Ontem, após 35 anos em coma, Aristeu acordou.
No dia 15 de novembro de 1989, ao ser aberta a primeira urna da eleição direta para presidente, Aristeu estava com a família, acompanhando a apuração. Foi até a cozinha, pegou um cafezinho e, ao se sentar no sofá, teve um mal súbito. Estatelou-se diante da TV e foi levado ao hospital mais próximo de sua casa, em Brasília.
Ontem, após 35 anos em coma, ele acordou. Estava ladeado pelo filho Filinto, agora com 40 anos, que o inteirou da situação do país.
-- Filinto... onde estou?
-- Pai, você acordou! Está no hospital. Faz 35 anos que está em coma.
-- 35 anos? Mas e a eleição? Quem ganhou?
-- O Collor venceu, pai.
-- Aquele playboy de Alagoas? E o que aconteceu depois?
-- Bom, ele foi impichado.
-- Impi...? Como assim? O que houve?
-- Foi cassado.
-- Ah, entendi.
-- Aí veio o Itamar, depois o Fernando Henrique. Em seguida, teve o Lula.
-- O sindicalista?
-- Sim, ele mesmo. Foi eleito duas vezes, preso, e agora é o presidente. Mas antes disso teve uma reviravolta. A Dilma, que foi ministra do Lula, também foi impichada.
-- Mas espera aí, filho, o país virou circo?
-- É, em seguida veio o Temer e continuou a palhaçada. Mas olha, pai, não se estressa, tá? Respira fundo.
-- Conta mais, eu quero saber!
-- Bom, depois entrou o Bolsonaro, um militar da reserva metido à extrema-direita.
-- E conseguiu virar presidente?
-- Isso mesmo. Ele ficou durante uma pandemia. O país passou por umas coisas bem complicadas.
-- Pandemia? A Gripe Espanhola voltou?
-- Não, não. Foi outra coisa: um vírus chamado COVID-19. Matou muita gente. Quase 700 mil só no Brasil.
-- Santo Deus... E como o povo reagiu?
-- Foi dureza. Muita desinformação, negacionismo. As pessoas não queriam tomar vacina...
-- Negaram vacina? Depois de tudo que a gente passou com varíola, sarampo?
-- Pois é. E teve o 7×1 também.
-- 7×1?
-- Na Copa do Mundo de 2014, pai. A Alemanha nos goleou no Mineirão.
-- Espera: golearam a seleção canarinho por 7×1? Na nossa casa? E como aguentaram isso?
-- Não muito bem... Teve de tudo depois. Ah, e agora ainda quase elegeram, com mais de um milhão e meio de votos, um estelionatário que tentava virar prefeito de São Paulo.
-- Você não está fazendo piada, Filinto?
-- É sério, papai.
-- E o povo ainda votou nesse sujeito?
-- Pior que votou.
-- Santo Deus, acabaram os debates?
-- Não. Só que agora tem cadeirada entre os candidatos.
-- Não pode afundar mais então.
-- Pode, pai. Com as queimadas na Amazônia, as enchentes no sul. O clima tá todo desregulado.
-- Não acredito. Alguém fez alguma coisa pra evitar?
-- Calma... Não se agita. Tem gente tentando, mas as coisas estão difíceis.
-- O Brasil virou um hospício!
-- Respira... Eu sei que é muita coisa pra digerir, mas você precisa descansar. Vai ficar tudo bem.
-- Ah, pra mim já era. Nem quero saber de mais nada.
-- A gente vai levando. Como sempre fez.
-- ...
-- Pai, pai... Fala comigo!
-- ...
-- Enfermeira, corre! Meu pai voltou ao coma!
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