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Opinião | Horror, o teu nome é mulher

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Atualização:

Mais uma área onde as mulheres brilham.

 

(Rawpixel) Foto: Estadão

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Desde a mais tenra idade tenho uma queda pelas narrativas de horror. Comecei assistindo escondido, em companhia de minha babá, a série Além da Imaginação. Aquilo, em meados dos anos 1960, era algo perturbador até para adultos mais sensíveis, quanto mais para um molecote frágil dos pulmões feito eu.

Ao ser flagrado por minha avó vendo um episódio sobre rapto de humanos por alienígenas, fui obrigado a pegar mais leve. O máximo de adrenalina permitida era acompanhar Combate, estrelado por Vic Morrow - o memorável sargento Chip Saunders. Adorava as partes em que os ianques, a seu comando, detonavam os nazis à base de metrancas, granadas e baionetas.

A curtição, entretanto, não duraria muito. Logo estava de olhos fixos, naqueles horários em que os familiares dormiam, nos Drácula, de Vincent Price, e nos Frankenstein, de Boris Karloff. Todos na Sessão Coruja, da Mamãe Globo.

Foram tantos os longas que acabei enjoando o gênero por um bom tempo. Na sequência, porém, optei por conhecer as obras macabras da Literatura. Frequentei as páginas de Poe, Lovecraft, Bierce, Hoffmann, Machen e os incluídos na Antologia da Literatura Fantástica, encabeçada por Jorge Luis Borges.

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Com a chegada dos streamings voltei a me interessar por filmes e séries amedrontadoras. Só que, para achar um grão de trigo em meio ao joio de ruindade, é necessária uma tremenda garimpagem. Quase tudo é sem noção e, em especial, sem qualquer verossimilhança. Basta ver as notas do IMDb para thriller e horror. Se achar algo acima de 6.5, você está diante de um bilhete premiado.

Não se pode afirmar o mesmo da literatura fantástica da contemporaneidade. Notadamente, a que está sendo gestada por certas autoras latino-americanas. São elas: Samanta Schweblin, Giovanna Rivero, Mariana Enríquez, Mónica Ojeda, María Fernanda Ampuero, Fernanda Melchor, Pilar Quintana, Dolores Reyes, Liliana Colanzi e Jacinta Escudos.

Todas, menos a salvadorenha Escudos e a boliviana Colanzi, já estão com livros lançados no Brasil.

O que as une é um modo particular de expressar o esdrúxulo. O que vem primeiro não é um horrendo episódio sobrenatural, mas a hedionda realidade de seus países. A decadência de bairros inteiros numa capital federal, tráfico de pessoas, rinhas de galo, escolas para garotas da elite onde estas praticam atos sórdidos umas contra as outras.

Outra similaridade é a mirada feminina em relação ao horripilante. Muitos se perguntam como tantas escritoras do nosso continente surgiram, num tempo relativamente curto, produzindo histórias tão cruas e atrozes?'

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Em entrevista ao jornalista Rodrigo Casarin, Samanta Schweblin deu uma boa pista:

"Viemos todos de países latino-americanos que foram e seguem sendo sistematicamente violentados pelas políticas externas e internas, pelas maneiras como nossas histórias têm sido manipuladas, fomos e seguimos sendo saqueados por mais de 500 anos. E o pior é que normalizamos grande parte disso tudo. Do que mais escreveríamos senão a partir do insólito e do horror?".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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