Se tem uma coisa que é atemporal, além de vampiros, é a burocracia.
Se tem uma coisa que é atemporal, além de vampiros, é a burocracia. E nada diz mais sobre o "século XXI" do que preencher formulários em sites e golpes no WhatsApp. Agora, imagine o pobre corretor Thomas Hutter, com sua mala de rodinhas, indo aos confins dos Montes Cárpatos para entregar um contrato a ninguém menos que o conde Orlok, a.k.a, Nosferatu. O ano é 2025, e nada é tão simples.
Primeiro, Hutter teria que enfrentar o planejamento da viagem. Claro, ele pesquisaria no Google Maps como chegar lá. Mas, ao digitar "Castelo do Conde Orlok" no campo de busca, só surgiriam dois resultados: uma pensão com péssimas avaliações ("atenção: cheira a mofo e o anfitrião é pouco higiênico") e um vídeo do TikTok de uma blogueira chamada @ViajanteGótica que quase foi devorada por lobos tentando chegar ao castelo.
Desesperado por uma comissão, Hutter decide alugar um carro e se aventurar. Depois de enfrentar oito pedágios, um GPS que insiste em recalcular a rota, e uma playlist de podcast sobre crimes reais que só o deixou mais paranoico, ele chega à fortaleza gótica de Nosferatu.
Ao entrar, se depara com o próprio Orlok, que, nos tempos atuais, parece ter abraçado o look hipster das trevas. Roupão de linho cru, uma taça de vinho (ou seria sangue?) nas mãos, e aquele corte de cabelo "sou diferentão".
Orlok faz questão de mencionar que está "off social media", mas que usa um e-mail criptografado para business. Ele ainda tem seu charme - dentes afiados, unhas enormes e o talento único de aparecer bem na sua frente sem fazer barulho. Mas hoje também possui uma Alexa no canto da sala. "Alexa, luz mortiça no salão principal!", diz ele. E a assistente virtual obedece, jogando um tom de filme de terror.
Hutter tenta iniciar a conversa sobre o contrato. Orlok insiste em pagar com criptomoedas, algo que deixa Hutter estressado. "Bitcoin é tão mainstream", murmura Orlok, enquanto oferece ao corretor uma taça de alguma coisa que, definitivamente, não é cabernet.
Depois de horas, Hutter consegue a assinatura. Só que, ao sair do castelo, nota que perdeu o sinal de celular e não consegue chamar um Uber. Sem opções, é obrigado a aceitar uma carona na carroça de um camponês local que, a cada dois minutos, pergunta se ele não quer ouvir histórias de lobisomens.
Mas o pior ainda está por vir. Assim que volta para casa, Hutter percebe que o vampiro resolveu passar uns dias sugando novas energias - no caso, do pescoço de sua esposa.
Ellen está tranquila, postando selfies com legendas poéticas no Instagram, quando Orlok aparece na janela do segundo andar. Ele tenta ser sedutor, mas esquece que 2025 é o ano da terapia e do autocuidado. Ellen o corta na primeira frase: "Olha, tio, eu não sou mais codependente. Se você quer sugar alguma coisa, sugiro outra pessoa porque, sinceramente, estou exausta."
No final, Hutter acaba se perguntando se valeu a pena todo o esforço por uma comissão. Orlok, por sua vez, resolve voltar para o castelo e transformá-lo em Airbnb. Com slogans como "venha viver uma experiência de arrepiar!" e pacotes especiais com degustação de vinhos romenos (outra mentira), ele acaba lucrando mais do que esperava. Ellen, por outro lado, vira uma influenciadora do nicho de mulheres que venceram vampiros tóxicos.
FIM
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