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Opinião | Quando um homem teme o céu

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Foto do author Carlos Castelo

Desastres aéreos me deprimem muito além do razoável.

(Dall-E)  

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Desastres aéreos me deprimem muito além do razoável. Meu sobrenome é Castelo Branco, e os Castelo Branco parecem mais suscetíveis a acidentes de avião, leia-se marechal Humberto de Alencar.

Fiz psicanálise por quase dez anos. Durante esse período, tinha um sonho recorrente. Andava pela cidade e, ao olhar para o céu, via um jato caindo. Ficava aflito ao presenciar a cena. No sonho, só havia a queda do aparelho, sem incêndio ou fumaça. A psicanalista sugeriu que as aeronaves caindo, com seus formatos fálicos, representavam algo que me broxara no cotidiano. É como me sinto ao batucar esta crônica.

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Ao assistir o ATR, num AVC, nos céus de Vinhedo, vi meus sonhos se concretizarem de uma forma aterrorizante. O turboélice da Voepass caiu exatamente como os jatos da minha imaginação: girando como um frágil trevo.

Tive experiências ruins voando. Não faz muito tempo, indo para Ponta Grossa (num ATR), o vento fez a aeronave balançar durante o pouso como um barco viking de parque de diversões. Pensei que o piloto arremeteria, mas conseguiu aterrissar. No dia seguinte, optei por voltar a São Paulo de Airbus. Acordei às cinco da manhã e decolei de Curitiba.

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Outra vez foi indo para os Estados Unidos. Sobre o Peru, a turbina expeliu óleo quente sobre a janelinha enquanto eu lia um livro. Fizemos um pouso de emergência em Lima. Os passageiros esperaram 48 horas em solo. O lado bom: recebemos hospedagem premium e mil dólares para extras. Gastei metade em pratos com frutos do mar do Pacífico e pisco.

Já namorei uma aeromoça. O relacionamento foi breve. Suas histórias sobre o trabalho me causavam enjoo.

Aeroportos e cassinos se assemelham. Os de Las Vegas são projetados para que o apostador perca a noção de tempo, focando em comer, beber e torrar fichas. Os grandes aeródromos são assim também: você deve se sentir leve e feliz, esquecendo que logo será alçado a 35 mil pés de altura.

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Admiro quem dorme com facilidade no avião. Uma vez, tentei ser assim indo a Paris. Tomei um calmante em Guarulhos e só acordei na descida para o Charles de Gaulle, aos gritos pensando que tinha morrido num acidente aéreo.

Nem tudo, entretanto, é negativo quando viajamos como pássaros numa prótese metálica. Certa ocasião, na ponte-aérea, sentei-me ao lado de Rolando Boldrin. Ele contou causos durante todo o trajeto. Nunca a duração de um voo foi tão curta.

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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