"Daqui a muito tempo, vocês não se lembrarão de nada do que eu disse aqui".
§ Há muitos anos, assisti, no auditório do Clube Pinheiros, a uma palestra de um espanhol especialista em criatividade. O madrilenho entrou no ambiente lotado e, antes de se sentar, tirou o paletó e o lançou sobre a plateia. Foi um enorme "oooh!". O palestrante, por fim, se acomodou e disse: "Daqui a muito tempo, vocês não se lembrarão de nada do que eu disse aqui, só desse paletó jogado". Em seguida, recomendou que sempre nos perguntássemos: "Minha ideia tem uma jogada de paletó?". Sem isso, ela nunca seria memorável. Depois de assistir ao debate entre candidatos para prefeito de São Paulo, pensei: daqui a décadas, ninguém se lembrará de nenhum detalhe do embate, só de uma cadeira jogada.
§ Eu esperava o táxi na rua quando vi o cidadão: um tamborete numa mão, um saquinho de balas para vender na outra. Seguia em linha reta, mas, ao se deparar com um poste, contornou-o com graça, e seguiu adiante. Meu olhar o acompanhou por um bom tempo. Até onde pude enxergá-lo, o homem do tamborete repetia o gesto sempre que encontrava outro poste. Foi a melhor aula prática sobre a diferença entre a marcha da prosa e a narrativa circular da poesia.
§ Depois de muito tempo, olhei para meu violão encostado na parede. Ele parecia querer me dizer algo. Fui tentar afiná-lo, mas uma parte do braço havia descolado. Levei-o a um luthier, que o pôs de pé. Ao voltar para casa, aninhei-o no peito e o fiz soar. Ao terminar, as pontas dos meus dedos, desacostumadas ao trabalho, estavam em chamas. Enquanto dedilhava, lembrei-me das vezes em que ele me acompanhou. Esteve em todas as salas, de todos os cantos onde me abriguei, nas mãos de parceiros, em bares, sobre palcos. E eu, acreditando que o companheirismo estava no casamento. Perto da camaradagem do meu pinho, tudo fica a anos-luz. Para mim, sem dúvida, o violão é o melhor amigo do homem: é um cachorro encordoado.
§ O verdadeiro propósito da literatura virou ganhar prêmios. Enquanto autores procuram ideias originais e leitores buscam algo que preste para ler, muitos editores estão ocupados em criar obras adaptadas ao gosto dos jurados. Qualidade e autenticidade podem esperar. O talento está em transformar textos triviais (e quase sempre dos mesmos escritores) em joias premiáveis, seguindo a fórmula: lacração + verniz de intelectualismo = mais uma estatueta na estante. O leitor é só um quebra-molas entre a editora e sua consagração. Desde que a capa receba o selo com aquele cágado, missão cumprida. Enquanto as letras de verdade mergulham no pântano do esquecimento, os tais editores fulguram, orgulhosos, no palco, de ego inflado e troféu na mão. Palmas para os gênios da embalagem.