Quem nunca emendou um capítulo de série com outro? Os serviços de streaming ajudaram a impulsionar um novo hábito: 'maratonar'. Em um primeiro momento, quando começamos a assistir a uma história, podemos abandonar ou ver todos os episódios de uma vez.
Para aquelas produções que não conseguem cativar o espectador no primeiro capítulo, a explicação pode ser simples: "Se é algo muito angustiante, aflitivo, perturbador, a pessoa pode abandonar o que está assistindo. Ou pode considerar que a série é fraca mesmo. Isso vai depender da personalidade de cada um", avalia o psicanalista Cláudio Castelo Filho.
Porém, para aqueles que não conseguem parar de assistir, a análise é mais profunda. A compulsividade é a marca do homem contemporâneo. A infinidade de estímulos que recebemos e a facilidade com que conseguimos ter acesso a diversos mundos nos motivam a trocar uma leitura mais densa de um livro por um vídeo curto no celular ou tablet. Perder tempo é algo impensável. "Hoje nós temos à mão uma infinidade de filmes, séries, histórias. E o ser humano gosta de histórias. Criamos empatia com os personagens", analisa a psicanalista Glaucia Leal, editora da Revista Mente e Cérebro.
Mas será que só somos capazes de nos prender por uma série quando criamos empatia com os personagens? Glaucia Leal contesta: "Nos identificamos tanto com aquilo que é igual, que nos seduz, quanto com aquilo que nos provoca, que é diferente, que a gente nunca vai viver. Essa atração é da ordem da fantasia e muitas vezes nos tira de uma vida sem graça, com problemas a serem resolvidos". A psicanalista ressalta que indivíduos com traços de depressão podem ser os mais vulneráveis.
A imersão no universo de fantasia e ficção nos afasta de nós mesmos. Essa fuga da realidade também é característica importante do indivíduo deste século. O sociólogo e filósofo Zigmund Bauman trouxe a definição 'modernidade líquida' para expressar o quanto as pessoas tendem a ter relações menos frequentes e menos duradouras. E isso pode ser projetado para a infinidade de possibilidades oferecidas pelos canais de streaming.
A Netflix divulgou estudo recente que mostra quais são as séries mais vistas no Brasil e no mundo. Para compilar os dados utilizados no gráfico internacional, foram analisadas as visualizações de mais de cem séries em 190 países. A média é que um assinante assista até duas horas diárias de suas séries, segundo a pesquisa, até chegar ao fim. No Brasil, as séries mais vistas são Better Call Saul, The Walking Dead, The Killing e Prison Break.
A compulsividade por séries gera um sinal de alerta. "Esse comportamento tem um preço, prejudica nossa autonomia. A facilidade que temos de passar de um universo para o outro com um só clique, quando ocorre em excesso, nos tira da condição de protagonistas da nossa história", conclui Glaucia. Castelo Filho concorda e vai além: "Quando isso se torna excessivo, começa a atrapalhar as outras funções da vida. Isso pode ser sinal de algum problema, como uma pessoa que fica adicta em jogos, drogas, etc", enfatiza.
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