Norte e PhD em psicologia social pela Universidade de Harvard. Para descobrir a resposta, ele investigou textos dos últimos três meses de vida de pacientes com câncer e esclerose lateral amiotrófica e os comparou aos textos e palavras finais de pessoas saudáveis que deveriam se imaginar à beira da morte. 

Além disso, Gray e sua equipe usaram registros do Departamento de Justiça do Texas para comparar as últimas palavras e poemas de presos antes da execução da pena de morte às palavras de voluntários que deveriam se visualizar na mesmíssima situação.

O resultado surpreendeu. Os pacientes no fim da vida eram muito mais positivos e usavam menos palavras negativas do que os voluntários saudáveis. Em seus textos, os indivíduos em estado terminal faziam análises profundas sobre relacionamentos e religião. Aqueles prestes a serem executados na prisão, quem diria, eram mais otimistas do que as pessoas sem o risco de ir para a cadeira elétrica. 

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Na conclusão, os autores avaliam que, em nossa imaginação, morrer é uma experiência desagradável. Só que, na hora H, passar para o outro lado pode ser uma experiência inclusive agradável ou aliviadora. "Morrer - seja de doença terminal ou por execução - pode ser mais positivo, ou menos negativo, do que as pessoas imaginam", escrevem os cientistas no artigo 'Dying Is Unexpectedly Positive' (Morrer É Inesperadamente Positivo, em tradução livre), publicado neste mês no periódico Sage Journals.

"A tendência natural da civilização ocidental não é pensar na finitude, mas ser feliz, jovem, saudável e consumista. E a morte é vista como um castigo. A gente posterga tudo para um futuro imaginário, mas a doença interrompe isso e mostra que o futuro é agora", diz Sandra Serrano, médica especialista em dor e diretora do departamento de cuidados paliativos do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.

Em entrevista ao E+, Gray, líder do estudo, acrescenta que, para além de castigo, essa angústia nos faz visualizar o fim da vida como algo dramático e deprimente. "Nossa cultura pinta a morte como algo solitário e isolado. Pense na antiga metáfora grega de cruzar o rio Estige sozinho [segundo a mitologia grega, o rio Estige abriga as almas de pecadores; a simbologia também aparece no livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri]. Além disso, a evolução fez a gente ficar com medo da morte - senão, a espécie humana morreria", opina. 

Os textos dos pacientes analisados eram publicados em blogs encontrados após uma varredura na internet. Já os posts de comparação foram escritos por 45 voluntários instruídos a imaginar que enfrentavam um câncer terminal e tinham poucos meses de vida. 

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O estudo também conversa com um artigo que fez muito sucesso, publicado em março na coluna Modern Love do New York Times, chamado You May Want to Marry My Husband, no qual a escritora Amy Krouse Rosenthal, nos últimos dias de vida, recapitula de forma emocionante seu casamento de décadas. Ela morreu cerca de uma semana após a publicação do texto.

Pacientes no fim da vista costumam passar por cinco etapas após o diagnóstico, segundo mapeamento da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross. Foto: Pixabay

Há algumas limitações na pesquisa. Além da amostra relativamente pequena, há de ressaltar-se que pessoas doentes dispostas a escrever sobre o assunto já demonstram uma tendência a aceitar o fim da vida de forma positiva e a ter mais anos de estudo. Além disso, todos tiveram acesso a cuidados paliativos, o que evita muito sofrimento e facilita o indivíduo avaliar o seu percurso.

Mas a pesquisa também tem seus méritos - entre eles, chamar a atenção para como a morte é um tabu e ressaltar um impasse vivido no dia a dia dos médicos: pacientes de doenças crônicas, uma vez que tenham o devido suporte médico e emocional, costumam aceitar o diagnóstico, enquanto que seus familiares, não.

"Após receber o diagnóstico, o paciente passa por várias etapas até aceitar e entender o fim da vida. A gente observa que muitas vezes ele fala que está preparado e só não quer sofrer. Já os familiares, muitas vezes, negam a possibilidade da morte e não a aceitam", diz André Junqueira, geriatra vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e médico no Centro de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da USP em Ribeirão Preto.

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As cinco etapas do fim da vida. A psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross ficou famosa por publicar, em 1969, o livro Sobre a morte e o morrer (Martin Fontes, 278 p.). Na obra, baseada em entrevistas, ela descreve os sentimentos de indivíduos prestes a falecer e destrincha as cinco etapas enfrentadas por pacientes no fim da vida. Os conceitos propostos são referência mundial e norteiam até hoje a prática de médicos da área. Confira cada fase:

• Negação e isolamento: o paciente nega a proximidade da morte e tenta provar que o diagnóstico está errado. • Raiva: o paciente sente uma profunda raiva e frustração pela interrupção de seus planos e inveja quem está saudável.  • Barganha: a partir de promessas de prestar mais atenção à saúde, o paciente tenta negociar - com Deus, o universo, alguma força superior - a sua vida. "Vou parar de fumar", "vou correr todos os dias" são exemplos.  • Depressão: o paciente se dá conta de que vai morrer e entra em depressão.  • Aceitação: o paciente aceita que vai morrer e começa a aproveitar seus últimos momentos - revendo entes queridos, pedindo desculpas, agradecendo pela vida etc. A morte, um evento asséptico. Peter Gray, líder do estudo, também acredita que, em comparação a outras épocas, aceitamos menos a morte também porque ela é condicionada a ocorrer em espaços distantes do olhar cotidiano. Você sabe quais são: brancos, assépticos e neutros, os hospitais fazem de tudo para afastar qualquer menção ao fim da vida.

"A morte hoje é mais assustadora porque quase nunca a vemos. Na Idade Média, você via as pessoas morrendo ao seu redor, era uma coisa comum no dia a dia. Hoje, no entanto, ela fica escondida em hospitais", argumenta o psicólogo norte-americano. 

Nossa postura de fuga evidencia um paradoxo. A morte nos motiva a viver, já que estabelece uma urgência em nossa curta existência. Mas, ao mesmo tempo, é varrida para debaixo do tapete, visto que ninguém quer pensar no seu fim todos os dias. Falecer é algo negativo, cristalizado na figura de capuz com manto negro e foice. 

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"A gente evita falar sobre o assunto. É interessante como as pessoas ficam ávidas pela morte violenta, que sai nos jornais, mas viram a cara para a morte anunciada, crônica. A morte violenta é enxergada como algo longe da realidade, enquanto que a morte por doença, não", opina Dalva Yukie Matsumoto, oncologista fundadora do setor de cuidados paliativos do Hospital Servidor Público Municipal, que mantém em São Paulo dez leitos para pacientes no fim da vida.

"A morte sempre foi temida. Quando não tínhamos tecnologia para combatê-la, a morte era vista como natural, mesmo que com fatalismo. Hoje, com melhores tratamentos, temos mais otimismo para combatê-la, mas também a negamos, como se pudéssemos adiá-la eternamente", conclui.

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