Agitação nas pernas, coceira constante, inquietação e choro. Uma crise de ansiedade foi interrompida pela sensibilidade de Hagnar, cãozinho de Mayara. Ao notar os comportamentos de sua tutora, ele conseguiu que ela se sentasse e a salvou com seu companheirismo.
O momento de conexão foi registrado pela estudante de veterinária e viralizou no Tiktok. O acalento do Husky emocionou mais de dois milhões de usuários e deu maior visibilidade para o perfil Vida em Matilha, que passou a ser um dos poucos no Brasil a compartilhar conteúdos sobre cães de assistência, usados em serviços psiquiátricos.
No Tiktok, a tag #servicedog (cão de serviço), possui mais de 407 milhões de visualizações, com diversos vídeos de tutores, majoritariamente norte-americanos, com a mesma rotina de tratamento de Mayara. Os registros atraem usuários que se encantam pela sensibilidade e conexão desses pets. Eles também mostram a importância da Terapia Assistida por Animais.
“São anjos que nos devolvem nossa liberdade social, estabilidade emocional, e, literalmente, nos salvam de nós mesmos”, diz Mayara. A jovem de 23 anos é diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, ansiedade social e estresse pós-traumático.
Ela teve sua primeira experiência com cão de assistência em 2021, com Hagnar. Mas o cãozinho faleceu em outubro do ano passado e, atualmente, Sirius é quem auxilia no tratamento da tutora.
“Após a morte do Hagnar, eu prometi que iria fazer ele ser lembrado de alguma forma. Levar essa história e as informações sobre a importância do cão de assistência faz parte da minha promessa”, explica Mayara.
O que é Cão de Assistência?
Luciane Bordini, que trabalha como adestradora há sete anos, explica que um cão de assistência é treinado para auxiliar de maneira individual pessoas com deficiências físicas ou transtornos mentais, sensoriais e depressivos. No caso de assistência, somente cães podem desempenhar esse trabalho.
“Um cão de assistência é treinado para executar tarefas como alertar sobre crises, fazer terapia de pressão, buscar medicações, buscar ajuda para seu tutor em casos de crise ou desorientação, além de proporcionar autonomia ao seu tutor”, afirma.
De fato, esse é o papel de Sirius, que, segundo Mayara, tem funções como pegar medicamentos, responder a crises e chamar Guilherme, seu marido, em caso de necessidade de ajuda. Além disso, ele a leva até sua casa ou um local mais calmo em momentos de ansiedade.
A estudante sempre mostra seu animal “uniformizado” na rua. Cães de serviço precisam ser identificados para que outras pessoas saibam que, naquele momento, não são autorizadas a interagir com ele.
Nos coletes, ficam avisos como “cão trabalhando, não interaja”. “Desde que começam os treinos, ensinamos os cães, através de habituação, que, quando estão de uniforme, estão trabalhando. Quando estão sem colete, estão em descanso e podem brincar”, diz a adestradora.
Como funciona o treinamento de cães de assistência?
Mayara conta que, quando tinha Hagnar, pesquisou vídeos no Youtube de tutores norte-americanos que compartilhavam o treino de seus cachorros de assistência. Ela replicava no seu companheiro e, depois de um tempo, Luciene passou a treiná-lo.
A adestradora explica que a preparação para o cachorro se tornar de assistência leva em média de dois anos a dois anos e meio. Para a seleção são levadas em consideração as demandas do tutor. Depois de definir a raça e encontrar um canil de confiança para selecionar o pet, é analisada a genética do cachorro, para avaliar o histórico de saúde.
“Após essa etapa, quando a ninhada nasce, nós ainda temos o teste de personalidade, que é aplicado nos filhotes à partir do 49° dia de vida. Ele detecta tendência a comportamentos como medo, reatividade ou agressividade”, explica.
Depois que o cão passa por todos os requisitos, começa a aprender comandos básicos de obediência. “Como sentar, deitar e ter autocontrole (esperar para receber comida, por exemplo). Além disso, eles são treinados a ser socializados em ambientes com outras pessoas e animais”, diz Luciene.
Diferença entre cão de assistência e cão de suporte emocional
Cães de suporte emocional também auxiliam seus tutores através da sua presença, oferecendo afeto e companhia em meio a crises. Porém, a adestradora explica que esse treinamento consiste basicamente no adestramento de obediência.
“O cão de assistência é treinado a executar tarefas na prática. Como alertar sobre crises, buscar medicações, ajuda para seu tutor em situações de crise ou desorientação”, explica Luciene.
Como funciona o tratamento de Terapia Assistida por Animais?
Mayara explica que Sirius faz parte do seu tratamento, juntamente com medicações, reguladas por uma psiquiatra, e sessões de terapia semanais com uma psicóloga. Segundo Janaina Paiva, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, com experiência em Terapia Assistida por Animais, os pets atuam como “coterapeutas”.
“As intervenções são semiestruturadas e precisam respeitar o tempo de trabalho do animal. Geralmente, são usados cães por causa das suas características marcantes de amabilidade, facilidade em transportar (diferente dos gatos, por exemplo) e inteligência. As sessões são planejadas para incluir o animal nas intervenções para demandas específicas, onde eles atuam como coterapeutas participando de todo o processo”, explica.
Janaina explica que as sessões com animais na consulta com uma psicóloga acontecem em torno de 40 minutos. O tempo de serviço diário de um animal coterapeuta não deve ultrapassar uma hora e meia de dias alternados, respeitando o tempo de pausa.
Ela descreve algumas intervenções que os cães podem fazer para o apoio emocional: “Por exemplo, identificar a ansiedade e agir de forma mais gentil ou deitar ao lado do paciente. Existem os estímulos sensoriais, como esfregar o focinho para acariciar ou lamber de forma mais suave”.
Para além da companhia, conforto emocional e redução do estresse e ansiedade, os benefícios dos cães de assistência também são neurológicos. “Eles contribuem na liberação de substâncias benéficas como a oxitocina (sensação de felicidade e afeto), serotonina (controle do humor), dopamina (satisfação e felicidade) e endorfina (prazer e relaxamento)”, afirma a psicóloga.
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