A palavra solidão é carregada de estereótipos. Se sentir só é incômodo, não apenas pelo fato de que somos seres humanos a partir do outro, mas também do ponto de vista social. Se você ficar muito tempo solteiro, por exemplo, os amigos e familiares passarão a questionar. O julgamento alheio é impetuoso. “A solidão destrutiva, propiciadora da infelicidade, por vezes na sua maior intensidade, chegando até a um quadro depressivo, aparece pela falta do aprendizado a partir dos tantos momentos que ocorreram no percurso da vida de cada um. Não houve a incorporação de tudo de maravilhoso que ocorreu na própria vida, incluindo os relacionamentos, mesmo os piores, pois ficou o sentimento do que não se tem, do que foi embora”, analisa o psiquiatra Luiz Cuschnir, um dos mais renomados psicoterapeutas do País. O sentir-se sozinho, na visão do especialista, pode vir acompanhado de culpa, raiva, vergonha, fracasso, incompetência. “São ‘temperos’ ao irem somando a outros e constituírem perigosamente o lugar da vítima e da falta de opções para seguir em busca do melhor presente que é estar vivo”, reflete. De acordo com o levantamento Perceptions of the Impact of Covid-19, realizado pelo Ipsos em 2021 com pessoas de 28 países, 50% dos brasileiros afirmam se sentir solitários. Dentre todas as nações, este é o maior índice. Já na Holanda (15%), no Japão (16%) e na Polônia (23%), as pessoas são as que menos se sentem sós. Mas engana-se quem pensa que a solidão é própria de quem não tem ninguém para conviver. É possível, mesmo rodeado de outras pessoas, sentir-se solitário. E isso ocorre sobretudo quando não há uma interação de qualidade, seja pelo fato de não ser ouvido ou acolhido em suas opiniões, dilemas e afins. Muitos casais reclamam da falta de interesse ou de tempo dos seus parceiros. Seus momentos de convivência se resumem a assistir um filme no streaming ou jantar em um restaurante e, mesmo assim, cada um conferindo o seu celular.
A solidão, sem dúvida alguma, ainda será objeto de estudo de profissionais de saúde mental pelos próximos anos. Isso porque, após a pandemia de covid-19 e a imposição do isolamento social, muitos estão com dificuldades de estabelecer novas relações. E as antigas, muitas vezes, se desgastaram nesse tempo. Em paralelo, interesses, muitas vezes difusos, fazem com que as pessoas se tornem cada vez mais distantes umas das outras. Dispositivos móveis também contribuem para isso e a tecnologia ampliou possibilidades de conexões que, antes, eram impensáveis. De um tempo para cá, a palavra solitude ganha força. No latim, significa ‘a glória de estar sozinho’. Será que o 'estar sozinho' também abre espaço para algo positivo? É importante também apreciar a própria companhia, curtir um momento consigo. Assim, através do autoconhecimento, conseguimos nos entender para dar lugar a outra pessoa em nossa vida. Para analisar mais profundamente a solidão, a reportagem do Estadão conversou com o psicoterapeuta Luiz Cuschnir, que tem 17 livros publicados sobre a temática homem/mulher. Confira:
O que é a solidão? A partir de qual momento o indivíduo se sente sozinho? A solidão destrutiva, propiciadora da infelicidade, por vezes na sua maior intensidade, chegando até a um quadro depressivo, aparece pela falta do aprendizado a partir dos tantos momentos que ocorreram no percurso da vida de cada um. Não houve a incorporação de tudo de maravilhoso, incluindo os relacionamentos, mesmo os piores, pois ficou o sentimento do que não se tem, do que foi embora ou do que não poderia ter acontecido. Vem muitas vezes junto com o sentir-se sozinho, empobrecido, sem pessoas com quem poderia compartilhar a sua vida. A solidão pode vir acompanhada de culpa, raiva, vergonha, fracasso, incompetência, que são “temperos” ao irem somando a outros e constituírem perigosamente o lugar da vítima e da falta de opções para seguir em busca do melhor presente que é estar vivo.
O que leva uma pessoa à solidão? A solidão aparece quando não ampliamos o conhecimento para o nosso potencial mais amplo e nos apegamos ao que perdemos. É quando fica tudo escuro e não se enxerga nada a não ser o que está faltando. Precisamos comemorar e valorizar a vida para ser vivida como algo maravilhoso, não como cheia de perdas e lamentos, mas de frutos e conquistas. Especialmente nestes tempos desafiadores em que estamos vivendo. Necessitamos celebrar muito mais a vida sob uma premissa integrada, sem egoísmo, em que nos reconhecemos como partes de um todo. De um universo que vibra dos níveis mais elementares, menores que as partículas que nos constituem, as maiores estruturas conhecidas e desconhecidas pelos seres humanos nos confins do cosmos. A World Psychiatry Association (Associação Mundial de Psiquiatria) tem uma recomendação para que os psiquiatras abarquem também os aspectos da espiritualidade no entendimento e tratamento clínico. Isso coincide com a minha atuação como psicoterapeuta e a metodologia “Despertar do Ser” que pratico e que se baseia na espiritualidade e associação com a física quântica. Acredito que esse “adormecimento” que ocorre de várias maneiras, em como as pessoas levam a sua vida, impede a plena realização delas, inclusive podem propiciar essa solidão. Meu trabalho, mesmo sem ser evidente nas sessões de psicoterapia, foca no ser que vive adormecido em cada um até que gentilmente possamos acordá-lo por meio do amor como substância superior, uma possibilidade de estar mais presente e verdadeiro na própria vida. Quem desenvolve essa consciência de ‘ser amor’ não estará só, mas terá a si próprio sempre.
Existe diferença entre solidão e solitude? Poderia nos explicar, se sim? No latim, solitude é a ‘glória de se estar sozinho’. Nos deparamos e constituímos um campo mórfico, que a física quântica mostra como energias que o compõem, do que temos, do que é nosso, do nosso poder. É uma oportunidade de refletirmos, como se estivéssemos silenciando para nos conectar com um estado que vai propiciar aproximar-se do sentido da nossa vida. É o melhor campo de energia condensada que nos protege da sensação de vazio, da falta de companhia, do abandono. Com a solitude conseguimos o aprendizado maior para ampliar o ‘amar alguém’, o relacional, e passar a ‘ser amor’, além de somente amar outra pessoa. Esse é um processo muito difícil para quem não faz um trabalho profundo consigo para redimensionar como está vivendo, e é o que eu mais gostaria de ampliar a minha distribuição do meu desenvolvimento como profissional e ser humano. Reconhecer-se sozinho e, ao mesmo tempo, como um ser capaz não só de amar, mas de ser o próprio amor, serve como iluminação para seguir a vida com mais verdade e completude. Na solidão, encontra campo fértil para instalar a tristeza, o desalento, a desesperança com a dor emocional que devasta quaisquer possibilidades de ver uma saída que traga alegria. Há um ciclo de constante retorno, em se viver eternamente uma biografia lamentando-se por quem se foi, pelo passado, pelo que não deu certo. O ataque à autoestima vem poderoso. A interferência nos dons e habilidades é prejudicial ao seu desenvolvimento pessoal. Os riscos de deixá-la tomar conta de toda a sua vida é grande.
Existem pontos positivos e negativos para o indivíduo que se sente sozinho? Esse tem sido o meu trabalho como psicoterapeuta a partir da minha formação como psiquiatra. Discernir o positivo e o negativo de tudo na vida nos tira da confusão do que somos, do que queremos ser, do que temos a obrigação de ser, das nossas crenças sobre realização, felicidade ou segurança. Só indo fundo para se conhecer mais e desmascarar o que se cria para atender isso tudo, será a plataforma para avaliar isso. A máscara encobre o que se é. É como pintar uma tela: saber como manuseamos os pincéis, nas tintas que escolhemos, nos revela instantaneamente. Perceber que a tela se tornou livre para expor tantos elementos, reconhecer as camadas de tinta que usamos na pintura, dá a chance de descobrirmos mais e mais sobre nós mesmos.
Gostaria que falasse também sobre uma situação muito comum entre casais que é o 'sentir-se' sozinho. O sentir-se acompanhado é basicamente uma interação de qualidade entre as pessoas? As relações afetivas devem propiciar o reconhecimento dos aspectos vitais para que o melhor de cada um alimente os caminhos necessários para trocas saudáveis e duradouras dos relacionamentos. Só se alcança o nível de autoconsciência exigido para nos relacionarmos – conosco e com os outros – se corrigirmos a forma como nos enxergamos na solidão diante do espelho. Não destruir o que já conquistamos, nem romper os entrelaçamentos mais profundos e legítimos é o mais recomendável num primeiro momento. Rememorar os mais longínquos recantos de suas memórias e guardá-los preciosamente, pode servir para revermos como chegamos a esse estado de solidão como casal. A mágica é como permanecermos vivos nessa relação sem nos destruirmos. Pelo contrário, há uma enorme possibilidade desse relacionamento ser muito mais do que concretamente vemos. Por isso, precisamos saber lidar com nossa solidão, criando mecanismos para torná-la construtiva. Às vezes imaginamos que o outro irá nos salvar de algo que nem conhecemos.
Quais iniciativas o leitor poderia tomar sobre a solidão? Poderia dar algumas dicas? Primeiro é abrir o canal do apaziguamento, da afirmação própria e principalmente se confirmando do potencial das infinitas condições de viver uma vida melhor. Sabemos que oração, meditação ou cultivo de valores edificantes alteram o cérebro e o corpo todo positivamente. A meditação com a intenção de desenvolver um estado pessoal vibracional positivo e amoroso, assim como a que fazemos nos conectando com pessoas, grupos, ambientes ou com o universo, nos cria essa disposição à retribuição do que recebemos. Todos esses caminhos levam ao autoconhecimento que, por sua vez, é a maior proteção à auto destrutividade da solidão. Como dicas, ofereço alguns exercícios que podem ajudar: - Em uma meditação ou relaxamento por alguns minutos, visualizar: “O amor maior vive dentro de você e esbanje a visualização da sua criança e se veja derretendo amor nela ao dormir”. - Faça uma reflexão: “Fazemos parte de um todo maior; somos partículas, sempre vinculadas às outras partículas. Aproveite um tempo em silêncio”. - Se veja como uma luz com potencial de iluminar sempre outras luzes. Fique um tempo com isso, também em um exercício de relaxamento. - Busque um processo, se possível com um profissional competente para guiá-lo no autoconhecimento profundo que leva ao despertar verdadeiro da consciência. - Entenda fortemente que as pontas soltas do passado incomodam até que as aparemos ou amarremos, tecendo uma linda manta que nos envolve.
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